Arquidiocese de Braga -

22 abril 2018

“Obstinar-se, gastar-se, cansar-se”

Fotografia Avelino Lima

Homilia na Ordenação de Diáconos

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Encerramos hoje a Semana de Oração pelas Vocações com o lema: “Escutar, discernir, viver a chamada do Senhor”. A ordenação de diáconos é a confirmação de que a chamada de Deus continua viva e eficaz. Quando somos chamados, discernimos responsavelmente a nossa vida e comprometermo-nos com o anúncio da alegria do Evangelho. 

Penso, todavia, que não basta dar graças a Deus pelo dom da ordenação. Importa, no Santuário da Senhora do “Sim”, colocar toda a Arquidiocese em atitude de perseverante escuta para que as vocações, sacerdotais e religiosas, surjam em abundância. Só assim seremos capazes de prosseguir a complexa tarefa de despertar a esperança no coração do mundo que nos rodeia. Todo e qualquer baptizado é um vocacionado. Nasce para Deus no baptismo e vai discernindo, dia após dia, os caminhos de fidelidade ao projecto de Deus rumo à felicidade. E todos os cristãos, a título individual ou nas famílias, escolas e movimentos são corresponsáveis pelo florescimento e discernimento das vocações. Sabemos que Deus não deixa de falar e de convidar. Apenas com a escuta permanente e um discernimento alegre crescemos em comunidades de vocacionados.

O Santo Padre, na sua última exortação apostólica sobre o chamamento à santidade no mundo actual, que convido a que todos meditem, fala do discernimento como a disponibilidade para “entrever o mistério daquele projeto, único e irrepetível, que Deus tem para cada um e que se realiza no meio dos mais variados contextos e limites. Não está em jogo apenas um bem estar temporal, nem a satisfação de realizar algo de útil, nem mesmo o desejo de ter a consciência tranquila. Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual possa orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele” (GE 170).

Nos tempos que correm, não é fácil ter disponibilidade para acolher o projecto de Deus. São imensas as possibilidades de estruturação de vida, assim como as pressões de outras alternativas. “Só que não podemos, ou devemos transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião” (GE 167). Sem receios nem vergonhas, o cristão deveria caminhar no mundo segundo um projecto diferenciador, tentando “não colocar limites rumo ao máximo, ao melhor e ao mais belo”.

Temos um estatuto teoricamente bem definido mas, curiosamente, muitas vezes esquecido. Disso nos recorda a segunda leitura. O Pai consagrou-nos Filhos de Deus. Nem sempre nos apercebemos do amor grandioso que Deus tem por cada um de nós e do privilégio de sermos filhos no seu Filho, Jesus Cristo. Como é fundamental, na experiência cristã, a descoberta da filiação divina. É, assim o creio, determinante para as nossas opções e compromissos. Dar espontaneamente a vida não é privilégio de alguns. Querendo ser cristãos, não temos outra via. Este dar tudo a Deus e ao mundo, que Ele ama, é sobretudo um acto de confiança. Confiar que Deus nada nos retira, que nada nos rouba. Pelo contrário. Oferece-nos a plenitude da vida e tudo aquilo que o nosso coração procura. O Santo Padre convida-nos, neste sentido, a olhar para o testemunho dos santos e a caminhar pelas mesmas estradas que eles percorreram.

Tocados por esta experiência da filiação, não rejeitamos a missão que Ele nos confia. Seguir Cristo não significa apatia pastoral nem activismo desnorteado. Exige compromisso com a missão de restituir dignidade a todos, percorrendo o itinerário das bem-aventuranças e das obras de misericórdia. Por isso, o Santo Padre interpela-nos com três verbos emblemáticos que confirmam a sinceridade de quem quer viver a sua vocação cristã. “Obstinar-se, gastar-se e cansar-se”. Meditemos em cada uma destas palavras. Permitamos que nos desinquietem e aquilatem a dimensão da nossa consagração.

A ordenação de diáconos é, sem dúvida, um convite para que a diaconia se transforme num estilo de vida e de mentalidade. Servimos onde Deus nos envia e onde a nossa presença é necessária. Muitas vezes temos de ir contracorrente, sobretudo quando o ambiente circundante aconselha a desfrutar a vida com distração, entretenimento, comodismo ou alheamento. As interpelações são diárias, diversificadas e tal é o seu encanto que quanto mais nos deixamos tomar por elas mais difícil é vermos a realidade com outros olhos. 

Mas há sempre um modo novo para exercitar este serviço diaconal. O campo de trabalho é imenso, o que implica paciência, criatividade, entrega e coragem. A primeira leitura recorda-nos o milagre realizado e identifica a verdadeira causa e origem da diaconia eclesial. Pedro, cheio do Espírito Santo, disse: “É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós cruxificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença”. Talvez não precisemos de o dizer publicamente, mas interiorizemos esta verdade e ajamos em nome daquele que nos escolheu para continuarmos a Sua missão. É Ele o verdadeiro salvador. Não são as nossas bonitas qualidades ou os gostos pessoais que nos motivam. Não pretendamos recompensas nem elogios. Tudo se concentra na Sua pessoa. Sta. Teresa de Calcutá não deixa ambiguidades. “Ele abaixa-se e serve-se de nós, de ti e de mim, para sermos o seu amor e a sua compaixão no mundo, apesar dos nossos pecados, apesar das nossas misérias e defeitos. Ele depende de nós para amar o mundo e demostrar-lhe o muito que o ama. Se nos ocupamos demasiado de nós mesmos, não teremos tempo para os outros”.

São muitos os desafios colocados à Igreja. Nunca poderemos ser uma agência de serviços. Somos convidados por Jesus a viver no seu amor, o qual se experimenta pessoal e quotidianamente no íntimo dos nossos corações e se manifesta nas nossas acções. É Deus quem fala por nosso intermédio e age através do nosso serviço, apesar das nossas limitações e imperfeições. Esta é a verdadeira diaconia que a Igreja espera e o mundo precisa. Não nos enganemos nem desvirtuemos o sentido do chamamento de Deus. É sublime a nossa vocação, que muitas vezes é banalizada ou fica apenas pelo seu estatuto.

Rezemos para que toda a Arquidiocese – sacerdotes, religiosos e leigos – cresçam na escuta, no discernimento e vivam a chamada do Senhor. Que todos sejam, sobretudo junto dos jovens, uma inspiração para que outros percorram um idêntico caminho. Que Maria nos faça compreender a maravilha de viver com Cristo e continuarmos a missão de despertar e semear a esperança. Que a Senhora do Sameiro nos conceda a graça de muitos redescobrirem a diaconia como caminho. 

“Obstinar-se, gastar-se, cansar-se” sejam as marcas de um povo que compreende a missão libertadora de Cristo e a quer continuar com alegria renovada e generosidade.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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