Arquidiocese de Braga -

3 fevereiro 2013

MÃOS QUE REZAM

Default Image
Fotografia

Homilia na eucaristia evocativa do Dia Nacional da UCP.

\n

Mãos que rezam

Homilia na eucaristia evocativa do Dia Nacional da UCP

 

1. Conta-se que nos finais do séc. XV, vivia uma família numerosa numa aldeia alemã. Para poder sustentar os filhos, o pai trabalhava quase 18 horas por dia nas minas de ouro. Apesar de serem pobres, dois desses filhos quiseram ser pintores, mas sabiam que o pai não conseguia pagar os estudos. Assim sendo, fizeram um acordo entre si: um deles teria de ir trabalhar para as minas de modo a pagar os estudos do outro; e este, uma vez terminados os estudos, teria de vender as suas obras de arte para pagar os estudos ao outro. Lançaram uma moeda ao ar, e a sorte saiu a Albretch Durer, que foi estudar para Nuremberga, tendo feito um curso brilhante.

Quando o jovem artista regressou à aldeia no fim dos estudos, a família fez uma enorme festa em sua honra. No final da festa, fez um brinde em honra do seu irmão que tinha ido trabalhar para lhe pagar os estudos e disse: “Estimado irmão, agora é a tua vez de realizares o teu sonho e estudares pintura, que eu encarrego-me de pagar!”´

Porém, o irmão respondeu com as lágrimas nos olhos: “Já não posso estudar, é demasiado tarde para mim!” E erguendo as mãos, prosseguiu: “Olha o que o trabalho nas minas fez às minhas mãos! Estão tão calejadas e flácidas que mal consigo levantar o copo, quanto mais pegar num pincel para pintar…” Posto isto, e para homenagear o seu irmão, Albretch Durer pintou um quadro famoso, no qual representava as mãos sofridas do seu irmão, com as palmas unidas e a apontarem para o céu, e cujo título da obra é: “mãos que rezam”.[1]

2. Partindo desta história verídica, certamente que muitos de nós se identifica com estas personagens.

 Na verdade, as exigências económicas da actualidade ou têm negado o direito dos jovens ao acesso ao ensino superior ou não lhes têm possibilitado exercer as suas capacidades pela falta de empregabilidade. Segundo dados da comunicação social, só nos dois últimos anos saíram do nosso país cerca de 200 mil portugueses, dos quais certamente muitos foram nossos familiares e amigos.

 Perante estes dados, surge a pergunta: é necessária uma Universidade Católica? Qual a diferença da Universidade Católica na pluralidade de ofertas do ensino superior? Braga, como cidade universitária, é grata à Universidade Católica pelos seu passado e presente?

Como já tive oportunidade de referir, esta “Universidade não é apenas para católicos, mas tem por missão promover uma formação integral e uma investigação honesta e exigente, como serviço à humanidade, tendo sempre por base os princípios da visão cristã sobre o ser humano.”[2]

 

3. Ora, pelo facto de ter proposto uma nova visão sobre o ser humano, a morte foi o preço que Jesus pagou, não só por causa desse atrevimento intelectual, mas também por uma questão de coerência social, à semelhança de Sócrates, o filósofo grego.

 No evangelho de hoje, escutávamos como os judeus esperavam ansiosamente a chegada do Messias de Deus, talvez prefigurado num sacerdote influente, num profeta reputado ou num soldado galardoado. O problema é quando lhes aparecesse à frente, em plena sinagoga, o filho de um humilde carpinteiro, que se tinha mudado para a terra vizinha de Cafarnaum, a auto-proclamar-se como esse Messias.

Socorrendo-se das figuras de Elias e Eliseu, Jesus refuta a ideia de um deus exclusivo, defendido pelos judeus, por um Deus público (universal), causando a fúria na plateia. O fundamento desta novidade teológica residia num simples conceito: o amor, tal como demonstra o recente filme “A vida de Pi”.

Foi por causa desse amor que Deus criou o homem; foi por causa desse amor que Deus libertou o povo de Israel da escravidão do Egipto e do exílio da Babilónia; foi por causa desse amor que Deus enviou o seu próprio Filho; foi por causa desse amor que Jesus curou doentes e operou milagres; e será por causa deste amor que Jesus salvará a humanidade no alto da Cruz. Daqui brota a esperança e a confiança na edificação de um novo paradigma humano.

 

4. Perante o legado de Jesus e as novas exigências, o caminho do ensino superior passará por formar para a confiança. Aliás, o Dia da Universidade Católica, em Ano da Fé, deve ser uma oportunidade para ponderar a pertinência da novidade da mensagem cristã nas diversas áreas do saber.

A pouca incidência da fé nos problemas deve-se, creio eu, ao receio de debates intelectuais com a alteridade. Afinal, não temos nada a perder, tal como comprova o sucesso do evento Átrio dos Gentios! Actualmente, o ensino em Portugal corre o sério risco de hipervalorizar as áreas científicas e relativizar as áreas humanas e socias. Com razão afirma o Presidente do Centro Regional de Braga, numa entrevista esta semana: “o desinteresse pelas ciências sociais e humanas, em Portugal, vai pagar-se caro do ponto de vista cultural”.[3]

                Como Universidade Católica, é-nos exigido uma diferença substancial pois o “mundo necessita de um novo pensamento e de uma nova síntese cultural”, escreve o Papa Bento XVI. Por isso, compete à Universidade incutir nos seus alunos um conjunto de valores humanos, fundados na mensagem do primeiro defensor dos Direitos Humanos, Jesus Cristo.

Deste modo, lanço a proposta: porque não incluir uma unidade curricular comum em todos os cursos, onde se reflicta a problemática humana e religiosa, de modo a percepcionar a diferença cristã em benefício da verdade do próprio Homem? À semelhança do profeta Jeremias na primeira leitura, também somos chamados a ser profetas da Verdade! É ousadia da minha parte. Espero que me compreendam os professores e os alunos.

E como subsídio para os vossos trabalhos académicos, o Catecismo da Igreja Católica terá sempre uma ideia, uma informação, uma certeza, um juízo, uma premissa, um princípio, um valor ou um conceito para vos oferecer e que enriquecerá certamente a vossa reflexão em defesa da verdade e da dignidade do Homem. Sem dúvida que a confiança é o caminho da felicidade!

A propósito, Anne Frank escreve no seu diário: “Aquele que é feliz espalha felicidade. Mas aquele que teima na infelicidade, que perde o equilíbrio e a confiança, perde-se na vida.”

 

5. Para terminar, a letra do mais conhecido Hino Académico refere: “Gaudeamus igitur, juvenes dum sumus”, isto é, “Portanto alegremo-nos, enquanto somos jovens!”!

Aos professores, funcionários e estudantes que compõem a comunidade académica da Universidade Católica, delego este desafio nas vossas mãos, na certeza de que a vossa alegria, criatividade e confiança produzirá efeitos positivos na sociedade portuguesa.

E nas informações adicionais do vosso curriculum, não tenhais receio de acrescentar a informação sobre vossa identidade religiosa. Se Cristo não tem vergonha de nós, porque havemos nós de ter vergonha d’Ele? Sejamos essas mãos que rezam!

 

+ Jorge Ortiga, A. P.

3 de Fevereiro de 2013.


[1] Pedrosa Ferreira, Toma e Lê, 116.

[2] Cf. D. Jorge Ortiga, O Manual da Verdade, Dia Nacional da UCP – 2012.

[3] Cf. Suplemento Igreja Viva, «Jornal Diário do Minho», 31 de Janeiro de 2013, 5.