Arquidiocese de Braga -

3 janeiro 2013

A ALAVANCA ECLESIAL

Fotografia

Homilia na eucaristia de Acção de Graças pelas Bodas de Prata Episcopais.

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A alavanca eclesial

Homilia na eucaristia de Acção de Graças pelas bodas de prata episcopais.

 

Exmo. e Rev. meu antecessor, Senhor D. Eurico Dias Nogueira,

Estimados irmãos no Episcopado,

Senhor Deão do Cabido e restantes Capitulares,

Caros Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, Diáconos e Seminaristas,

Respeitosas autoridades civis, académicas e militares,

Irmãos e Irmãs na fé em Cristo Jesus.

 

1. Uma herança

Há 25 anos, durante a procissão de entrada para a minha ordenação Episcopal na Cripta do Sameiro, o coro entoava: “Nós somos as pedras vivas do Templo do Senhor!” Passado este tempo, a pergunta emerge: será que os 50 anos do promissor Concilio Vaticano II já produziram o efeito pastoral desejado nestas pedras vivas, que são a Igreja?

O Papa Paulo VI, na homilia de encerramento, reconhecia que este era um projecto “ideal, mas não irreal”[1], daquele Concílio que foi considerado como sendo o maior na participação, o mais rico nas temáticas abordadas e o mais oportuno nas realidades sociais abordadas . E no seu jubileu, o Papa Bento XVI promulga um Ano da Fé para redescobrirmos este tesouro teológico, espiritual e eclesial.[2]

De facto, foi esta nova proposta conciliar que a maioria de nós herdou e fomos incumbidos de concretizar! Aliás, o mesmo desejo de novidade encontrámo-lo nas palavras do profeta Isaías na primeira leitura: “Ergue-te, Jerusalém, e desponta a tua luz sobre a escuridão que envolve a Terra!”

E como referi na Mensagem de Ano Novo, continuo a repetir: é proibido desistir![3] Daí que, neste dia em celebro as minhas bodas de prata episcopais, renove três pontos vitais na pastoral: a caridade, a nova-evangelização e a unidade.

 

2. Um método

S. Paulo na segunda leitura apresenta-nos o método: a alavanca da caridade. Dizem os dicionários que a alavanca é um objecto que oferece a capacidade de mover grandes cargas com pequenas forças. Com o evento do Átrio dos Gentios, no diálogo com os não-crentes (gentios), confirmamos que a nossa fé até pode transportar montanhas, mas se não estiver alicerçada na caridade, ela desemboca: ou num ateísmo secular ou num fundamentalismo religioso.[4]

Por isso, a alavanca da caridade assume-se como o método mais seguro e viável para fazer erguer a Igreja, qual nova Jerusalém, graças às inúmeras, pequenas e diversificadas forças pentecostais que geram a comunhão na pluralidade: entre sacerdotes e leigos e entre movimentos e estruturas eclesiais ou civis, como sustém n.º 32 da Lumen Gentium.

3. Um desafio

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, diz-nos um célebre poeta lusitano. E os novos tempos exigem-nos uma nova vontade, um novo ardor, uma pastoral repensada e uma nova-evangelização. E porquê? Porque “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, (…) são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo.”[5]

À margem das discussões conceptuais, o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da “Nova Evangelização”, Card. Rino Fisichella, define-a como “um meio através do qual o Evangelho de sempre é agora anunciado com novo entusiasmo, novas linguagens compreensíveis numa condição cultural diferente e novas metodologias capazes de transmitir o seu sentido profundo que permanece inalterado.”[6]

A liturgia, a caridade, o ecumenismo, a imigração, a catequese de adultos, a cultura e a comunicação social apresentam-se agora como lugares primordiais para esta nova-evangelização. Por coincidência, a partir de hoje inaugura-se o serviço de transmissão diária da eucaristia via internet no site da arquidiocese, para que as pessoas de mobilidade reduzida não estejam inibidas de participar virtualmente nas celebrações da sua orgulhosa Sé Catedral.

Na verdade, e no dizer do Beato João Paulo II, queremos uma Igreja que esteja no mundo, que desfrute das coisas boas do mundo, mas que não seja mundana!

4. Uma condição

 No meio destes desafios, creio que há uma condição imprescindível: “uma sinfonia (sintonia) pastoral, que execute na realidade a bela harmonia das três notas do Deus Uni-Trino”[7], ou seja, a unidade.

A longa oração de Jesus no evangelho de hoje, como síntese da sua missão sacerdotal, assim o confirma: “para que todos sejam um”. A unidade não significa uniformidade ou unicidade, pelo contrário, é a arte do diálogo na diferença. E se Jesus era um só com Deus-Pai, a unidade acaba por ser “o modelo da acção na e pela Igreja”[8].

Como sabem, foi com este intuito que, há 25 anos atrás, escolhi como lema episcopal esta passagem evangélica e me deixei interpelar pela simbologia da romã.

