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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga | 14 Nov 2005
UMA IGREJA PARA O MUNDO - Assembleia Plenária C.E.P.
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[Alocução do Senhor Arcebispo Primaz, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, no início da Assembleia Plenária Conferência Episcopal Portuguesa] UMA IGREJA PARA O MUNDO Assembleia Plenária C.E.P. - 14.11.05 Dentro de dias, em 7 de Dezembro, celebraremos o quadragésimo aniversário do encerramento do Concílio do Vaticano II. Importa dar-lhe vitalidade. Ao pensar nessa grande assembleia de todos os Bispos, em união com o Bispo de Roma, quero iniciar estas minhas palavras testemunhando a nossa mais profunda comunhão eclesial com Sua Santidade, o Papa Bento XVI. É a primeira Assembleia Plenária após a sua eleição, pelo que solicito a Sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Núncio Apostólico – a quem saúdo, agradecendo a presença e a solicitude pastoral – que lhe assegure o nosso sentimento de fidelidade e empenho colegial, ao serviço da edificação do Reino de Deus. Paulo VI referiu-se ao Concílio com palavras que podemos, hoje, assumir programaticamente: “O Concílio não conclui os seus trabalhos no meio do esgotamento de forças mas antes no meio do entusiasmo que desperta… O Concílio falou ao mundo não com presságios funestos mas com uma mensagem de esperança e palavras de confiança” (Homilia de encerramento). De facto e apesar de a actual situação, especialmente a que se vive no nosso país, parecer evocar o desânimo e o pessimismo, o Espírito Santo que nos anima interpela-nos a uma palavra de esperança e entusiasmo pelo futuro. No leque de tão diversificadas leituras da realidade, a Igreja é portadora de um humanismo caracteristicamente cristão, que nos torna – sempre e em toda a parte – “cultores do homem”, através do interesse realista e concreto pelos seus problemas e do respeito pelos seus projectos e sonhos, em clara atitude de esperança. Evocar o Concílio do Vaticano II significa, por isso, imprimir à acção da Igreja uma centralização no ser humano, na profunda convicção de que “só no mistério do Verbo Incarnado encontra luz o seu mistério… Cristo, revelando o mistério do Pai e do seu amor revela precisamente o homem ao homem” (Gaudium et Spes 22). A modernidade, após o fracasso de tantas alternativas propostas para substituir a fé no Deus único e verdadeiro, parece ter atingido um vazio que a difusão quase planetária da chamada «cultura global» pretende encher, mas sem evocação da profundidade humana ou da sua orientação para Deus. Por essa via, absolutiza-se a vontade individual como única fonte e único critério de liberdade. Fala-se de convivência democrática mas, em realidade, só o “eu” individualista ou os interesses de sistemas anónimos parecem determinar e orientar as condutas. Neste contexto e por vocação própria, a Igreja deverá renovar a consciência do papel público que o cristianismo detém, propondo as condições básicas para uma convivência livre e democrática e conferindo à fé uma «função civil» que lhe é congénita. Mais do que nunca, teremos de interpelar os cristãos para a exigência de trabalhar pelo bem integral do ser humano, na defesa da dignidade da pessoa, da vida e da família, assim como na promoção da paz, através de um encontro inter-cultural baseado no respeito, na justiça e na verdade. Daí que não possamos alhear-nos ao presente da história portuguesa, contribuindo, individual e colegialmente, para a defesa da vida e para conseguir que esta seja vivida, por todos, de modo cada vez mais humano. Como poderemos realizar este contributo original e insubstituível, que exercemos por direito próprio e sem necessidade de recurso a privilégios ambíguos? 