Arquidiocese de Braga -

25 junho 2015

Homilia na festa do nascimento de S. João Baptista

Fotografia

A Homilia foi realizada na capela de S. João da Ponte em Braga, no dia 24 de Junho.

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 As festas cristãs não contradizem a alegria

As festas de S. João são um património da cidade de Braga. Proporcionam-nos diversão, música, convívio, memórias e alegria. Revelam-nos, ao mesmo tempo, o relevo cultural da fé na estruturação da identidade de uma nação ou de uma cidade. Podemos imaginar Braga sem S. João Baptista, S. Geraldo, Beato Bartolomeu dos Mártires, a Senhora da Sameiro e, em última análise, sem o próprio Cristo? Temos consciência que o Estado é laico. É um facto. A laicidade do Estado é, para muitos sectores da sociedade e da política, a garantia da pluralidade e do tratamento justo relativamente às diferentes religiões ou profissões de fé.

A justiça não significa, todavia, equidade acrítica. Justiça significa fazer uma leitura adequada da realidade e desencadear os mecanismos necessários para corresponder às expectativas e necessidades reais dos interlocutores. Sem este exercício, a laicidade facilmente se degenera numa ideologia. E “a ideologia política pode corromper a mente e a ciência”, como afirmou Edward Wilson. Ainda que o Estado seja laico, a população a quem ele serve pode não o ser. Não é em Portugal, assim como não o é em Braga. Segundos os últimos censos feitos em Portugal (2011), 81% dos portugueses declarou-se católico.

Precisamente porque o Estado é laico, deve cumprir o seu dever e, em liberdade, potenciar os canais, espaços, instituições e instrumentos que valorizam a fé dos cidadãos que o elegeram. A fé é também um dado cultural e edifica a identidade de uma nação. É neste sentido que compreendemos quando o Papa Francisco, na recente encíclica Laudato si’, afirma que é “preciso integrar a história, a cultura e a arquitectura de um lugar, salvaguardando a sua identidade original” (LS 143).

Comecei por dizer que as festas de S. João são um património da cidade. Acrescento, agora, que são, com igual propriedade, ou ainda mais, património da comunidade cristã em Braga. Os esforços desenvolvidos pelos poderes civis são meritórios e devem ser lidos neste contexto, salvaguardada a justa laicidade, de reconhecimento que os bracarenses são um povo cristão. É, por conseguinte, bom que um serviço público colabore na organização de eventos que se coadunam e fomentam os valores e crenças dos cidadãos. 

Só que os cristãos não podem limitar-se à vertente lúdica. Devem tornar as festas verdadeiramente cristãs, mesmo que para muitos não lhes interesse. No meio de tantas iniciativas, os cristãos devem privilegiar quanto pode beneficiar a vivência da fé.

Qual, então a identidade original, das festas de S. João? Em primeiro lugar, são dedicadas a S. João Baptista, o único santo, a par de Nossa Senhora, de quem se celebra o nascimento. Dos restantes santos lembramos exclusivamente a sua morte ou martírio. 

Em segundo lugar, estas festas, na cidade de Braga, remontam ao século XII, altura em que foi erigida uma igreja paroquial dedicada a S. João e depois, em 1616, uma capela na actual S. João da Ponte. São, portanto, e uma vez mais, festas com uma matriz cristã.

Em muitas das nossas cidades e paróquias, à imagem de Braga, multiplicam-se por estes dias as festas em honra dos santos padroeiros. Porque todas elas têm uma matriz cristã, gostaria de recordar alguns pontos que escrevi, em 2004, no documento Sentido Cristão das Festas Religiosas. Faço-o para que estas festas permaneçam fiéis ao seu verdadeiro espírito e, também, momento para viver a fé.

1. “Graças às festas religiosas, o nosso povo, ao longo de muitos anos, aprofundou e alimentou a sua fé e sentiu o desafio à conversão e santidade”. Poderemos dizer que os tempos são outros, mas o testemunho dos santos é algo intemporal. Quando evocamos os santos e repassamos a sua vida, estamos a colocar a nossa própria vida em questão, estamos a criar oportunidades para arrepiar novos caminhos de santidade, isto é, de aproximação aos nossos anseios mais íntimos e, por isso, queremos, ou devemos querer, alimentar e aprofundar a fé.

2. A vida dos santos é, neste sentido, “um estímulo”. Recordar um santo significa encontrar-se com um homem ou mulher, iguais a tantos outros, com problemas e dificuldades, dúvidas e interrogações, mas que no meio das noites escuras da vida deram força à fé. Daí que recordá-los signifique encontrar forças para, nos ambientes hodiernos, sermos coerentes com as exigências da fé que professamos.

3. Em terceiro lugar recordei que, outrora, nas festas populares, o povo, na sua simplicidade, aliava a dimensão lúdica com a dimensão religiosa, acabando por se enriquecer “cultural, recreativa e espiritualmente.” Uma vertente não deve excluir a outra. Bem pelo contrário. A alegria das festas populares comprova, como dizia S. Francisco de Sales, que um santo triste é um triste santo. A alegria faz parte da mensagem cristã. Ainda recentemente, o Papa Francisco escreveu que a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (Evangelii Gaudium, 1). 

Por isso, a fé deve tornar-se alegria em todas as horas e momentos. Recordemos que até Nietzsche reconhecia que é possível “crer num Deus que soubesse dançar” (Nietzsche, Assim falou Zaratustra). Que a alegria das festas gere alegria à nossa religião católica.

S. João Baptista foi um homem de fé. Reconheceu, antes de todos os outros, que Jesus era o Cristo. Foi humilde e soube retirar-se no momento certo. Falou daquilo que era essencial com as palavras adequadas. Viveu para Deus e Deus deu-lhe a vida eterna. É por todas estas razões que o Anjo do Senhor diz a Zacarias, no Evangelho de hoje, que João “será motivo de grande alegria e muitos hão-de alegrar-se com o seu nascimento”.

Que estas festas de S. João sejam, para todos os cristãos, motivo de festa e alegria e que a vida de João Baptista seja um modelo inspirador para a nossa vida de fé a transparecer felicidade, mesmo nos dias e horas enigmáticos que não deixaremos de ter.



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