Arquidiocese de Braga -

29 março 2020

Narrativas de quarentena de uma jovem universitária

Fotografia

Departamento da Pastoral Universitária

Maria Amorim, 3º ano Curso de Psicologia (UMinho)

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No final do mês de janeiro partia novamente para o desconhecido. Desta vez a experiência seria outra, mas sabia que viria diferente como de todas as vezes que parto. Não sabia era que passadas seis semanas de me instalar naquela que viria a ser a minha cidade de acolhimento, por um tempo mínimo de 5 meses, fechar-se-iam fronteiras devido a um “bichinho invisível” que o mundo não parava de falar.  Tudo começou em dezembro do ano passado, no outro lado do mundo, numa cidade populosa da China, chamada Wuhan.  Numa questão de meses este vírus alastrou-se pelo mundo inteiro, chegando ao nosso querido Portugal. 

Estava ainda em Espanha quando me comecei a confrontar com a verdadeira realidade e com as consequências que tudo isto traria para todos os países. De um dia para o outro comprei um voo de regresso, deixando para trás uma das melhores experiências da minha vida a nível académico, o programa de Erasmus+. 

Faz agora 15 dias que regressei. A realidade que nos é transmitida pelos media e pelas fontes de informação são sufocantes. Todos os dias somos confrontados com números: números de infetados, números de mortes, números de curados. A vida passou a ser analisada como uma equação de matemática. O saldo está longe de ser positivo. A cada dia morrem muitas pessoas em todo mundo. E aquilo que mais me assusta neste momento é não conseguir prever um fim, uma data, para todo este pesadelo. A oração e o silêncio passaram a ter ainda mais importância na minha vida. No meio da escuridão é preciso acreditar, acreditar na vida e na luz. Que em breve tudo isto passará e ficarão as aprendizagens destes tempos difíceis. 

Apesar de ter consciência da durabilidade desta situação, tenho aprendido algumas lições neste tempo de quarentena. Desde que nos foi pedido para ficarmos em casa sinto que valorizo ainda mais coisas simples, como o facto de viver num país livre. Poder acordar e sair à rua para tomar o pequeno-almoço numa esplanada ou simplesmente fazer uma caminhada à beira mar são rotinas que até então dava como garantidas, no entanto, a ausência destas tem-me feito perceber o quão grata sou por o poder fazer livremente. Outra aprendizagem é a necessidade que tenho de ter contacto físico com as pessoas. Graças à tecnologia é-nos possível continuar o contacto diário com os nossos familiares e amigos, e estas chamadas foram algo que se tornaram rotina na minha vida. São a melhor forma para matar as saudades. As relações não podem cair no esquecimento, têm que continuar a ser nutridas com mensagens, fotografias, com chamadas ou áudios. A quarentena tem exigido mais criatividade em mim neste aspeto, para que os dias sejam todos um pouco diferentes uns dos outros. Outro desafio que tenho tido enquanto jovem universitária é conseguir manter o ritmo de trabalho. É-nos pedido que façamos do nosso espaço de lazer e conforto - a casa - um local de trabalho e ensino – a faculdade. Parecem mundos tão distintos, mas que agora têm que se restringir ao mesmo espaço físico. De tudo o que referi até agora creio que este tem sido o mais desafiante para mim. De certo modo, parece que é como se tivéssemos que viver a normalidade dentro de um mundo que está a viver uma situação tudo menos normal.

Em todos os níveis, não tenho dúvidas que este período poderá ser gratificante para restabelecer laços, para o investimento profissional e para o desenvolvimento pessoal. Foi-nos pedido que parássemos e, agora que temos tempo, podemos gastá-lo com aquilo que nos dá maior prazer. Para uns pode ser ler, escrever, cozinhar; para outros pode ser ver filmes, séries ou ouvir música. Para mim os dias têm decorrido com serenidade, entre as tarefas do quintal, as arrumações do interior e as responsabilidades escolares, nem me apercebo que as semanas vão passando. No entanto, anseio o dia em que possa voltar a abraçar os meus avós e passear na cidade sem medo. Até lá confino-me ao campo, ao verde, à primavera e à Esperança. 

Tudo isto passará e fará de nós seres mais justos e gratos.