1. Transmissão da fé O primeiro caminho, aquele que nos é mais próprio, é o da transmissão da fé, como experiência de Deus, em Jesus Cristo e por acção do Espírito. Esta fé assenta, é certo, na opção pessoal, no mais íntimo de cada sujeito, mas não se reduz à dimensão privada, devendo repercutir-se no quotidiano pessoal e social. Sabemos que se torna urgente repensar a transmissão da fé. Sempre labutámos e investimos energias neste sector. Sem pessimismos, temos de reconhecer que o confronto com o mundo plural e globalizado exige dos cristãos uma fé consciente de novos desafios, cada vez mais empenhada na configuração da vida pública e na denúncia de eventuais atentados contra a humanidade. Por isso, no contexto das assembleias plenárias da Conferência Episcopal Portuguesa, iremos reflectir, ao longo dos próximos três anos, sobre a importante questão da transmissão da fé, em ordem a novas respostas pastorais. Na presente assembleia, reflectiremos sobre os novos modelos culturais, que exigem discernimento, em fidelidade ao Espírito. Estamos perante um tempo novo, com desafios inéditos – culturais, educativos, morais, económicos, espirituais – e não podemos ficar indiferentes. Teremos de nos colocar nos caminhos da gente que vive connosco, caminhar com todos e como todos, colher as expectativas mais profundas e a procura de sentido para a vida e para a morte, para o bem e para o mal. Perante a mudança, não basta lamentar a perda de tempos passados nem apegar-se a modelos inadequados. É preciso, em muitos casos, modificar também as atitudes. Só assim poderemos contribuir, na fé, para criar uma forma de estar e de pensar que alicerce a cidadania e convivência humana em princípios sólidos, capazes de suscitar e gerar iniciativas nos mais variados âmbitos: defesa da vida, promoção humana, respeito pela natureza, promoção de sadia convivência social, no respeito pela diversidade de culturas e religiões, sempre com especial atenção aos mais pobres e desfavorecidos. Por outro lado, não podemos resignar-nos à inevitabilidade duma sociedade que pretende construir-se sem rumo, originando reacções violentas e destruidoras, como as que presenciámos recentemente. Devemos cultivar uma consciência crítica e persistente que possa contribuir para acordar a sociedade contemporânea, especificamente a sociedade portuguesa. A violência dos últimos dias é sintoma duma sociedade que deve alterar comportamentos e apostar em valores. Em nome da fé, deverá criar-se uma consciência cívica activa, crítica e interventiva, para um novo modelo de vida, inspirado nos valores humanos e cristãos. Trata-se de uma tarefa confiada, prioritariamente, aos leigos, pela sua “própria e específica índole secular” (Lumen Gentium 31), como vocação a viver as realidades do mundo ordenando-as e assumindo a proximidade com todos os homens e mulheres, com todos os seus problemas e percursos sócio-culturais. Os cristãos são “colaboradores do Evangelho” (Cf. Fil 4, 3), tornando-se protagonistas activos da história e dos processos dinâmicos que a constroem. 2. Desafios concretos A Igreja não se intromete na vida do mundo, como um grupo estranho, mas permanece fiel à sua missão de servir a humanidade, numa proposta capaz de suscitar um humanismo integral. Por isso, nada lhe pode ser alheio. Tudo lhe diz respeito e a cada coisa quer dar um sentido. A fé no nome de Jesus Cristo não lhe permite o silêncio, caso contrário as pedras dos caminhos falariam por ela (Cf. Lc. 19, 40). No momento presente da vida social portuguesa, gostaria de referir algumas realidades que exigem intervenção. 1 - Educar para uma ecologia responsável: Não podemos ficar alheios ao drama dos incêndios. Não é do passado e, por isso, no interior das comunidades eclesiais, teremos de recuperar uma catequese sobre a enorme gravidade moral que constitui o acto de pegar fogo à floresta e de estimular a corresponsabilidade de todos, mesmo no momento de denunciar potenciais incendiários. Não será necessário voltar a insistir sobre a gravidade de certos pecados, individuais e colectivos? Sabemos que não será suficiente a concentração nos recursos humanos e materiais, no âmbito da prevenção ou da acção. Como em tudo, importa ir às causas de natureza cívica e questionar-se sobre as razões do desleixo ou dos actos premeditados. A Igreja, assim como a escola e os meios de comunicação social, têm de insistir na formação duma consciência individual e pública, de um modo permanente e não se limitando à chamada – de forma muito infeliz e quase motivadora – «época de incêndios». Ao arder uma floresta – longe ou perto – arde um património e um bem de todos. 