Arquidiocese de Braga -

8 junho 2015

Jesus está entre nós

Fotografia

Homilia do Sr. Arcebispo, no dia 7 de Junho de 2015, na Solenidade do Corpo de Deus

\n \n

O que poderá dizer-nos a Solenidade do Corpo de Deus na recta final de um Ano Pastoral dedicado à exigência de viver a fé? Existem diversos aspectos relevantes a ter em consideração. Em primeiro lugar, a necessidade espiritual de colocar a Eucaristia no centro da vida pessoal e comunitária. Em segundo lugar, a necessidade de transformar a celebração eucarística em celebração da vida, isto é, transformar o pão em vida. Sabendo que é vital celebrar a Eucaristia, garantir o bem-estar pessoal, a qualidade dos edifícios de culto e do ambiente comunitário é condição essencial para uma experiência de fé. A eucaristia não é um espectáculo nem tão pouco um mero rito cultual. Na eucaristia testemunhamos a presença real de Cristo e, por isso, ela deve conquistar-nos e tocar-nos pelo seu amor.

Como diz o evangelista João, “na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2). Isto significa, e é bom que o lembremos neste dia, que podemos encontrar-nos com Deus em diversos tempos e lugares, sejam eles programados ou imprevistos. Dito de outro modo, Deus também mora fora das paredes das igrejas e está disponível em horários não programados. Mas, repensemos seriamente, necessitamos dos lugares de culto para experimentar Deus. Não vivemos a fé sem a oração.

A pressa e as ocupações são, muitas vezes, falsos motivos para nos escusarmos a ter tempo para a oração. Mas, sem a oração, jamais poderá existir uma vida de fé consistente. É urgente encontrar tempo para a oração pessoal e comunitária.

Podemos, neste sentido, imaginar alguns cenários imprevistos de encontro: o silêncio da Igreja, a velocidade da viagem de comboio, a tranquilidade de uma paisagem maravilhosa ou o aconchego do lar. São tantos os momentos do dia em que o coração pode elevar-se ao alto para dar graças a Deus ou, talvez, para agradecer a alegria de conviver com um amigo. Como é importante simplificar a vida e reservar tempo para a amizade e para o louvor de Deus. 

O modo como fazemos a experiência de oração está a mudar. Outrora fomos educados para a oração quase exclusivamente oral, com fórmulas por vezes incompreendidas e repetidas mecanicamente. Sei que é importante este modo de oração e que não o podemos desconsiderar. Muitas vezes, infelizmente, à falta de alternativas consistentes, acabamos por abandonar este modo de rezar e ficamos vazios. O quanto é importante reformar sem destruir! Tomemos como exemplo o terço. Ao invés de o repetir mecanicamente, não seria melhor prever alguns textos de meditação e de interiorização dos mistérios de Deus?

Mas, a Igreja oferece-nos um sem número de orações que também concretizam a vida de fé. Recordo apenas três que poderão orientar a nossa vida pessoal e comunitária.

A Lectio Divina é o colóquio com Deus, a partir da Sagrada Escritura, num ambiente pessoal ou comunitário de partilha de fé, sentimentos e interpelações. Graças a este modo de orar, podemos compreender a Palavra e sentir as interpelações que ela nos suscita. E, quando o amor reina entre todos, Deus está presente e leva-nos a discernir certas dimensões da nossa vida pessoal.

A Liturgia das Horas, com a oração dos salmos, consagra as horas de cada dia e integra-nos na belíssima realidade de sermos Povo de Deus. Um povo que marcha numa longa história de fidelidade a Deus. Ser fiel é um empreendimento de uma vida. Requer tempo, perseverança e sentido. A Liturgia das Horas é, por isso, alimento que nos recorda, ao fio das horas, este desejo de compromisso.

Se todos estes modos de promover encontros de vivência da fé necessitam de ocupar um lugar na pastoral, é necessário alertar para o valor da oração solitária e silenciosa. Fechar-se num quarto ou ajoelhar-se diante de um sacrário, por breves ou longos momentos, é maravilhoso. Retempera energias e dá-nos uma felicidade tranquilizante. 

Este ano quisemos convidar para a Solenidade do Corpo de Deus os Institutos Religiosos e Seculares, masculinos e femininos. Estamos no Ano da Vida Consagrada. Não poderão estes Institutos dar corpo a grupos de oração, na cidade ou fora, que sejam rosto da acção evangelizadora da Igreja? Uma ou duas irmãs ou religiosos poderiam apresentar-se às paróquias e propor-lhes grupos de oração e formar responsáveis em ordem à continuidade, no momento em que tivessem de deixar o lugar. O carisma de cada um seria respeitado, sentir-se-iam extremamente úteis, sem prejudicar o trabalho comunitário, e estariam a corresponder ao pedido do Papa de saírem para ir ao encontro das pessoas onde elas se encontram, não só com preocupações sociais mas com vontade de crescer com outros no encontro com Cristo. Deixo esta sugestão que poderá marcar o ano da Vida Consagrada.

Numa perspectiva de viver a fé, quero ainda solicitar aos sacerdotes que pensem uma catequese, não só para crianças, sobre a presença real de Cristo na eucaristia e, consequentemente, nos sacrários. O sacrário deve ter um lugar de destaque nas igrejas e permitir que os cristãos entrem e se detenham, em primeiro lugar, num momento de oração. Depois, poderão ter as suas devoções. 

Pastoralmente falando, temos de restituir às igrejas a dimensão do sagrado. Não é possível continuar com a vulgarização e quase profanação dos lugares sagrados. As conversas são para o adro e as fotografias devem ter outros lugares. Pode parecer exagerado, mas há momentos em que as igrejas são autênticas feiras ou salas de espectáculos. Cresçamos na presença de Cristo e respeitemo-la com zelo.

Que Jesus Eucaristia seja a força para uma vida de fé e que a presença de Cristo nos proporcione momentos de verdadeiro encontro para encarar a vida com outra profundidade. Não desperdicemos o dom da presença real de Cristo. Aproveitemos esta graça.


Sé Catedral, 7 de Junho de 2015

+ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz