Arquidiocese de Braga -
8 dezembro 2012
O SEGREDO DE MARIA
Homilia na Festa da Imaculada Conceição.
O segredo de Maria
Homilia na Festa da Imaculada Conceição
Creio que nenhum arquidiocesano ficou indiferente ao grande acontecimento do Átrio dos Gentios. Desde o início afirmei que não deveria ser um mero evento mas que deveria tornar-se fonte geradora dum maior compromisso com a vida.
A Imaculada Conceição celebra precisamente o mistério do valor da vida de Maria, como mulher escolhida por Deus para um projeto de qualidade inviolável. Pela Imaculada, Deus arrendou um espaço para aí se acolher a vida do seu Filho Jesus, o Cristo.
Nesta festa da Imaculada, aqui neste Santuário Arquidiocesano, gostaria de ver toda a diocese focada nesta perspectiva. O Cardeal Ravasi, na carta que dirigiu agradecendo a realização do Átrio, chamava aos Santuários de Nossa Senhora do Sameiro e do Bom Jesus “maravilhosas janelas”, para ver a cidade e a Arquidiocese.
Por Maria foram feitas maravilhas neste Santuário, quer no passado quer no presente. E desde já aproveito para a agradecer a todos os benfeitores que, graças à sua generosidade, investiram dignidade neste espaço, não permitindo a sua degradação. Há um provérbio irlandês que nos diz: “Deus nunca fecha uma porta sem abrir outra”. E a gratidão de Deus a todos eles será abrir-lhes a porta da vida eterna!
Por isso, daqui gostaria de olhar para todas as comunidades e fixar o olhar sobretudo naqueles que se afirmam não crentes, para lhes pedir um favor em nome da vida.
Como desejo pessoal, gostaria de colocar nas mãos de Maria a atenção à vida toda e à vida de todos. Deveria ser uma verdadeira opção pastoral de todas as comunidades e de todos os operadores pastorais. É um legado que o Átrio dos Gentios nos deixa e a hora atual está a solicitar uma atenção especial a esta realidade. Não devemos ser somente nós, os crentes, a interessar-nos pela vida. Mas podemos ser referência para que outros se empenhem!
Sua Eminência o Card. Ravasi na carta que me enviou, manifestando as suas impressões sobre a iniciativa, aludiu a esta orientação nova que a pastoral deve ter. “A questão do valor da vida, dizia ele, adquiriu um registo aberto, próprio de um momento de profunda transformação cultural e de inquietantes interrogações antropológicas, a demandar a implicação de diversos olhares humanistas, inspirados ou não numa visão religiosa, mas incidente na política, na economia, no direito, na arte, na espiritualidade, no desporto, na literatura. O sentido da vida preocupa a ciência, a filosofia e a teologia”.
Aliás, a notícia que a comunicação social lançou esta semana sobre uma mãe muçulmana que assassinara o seu filho no País de Gales, por este não ser capaz de memorizar alguns versículos do Corão, revela a nossa diferença cristã acerca do valor da vida. E porquê? Porque nós pregamos um Deus que gera a vida e até respeita a liberdade religiosa dos homens, como sustém Lévinas, e não um Deus que castiga os infiéis com a morte.
Trata-se assim de um valor herdado, mas que queremos constantemente purificar e aperfeiçoar, contando com o contributo das outras áreas do conhecimento. E neste intercâmbio de interesse por tudo o que é humano, a fé deve oferecer a sua visão peculiar e oriunda da dimensão transcendental. Na oferta a efetuar por parte dos crentes vendo as realidades terrestres com olhos cristãos, nunca nos podemos esquecer do enriquecimento que os outros enquadramentos proporcionam à vida da fé. Ao querermos interiorizar os verdadeiros conteúdos da fé, a ciência abre horizontes de maior compreensão. A Igreja, e no nosso caso concreto, deve abrir-se a quantos pensam diferente a propósito dessa questão com registo aberto, isto é, alargada para ter espaço e oportunidade para fazer incidir os critérios teológicos nas interrogações atuais da antropologia. Fundamental é que nada nos seja estranho.
A Imaculada conceição é um privilégio único de Maria, a Nova-Eva, tornando-se instrumento para uma vida em abundância e plenitude que Cristo nos quis oferecer com a sua incarnação e de que a Igreja, como seu Sacramento, deve prosseguir. Talvez a grande lacuna da pastoral da Igreja tenha residido na atitude de fechar-se na sua conceção de vida que muitos se mostram incapazes de compreender porque a Igreja não quis ou não conseguiu aproximar-se dos diferentes campos que manifestam a maravilha do dom que Deus colocou nas nossas mãos.
Ouvir e dar a interpretação é um caminho novo que suscita o encontro com Cristo na arte, na música, no desporto, na economia, na literatura… Urge estar presente e permitir que a luz do Evangelho faça resplandecer novas formas de celebrar o humano. Não só não podemos ignorar o diferente como devemos fazer com que a fé suscite novas maneiras de ver a vida em todas estas dimensões. A beleza de Maria deveria levar-nos a reconhecer o valor de todas estas manifestações culturais e, por isso, verdadeiramente humanas.
O Evangelho coloca o Anjo Gabriel a dizer a Maria que “não tema” a novidade que Deus lhe iria fazer experimentar. S. Paulo aos Efésios recorda que é “Deus que tudo realiza”, “para sermos um hino de louvor da sua glória.” Daí que não só não devemos ter medo do diferente, mas acreditar que com todos poderemos compor um hino de louvor a Deus. A propósito, tivemos um Hino do Átrio que deveria continuar a ser interpretado pela música e pela riqueza da palavra.
Para terminar, na mensagem que preparei para o Advento, convidei a Arquidiocese a passar do riso da descrença ao sorriso da fé em Deus, a partir da história de Sara, a esposa estéril de Abraão. Hoje, também Maria fez esse exercício de fé, quando comprovou a gravidez da sua prima Isabel, a mulher estéril.
Portanto, o grande segredo da vida humana está em acreditar nas promessas que Deus diariamente lança no mapa das nossas acções, à semelhança de Maria. Porque sempre que acreditamos n’Ele, a vida renova-se e aí podemos assumir o sentimento do salmista: “Cantai um cântico novo, porque o Senhor fez maravilhas!”
+ Jorge Ortiga, A. P.
Festa da Imaculada Conceição,
Santuário do Sameiro, 8 de Dezembro de 2012.
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