Uma unidade que se traduz numa “unidade geracional com a tradição secular que nos precede, numa unidade espiritual com Cristo, sacerdote eterno, numa unidade pastoral com a Igreja Universal, numa unidade cultural com o mundo que nos circunda, numa unidade fraternal com os leigos, numa unidade integral connosco próprios e, acima de tudo, numa unidade sacerdotal com os membros do presbitério.”[9]

E com razão escreve um dos meus ex-bispos auxiliares: “onde a caridade irradia, aí aflora a beleza que salva, aí se louva o Pai celeste, aí cresce a unidade dos homens.”[10]

A propósito, o gesto do Papa Bento XVI para com o seu desleal mordomo neste Natal comprova que a humildade, o perdão e a caridade abrem mais portas que a própria autoridade. Por conseguinte, só com a alavanca desta caridade poderemos erguer as pedras vivas do templo da unidade e mostrar a diferença da Igreja Católica em relação a outras instituições, tal como o comprova: a “Carta de Louvor” atribuída pelo Conselho de Ministros à Obra Católica Portuguesa das Migrações, e o “Prémio Direitos Humanos” atribuído pela Assembleia da República à Cáritas Portuguesa.

Sem esta alavanca, o Concílio Vaticano II continuará a ser uma bela teoria que prescreveu na história da Igreja.

 

5. Um agradecimento

Para terminar, no concerto de encerramento do evento Guimarães, Capital Europeia da Cultura, fiquei surpreso ao reparar nas lágrimas inesperadas dos músicos da orquestra perante o aplauso da plateia. A orquestra extinguiu-se ali e as lágrimas daqueles jovens músicos continham certamente um misto de orgulho pelo sucesso alcançado e de incerteza laboral quanto ao futuro.

É verdade que somos vítimas de uma factura económico-social que nos tirou qualidade e dignidade à nossa existência. Mas, como Igreja, resta-nos continuar a apresentar ao mundo político a solução que o Papa Bento XVI apresentou para esta crise, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz: “promover a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico”[11], pois só assim as lágrimas da incerteza, da angústia e do desânimo cessarão.

Daí que neste dia também não poderia esquecer-me e pedir que não passem despercebidas as lágrimas de dor de tantos nossos irmãos. Por outro lado, diz-nos S. Gregório Magno que, embora haja inúmeras formas de chorar, “as lágrimas são uma fala estimada” e um mapa pleno de significação.

Por isso, neste dia festivo para a Arquidiocese, as lágrimas que agora derramo no meu interior comunicam a minha profunda gratidão: ao meu professor no episcopado, Sr. D. Eurico Dias Nogueira, e a todos os amigos no episcopado com quem temos procurado promover a vida humana neste Portugal que amamos; aos actuais e ex-Bispos Auxiliares, com os quais repensamos a pastoral arquidiocesana; ao meu presbitério, com quem peleio pela edificação do Reino de Deus; aos jovens seminaristas, em quem coloco o futuro desta Igreja Arquidiocesana; aos religiosos e consagrados, que enriquecem a nossa Igreja com os seus carismas; aos leigos, que no anonimato executam a passagem bíblica do “sal da terra e luz mundo”; aos meus condiscípulos de curso, com quem partilhei o esplendor da juventude; às autoridades civis, com as quais tenho procurado edificar uma sociedade local mais justa e solidária; aos não-crentes, cujas perguntas e críticas fazem repensar e crescer a nossa Igreja; à minha família, a quem devo tudo aquilo que sou; e, por último, agradeço ao culpado disto tudo: Jesus, o arquitecto da unidade!

 

Por tudo isto,

creio no Deus Criador, em Jesus Salvador e no Espírito Santificador,

bem como na Igreja Católica,

e em todos os homens e mulheres de boa-vontade.

 

+ Jorge Ortiga, A.P.

3 de Janeiro de 2013, Sé Catedral de Braga.

 

 

               

 



[1] cf. Paulo VI, Carta Apostólica In Spiritu Sancto.

[2] cf. Bento XVI, Porta Fidei, 5

[3] Cf. D. Jorge Ortiga. Poribido desistir. Mensagem de Ano Novo-2013.

[4] cf. Bento XVI, Deus Caritas est, 16.

[5] Gaudim et Spes, 1.

[6] Rino Fisichella, A Nova Evangelização, 31.

[7] D. Jorge Ortiga, O acorde de Deus. Homilia na peregrinação arquidiocesana à Senhora do Sameiro 2012.

[8] D. Jorge Ortiga, Saudação ao Povo de Deus na ordenação como Bispo Auxiliar de Braga, in Acção Católica, Janeiro-1988, 69-70.

[9] D. Jorge Ortiga, As 7 maravilhas do sacerdócio. Homilia na Missa Crismal de Quinta-Feira Santa 2012.

[10] António Marto, O cristianismo fonte de uma cultura de beleza, in AA.VV., O evangelho da beleza, 27.

[11] Cf. Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 2013, 4.