Arquidiocese de Braga -
17 novembro 2013
NO MEU TEMPO...
Discurso na Sessão Solene de Abertura do Ano Lectivo dos Seminários.
“No meu tempo…”
Discurso na Abertura Solene dos Seminários
A idade vai provocando uma atitude de retrospetiva, como simples recordação ou lição a acolher. Começo, também eu, a encontrar-me perante evocações marcadas pela ideia do “no meu tempo”. Espero que não seja mero sinal de envelhecimento, mas riqueza para o meu quotidiano de novos desafios.
Olhando para os meus doze anos de Seminário, recordo, desde o Seminário Menor, o dia de abertura dos Seminários ou da O.V.S (Obra das Vocações e Seminários). Uma linguagem um pouco ultrapassada mas ainda carregada de valores.
Os seminaristas reuniam-se e muitos sacerdotes vinham dos quatro cantos da Arquidiocese (que ainda compreendia Viana do Castelo). Começávamos a conhecer os que seriam irmãos no presbiterado e verificávamos como existia uma verdadeira “Obra”, sinónimo de algo a construir, por variados intérpretes, sacerdotes dos Seminários e outros oriundos dos mais variados lugares, com duas grandes colunas: a responsabilidade pelas vocações e o sentir o Seminário como causa comum. Numa mentalidade da época, em vez de vocações no sentido englobante, olhávamos para o clero diocesano e conhecíamos quem eram os sacerdotes mais apaixonados por esta Obra. Se era Obra das Vocações e Seminários, a presença de muitos era a certeza de que todos os consideravam como seus.
Os ecónomos encarregavam-se de elaborar as listas das paróquias que mais tinham contribuído, como verdadeiro ranking, e sublinhavam, perante a quantia oferecida e o número dos cristãos, quem ocupava os primeiros lugares, em termos de percentagem por pessoa. Era quase uma maratona cujos resultados comparávamos de ano para ano e que ocupavam as nossas conversas.
Algumas paróquias ocupavam, quase todos os anos, os primeiros lugares mas outras, mais pequenas, ultrapassavam a média por pessoa, com quantias que impressionavam pela pequenez e pela situação social.
Os sacerdotes colocavam-se numa atitude de verdadeiro compromisso com a causa material e espiritual dos Seminários. Sentiam-se cúmplices e as equipas formadoras assumiam um estatuto de verdadeira sintonia com este interesse comum.
Se a dimensão económica não era despicienda, a espiritual constituía-se em verdadeira cadeia de corresponsabilidade. As paróquias indicavam pessoas a quem os Reitores dos Seminários confiavam o dever de rezar e acompanhar espiritualmente os seminaristas. Eram as “madrinhas” que não conheciam os seminaristas-afilhados, nem estes aquelas. Só sabiam que a Igreja Diocesana lhe confiava esta missão, que nunca era de dimensão económica. Só nas vésperas das ordenações se indicava o nome e a direção com a surpresa, muitas vezes, de se encontrar com uma senhora simples e pobre, mas rica de amor às vocações pelas quais tinha oferecido muitas orações. Recordo uma certa mágoa por não ter conhecido a minha madrinha, por esta ter falecido durante o último ano de teologia. Ainda há dias na Paróquia de Padim da Graça, um grupo de sacerdotes celebrou Eucaristia por Elisa Fernandes da Silva, recordando-a pela vida dedicada à paróquia e particularmente pelo amor aos Seminários.
Nesta recordação das pessoas e comunidades que amavam o Seminário, emergiam alguns sacerdotes que, desde pequenos, nos habituávamos a conhecer e a estimar pois sabíamos do seu amor ao Seminário. Tendo na mente muitos nomes, gostaria de recordar o P.e Abílio Correia, pároco de S. Mamede de Este, que faleceu no ano da minha ordenação. Se se colocava na primeira fila destas sessões da O.V.S, a sua vida de amor às vocações e Seminários é um testemunho que deve ser conhecido.
O seu processo de beatificação deverá ter um maior e permanente “acompanhamento” por parte dos seminaristas, conhecendo e imitando as linhas orientadoras do seu sacerdócio. Há homens que ficam para além da história terrena. Ele é um deles a merecer que a sua proteção seja mais invocada para saborearmos a alegria da beatificação dum sacerdote secular que, não o duvido, se santificou no exercício do seu ministério. A Eucaristia era como que a fonte duma ação inovadora da pastoral naquela época. Auguro que os Seminaristas o conheçam melhor e o dêm a conhecer, nunca numa mera dimensão de curiosidade, mas encontro com uma história de vida marcada pela resposta alegre e fiel à sua vocação, permanecendo como luzeiro no meio de tantos outros sacerdotes, talvez ainda mais santos, que souberam estar presentes nos momentos difíceis dos primeiros decénios do séc. XX. Que Deus seja louvado e eles imitados!
