Arquidiocese

ANO PASTORAL
"Onde há amor, aí habita Deus"

[+info e Calendário]

 

Desejo subscrever a newsletter de Revista de Imprensa Internacional
DACS | 12 Fev 2021
Distraído enquanto reza? A voz de Deus ou a nossa?
Sete dicas do Pe. James Martin, SJ, sobre o que escutar e dar ouvidos durante a oração. "Quando sentir desespero, não lhe dê ouvidos; quando sentir esperança, siga-a."
PARTILHAR IMPRIMIR
  © Amaury Gutierrez

Num artigo escrito na revista “America: The Jesuit Review of Faith & Culture”, o Pe. James Martin fala um pouco da sua experiência enquanto director espiritual e relembra um episódio com uma mulher que lhe terá pedido ajuda para discernir entre o que Deus e a sua cabeça lhe diziam.

Nem tudo o que vem à nossa cabeça nos chega directamente de Deus, explica o sacerdote, que afirma haver uma clara diferença entre a voz de Deus e a nossa.

Imaginemos que estamos a meditar sobre a Multiplicação dos Pães e dos Peixes e nos vem à cabeça a refeição que nos caiu mal na semana anterior. A mente vagueia e prometemos não voltar ao restaurante em que fizemos essa refeição. Ao fim de algum tempo, pensamos: que está Jesus a querer dizer-me? Não é suposto eu segui-Lo? Segui-Lo vai tornar-me doente?

O Pe. James diria que esta é apenas uma distração, algo que vem à nossa cabeça sem nenhum significado muito profundo, e pede para se imaginar outra situação. Estamos a meditar sobre a mesma passagem e, de repente, sentimos uma vontade avassaladora de estar à mesa com Jesus. Aqui não nos estamos a referir apenas a fome, mas sim a uma necessidade de estar com Ele. Imaginamos como seria bom ter a Sua companhia, como seria bom partilhar a mesa com Ele. Essa visão traz-nos à memória o nosso avô, que era tão cuidadoso e afável connosco, lembra-nos as refeições com ele. O nosso avô fazia-nos sentir especiais e amados e começamos a pensar em Jesus exactamente assim: alguém que nos é imensamente querido e com quem desejamos passar mais tempo.

“Esta segunda memória é diferente da primeira, não é?”, pergunta o sacerdote jesuíta. O que distingue as duas? Como é que conseguimos discernir o que é de Deus e o que não é? Ou, melhor dizendo, a que devemos prestar atenção? O Pe. James Martin diz que não há uma fórmula única para responder a estas perguntas, mas há algumas questões que podem ser colocadas nestas situações e que lhe foram especialmente úteis ao longo da vida.

 

1. O “mau espírito” está envolvido?

Vamos voltar ao pensamento da suposta refeição estragada que ingerimos. Se nos causa ansiedade, nos inquieta o espírito ou nos afasta da oração, pode realmente não ser mera distracção e sim aquilo a que Santo Inácio se refere como “mau espírito”, um impulso que nos distancia de Deus e impede o nosso progresso espiritual.

Neste caso concreto, esse espírito está a tentar distanciar-nos de Deus; melhor dizendo, está a usar a nossa distracção para fazê-lo. A última coisa que deseja é que estejamos próximos de Deus. Se lhe dermos ouvidos, é bastante provável que façamos uma associação do género: “se seguir Deus, provavelmente irei trabalhar com os pobres e depois ficarei doente. Tal como aconteceu quando comi aquele peixe!…”. Claramente isto não vem de Deus.
 

"Quando sentir desespero, não lhe dê ouvidos; quando sentir esperança, siga-a."


Em geral, o “mau espírito” tenta conduzir-nos a más acções, ou, inicialmente, a um sentimento de desespero e desânimo. O Pe. James Martin alerta também para a utilização de linguagem “universal”. Quando pensamos que “nada vai melhorar”, “toda a gente me odeia”, “ninguém me ama”, “estou sempre a falhar”, ou “nunca vou conseguir mudar”, muitas vezes é sinal de que o mau espírito está envolvido. O melhor é mesmo tentar ignorar esses impulsos e escutar antes os contrários, os do “bom espírito”, que nos levam a um reforço de coragem, força, inspiração e tranquilidade. O bom espírito torna as coisas mais fáceis e elimina os obstáculos de forma a que consigamos continuar em frente e a progredir, fazendo o bem.

 

 

2. Faz sentido?

Se estamos a rezar durante um momento particularmente difícil da nossa vida e nos lembramos espontaneamente de outra altura em que Deus estava connosco durante as nossas batalhas, talvez possamos ver nessa memória o desejo de Deus para que confiemos. Ou talvez nos venha à memória um lugar que nos traz muita calma e, automaticamente, relaxamos. Essa é uma maneira que Deus tem de nos acalmar.
 

“Faz sentido que Deus nos estenda a mão e nos convide a confiar.”


Por outro lado, se estamos a rezar durante um momento difícil e nos lembramos de um e-mail que deixámos sem resposta, esse pensamento pode não vir de Deus. Não encaixa no contexto em que estamos a rezar! Queremos saber se os nossos pensamentos fazem sentido, certo? Faz sentido que Deus nos estenda a mão e nos convide a confiar? Sim, isso parece fazer sentido, ou pelo menos está de acordo com o que está a acontecer nas nossas vidas nesse momento. Faz sentido que, durante um período de oração sobre uma coisa séria, Deus nos lembre de responder a e-mails? Provavelmente não.

 

3. Leva-nos a um aumento de amor e caridade?

Como nos diz o Evangelho segundo Mateus, a voz de Deus pode ser percebida através dos frutos que gera. Se o pensamento nos leva a acções que fomentam o nosso amor e caridade, é bastante provável que venha de Deus.
 

"Deus dá-nos esperança, não desespero."


Imaginemos que estamos a rezar por alguém de quem não gostamos muito. Talvez até estejamos a pedir a Deus para nos ajudar a lidar com esta pessoa. E, de repente, lembramo-nos de algo mau que ela nos fez. E pensamos: “oh, como eu gostava de lhe dar um estalo”!

Como deverão perceber, mesmo que esse pensamento vos tenha assolado durante uma oração, não será Deus a tentar que esmurrem alguém. Quando se apercebem disto, se calhar pensam que o ideal seria apenas confrontarem a pessoa sobre o que ela fez, de forma a retirarem algum peso dos ombros… mas esse impulso também não virá de Deus: não aumenta o vosso amor, nem caridade, pois não?

 

4. Adequa-se ao que sei sobre Deus?

É uma questão simples: o nosso pensamento adequa-se ao que sei sobre Deus a partir das Escrituras, da tradição e da nossa própria experiência?
 

“Quanto mais rezamos, mais facilmente aprendemos a contrariar as distrações.”


Deus não vai instilar o ódio em nós mesmos (nem aos outros), nem sequer vai fazer-nos acreditar que nunca nada vai correr bem. Esse não é o Deus do Antigo ou Novo Testamento, não é o Deus da tradição da Igreja, nem é o Deus revelado em Jesus. Não é o Deus que conhecemos. Deus dá-nos esperança, não desespero.