2 – Um poder local de serviço a todos: Participámos, recentemente, no processo de eleição de autarquias locais. Não nos compete olhar os resultados nem formular análises. O poder autárquico deve ser, cada vez mais, um verdadeiro serviço à comunidade local, em responsabilidade de resposta a todo o tipo de necessidades, sempre e só numa perspectiva de solidariedade para com todos e dum modo particular para com os mais vulneráveis e abandonados (idosos, doentes, desempregados, imigrantes, jovens à procura do primeiro emprego, etc.). A todos urge oferecer as condições mínimas para uma vida com dignidade. Sempre dentro do princípio da proximidade e em colaboração com as diversas instituições locais que prestam serviço à comunidade, a Igreja, num estado laico e de regime de separação, nunca deixará de agir sem se prender, preservando a liberdade de quem caminha com o povo e o defende, ainda que para isso possa ser necessário denunciar humildemente o que lhe parece injusto e indigno para com os mais pobres e incapazes de fazer valer os seus direitos. Gostaria de deixar uma palavra de apreço e de estímulo àqueles autarcas que, a pensar no bem comum, se entregam ao desenvolvimento harmónico das localidades e ao crescimento integral de todos os seus habitantes. Fazemos votos de que prossigam, sem desânimos, em favor duma democracia verdadeira e de que os cristãos não tenham receio de participar nesse processo, sempre na procura de soluções humanizantes. 3 – Para uma cultura da vida: A Igreja nunca pode renunciar ao direito e ao dever de defender a vida, desde a concepção até à morte natural, defendendo ser a família o contexto vocacional e comunitário onde mais originariamente se possibilita o seu crescimento e a sua dignidade. Sabemos que a vida de cada pessoa humana nunca poderá ser sujeita a votação. Nenhuma maioria pode decidir sobre a vida, própria ou dos outros. Trata-se de um dom gratuito, de que nenhum ser humano pode dispor, sem correr o grave risco de destruir a própria humanidade. Para os crentes, essa vida é dom de Deus criador, a acolher e a trabalhar, para a tornar experiência de salvação. Assumindo-a como direito inviolável, estaremos sempre do seu lado e interpelaremos os cristãos para que, neste gravíssimo assunto, vivam os compromissos inerentes à sua fé. Reconhecendo que a vida não é referendável, sabemos que a nossa posição encontra o seu fundamento último, sem dúvida, na fé que professamos, mas trata-se de uma posição que poderá e deverá ser compreendida e assumida por qualquer ser humano, independentemente de ser ou não crente, com prática religiosa ou não. O adiamento temporário da questão não pode provocar alheamento, mas antes ser motivo de maior esclarecimento dos cristãos e de todos os demais cidadãos, para que, de forma livre e em ambiente de sadio debate, todos possam compreender que se trata, aqui, de uma realidade incondicional, por isso não referendável. Aproveito, ainda, a ocasião para agradecer a muitos homens e mulheres – cristãos ou não – que se empenharam e empenham para que Portugal possua uma legislação alicerçada num sadio humanismo e nunca em correntes de pensamento que, por facilitismo ou mesmo ausência de valores, possa abrir as portas do futuro a muitas outras formas de desumanidade. Para nós, a porta do futuro, o progresso que desejamos para todos os seres humanos, situa-se antes ao nível do empenho em criar condições de vida para que todas as mães possam ter os seus filhos dignamente e para que todos os filhos possam conhecer uma vida digna, a que têm direito. Compete-nos continuar a suscitar uma cultura da vida. Estamos confiantes de que o povo português e os profissionais de saúde não quererão onerar a sua consciência com actos que, parecendo resolver angústias momentâneas, geram situações pessoais e sociais de clara infelicidade ou mesmo de desumanidade. Pretendendo ilibar muitas mulheres, criar-se-iam condições para que a sociedade lhes viesse a exigir algo, cujo peso iria marcar as suas consciências pela vida fora, tornando essa vida mais indigna. 