O Seminário deu-lhes muito. Eles deram muito à Igreja e à sociedade. Hoje, quero recordar alguns. Não desconsidero os sacerdotes “anónimos” que gastaram a vida pelo povo, percorrendo os carreiros íngremes e sinuosos para sacramentar os doentes a qualquer hora do dia ou da noite, as eucaristias celebradas a qualquer hora para conveniência do povo, a catequese que, mesmo sem grande formação pedagógica, marcou personalidades, os pobres acolhidos em respostas secretas ou instituições sociais pioneiras, o conselheiro dos momentos dolorosos e o companheiro das alegrias. Tantos motivos e razões para louvar a plêiade de homens fiéis a um sacerdócio exercido em situações adversas, da história civil e da evolução sociológica.
Se parece que alguns não fizeram história, sendo este parecer desmentido pela vida das comunidades, e bastará por isso perguntar-lhes, ouso recordar alguns, dum modo incompleto, que mostraram como desenvolveram as suas capacidades e talentos:
1- Bispos:
. D. António Bento Martins Junior, Arcebispo de Braga;
. D. Américo Couto de Oliveira, Bispo de Lamego;
. D. António de Castro Xavier Monteiro, Bispo de Lamego;
. D. António Ribeiro, Cardeal Patriarca;
. D. Luís António de Almeida, Bispo de Bragança;
. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, professor da faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Cardeal Patriarca;
- D. Manuel Monteiro de Castro, Cardeal Penitenciário;
- D. António Lino da Silva Dinis, Braga.
2- Especialistas em determinadas áreas do saber:
. Dr. Abel Varzim, doutor em ciências político-sociais, pioneiro em iniciativas socias e deputado;
. P.e Alberto José Brás, músico;
. P.e Alves Vieira, publicista;
. P.e Américo Ferreira Alves, assistente do Corpo Nacional de Escutas;
. Cón. António Luís Vaz, jornalista;
. Cón. Avelino de Jesus da Costa, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e historiador;
. Cón. Arlindo Ribeiro da Cunha, publicista e arqueólogo. Cofundador do Museu Pio XII.
. Cón. Avelino Gonçalves, jornalista (orientador do Diário Católico Nacional, Novidades), cofundador do Corpo Nacional de Escutas;
. P.e Benjamim de Oliveira Salgado, professor, orador, músico;
. P.e Joaquim António Alves, poeta;
. Dr. Joaquim Gonçalves dos Santos, músico;
. P.e José Fernandes da Silva, músico;
. P.e Júlio Hilarião Vaz, jornalista;
. P.e Magalhães Costa, jornalista e professor de Física;
. Cón. Manuel Aguiar Barreiros, arqueólogo;
. P.e Manuel Carvalho Alaio, músico;
. P.e Manuel Domingues Basto (santa Cruz), jornalista e deputado
. P.e Manuel Faria Borda, Músico;
. Cón. Manuel Ferreira de Faria, músico;
. P.e Martins Capela, arqueólogo e professor;
. P.e Silva Gonçalves, poeta, jornalista, deputado;
. Dr. Manuel Isidro Alves, Biblista e Reitor da Universidade Católica;
. Mons. Manuel Pereira Vilar, Reitor do Colégio Português, em Roma
. Cón. Manuel Rodrigues de Azevedo, Liturgista e Músico.
3- Como iniciadores de obras e carismas
. Dr. Adão Salgado Vaz de Faria, fundador da Congregação da Divina Providência e da Sagrada Família;
. Cón. Domingos Gonçalves, fundador da Oficina de S. José de Guimarães e bispo da Guarda;
. Cón. Elísio Fernandes de Araújo, pedadogo (director do Colégio D. Diogo de Sousa);
. Cón. João Cândido Novais e Sousa, fundador da Creche de Braga;
. Mons. João Pedro Ferreira Airosa, fundador do Colégio da Regeneração, hoje Instituto Mons. Airosa;
. Mons. Lopes da Cruz, fundador da Rádio Renascença;
. Mons. Luciano Afonso dos Santos, arqueólogo, fundador do Museu Pio XII;
São apenas alguns exemplos. Agradecia que me ajudassem a completar. Uma coisa é certa: uma lista com a presença de sacerdotes bracarenses em variadíssimas áreas do saber.
Tempos passados? A sua vida de fé está patente nas obras. O Seminário foi a causa: causa duma presença impressionante na Igreja, a nível nacional e local e na sociedade com iniciativas pioneiras, e reconhecimento de que foram os Seminários a dar-lhe esta paixão, e eles não desperdiçaram as graças recebidas. Hoje, a Igreja e o mundo necessita de sacerdotes diferentes, mas com paixão sacerdotal idêntica e, por isso, geradora de obras onde o mundo reconheça o amor de Deus e só este.
Seremos capazes? A fé assim o exige.
† Jorge Ortiga, A.P.
Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, 17 de novembro de 2013.
Partilhar