4. Educar para a sexualidade Entre as iniciativas válidas para fazer frente ao grave problema do aborto encontra-se, sem dúvida, o empenho por realizar uma educação da sexualidade aprofundada e equilibrada. Saliento que a família é o contexto primordial dessa educação, admitindo que a escola possa desempenhar um papel auxiliar. Alerto, contudo, para o perigo de enveredar por facilitismos ou de ceder a intromissões ideológicas e económicas. Assim sendo, por um lado saúdo a intenção de integrar a educação sexual nas escolas sem criação de uma disciplina específica mas simplesmente no contexto da educação para a saúde pública. Com isso, reconhece-se que a abordagem de outras dimensões não pode ser assumida de ânimo leve. Por outro lado, contudo, temo que a concentração do assunto na questão da saúde possa induzir os jovens a uma compreensão redutora da sexualidade. Será necessário, por isso, que a escola também tome iniciativas, em estreita colaboração com as famílias, no sentido de abordar de modo mais integral a sexualidade humana, sem excluir dimensões afectivas, éticas, sócio-culturais, etc. Às escolas são lançados, agora, desafios importantes. Em primeiro lugar, deverão saber trabalhar em conjunto com os pais, nunca desrespeitando as convicções e valores das famílias. É certo que muitas famílias precisam de ajuda neste campo especial da tarefa educativa. Mas a escola nunca pode tomar iniciativas sem que as famílias sejam escutadas e respeitadas. Em segundo lugar, uma equilibrada educação da sexualidade implica, da parte dos docentes, formação acrescida, quer ao nível da biologia, quer sobretudo ao nível da história cultural, da psicologia, da antropologia, da ética e de tudo o que tem a ver com o desenvolvimento da afectividade. Saúdo todas as iniciativas já levadas a cabo, neste campo, alertando os responsáveis para a necessidade de um grande investimento, tendo sempre em vista o futuro sadio e feliz, das gerações mais jovens. 3 – Conclusão: Nesta perspectiva de redescoberta do concílio Vaticano II e no espírito da Gaudium et Spes, a Igreja reconhece-se como parte integrante do mundo, em comportamento solidário com o ser humano, e não se resigna ao estatuto de “gheto”, que muitos contemporâneos pretendem empurrar para o foro meramente pessoal e intimista. Ela recusa esse estatuto, não no seu próprio interesse, mas para bem de todos os humanos, com as suas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (Lumen Gentium 1). Nunca poderá aceitar qualquer dicotomia entre fé e vida quotidiana, mas aceita o desafio presente no facto de que a “ruptura entre evangelho e cultura é sem dúvida o drama da nossa época” (Evangelium Nuntiandi 20). Saberemos reconhecer a legítima autonomia da cultura, da economia, da ciência e da política… Só não poderemos aceitar que esta se torne anti-religiosa na promoção de qualquer falso humanismo, sem horizontes vastos e profundos. Com estas palavras não pretendo insinuar qualquer tipo de condenação ou ataque de ordem política. Reconheço a existência de forças que agem com maior ou menor clareza, mas sei que do Evangelho emanam forças e luzes com capacidade geradora de uma comunidade humana renovada. Não queremos nem podemos ser meros espectadores. Teremos de participar, redescobrindo permanentemente e propondo, com audácia, o homem novo, Cristo, donde nascerá uma verdadeira humanidade e um mundo novo, marcado por um humanismo integral. É verdade que a Igreja parece ser mais uma presença, entre outras presenças na história humana. Contudo – sem vanglória mas sim com responsabilidade – ela é lugar de uma outra presença, memória viva de Cristo que, participando na história, não se reduziu nem se reduz aos seus parâmetros. Não pretendemos, por isso, quaisquer privilégios. Temos, isso sim, a responsabilidade de mostrar outros horizontes. + Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
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