Arquidiocese de Braga -
10 janeiro 2014
DIMENSÃO EVANGELIZADORA E CATEQUÉTICA DOS ESPAÇOS RELIGIOSOS
Conferência nas Jornadas do Turismo, em Fátima.
Dimensão Evangelizadora e catequética dos espaços religiosos
Jornadas sobre a Pastoral do Turismo
Nestas primeiras jornadas promovidas pela Obra Nacional da Pastoral do Turismo penso ser obrigação colocar como principal objetivo o específico desta seção da pastoral eclesial. Daí que não me limite a olhar para os espaços religiosos como instância evangelizadora e catequética mas me situe, intencionalmente, num âmbito mais abrangente, sem colocar de lado essa perspetiva. Partirei dela para algumas considerações posteriores.
Evangelização e Catequese
A história da Igreja é uma história de evangelização através de métodos e meios diferentes de harmonia com as exigências das épocas. Podemos afirmar, sem o mínimo receio, que ela deixa de ter razão de existir sem este encargo, uma vez que, estrutural e constitutivamente, pertence à sua essência.
Se esta afirmação não admite dúvidas, também não podemos hesitar quando afirmamos que a atual transformação cultural gerou um contexto peculiar que está a suscitar um desafio à criatividade tornando-a nova. O passado, ainda em voga em quase todas as comunidades, concretizava-a através da catequese e de momentos muito específicos. Tratava-se, praticamente, da mesma coisa. Catequese era evangelização e evangelização era catequese, ou se quisermos, a catequese seria um momento particular ou específico da Evangelização.
O Papa Paulo VI é inequívoco na Evangelii Nuntiandi “Uma via que não há de ser descurada na evangelização é a do ensino catequético. A inteligência, nomeadamente a inteligência das crianças e dos adolescentes, tem necessidade de aprender, mediante um sistemático ensino religioso, os dados fundamentais, o conteúdo vivo da verdade que Deus nos quis transmitir e que a Igreja procurou exprimir de maneira cada vez mais rica no decurso da sua história. Depois, que um semelhante ensino deva ser ministrado para educar hábitos da vida religiosa e não para permanecer apenas intelectual, ninguém o negará. É fora de dúvida que o esforço de evangelização poderá tirar um grande proveito deste meio do ensino catequético” (E.N. 44).
Se este foi o itinerário da ação evangelizadora da Igreja, e nunca pretendendo entrar em pormenores de maior ou menor densidade académica, o mesmo Santo Padre e no mesmo documento, não deixa de alertar para outra realidade. “Conhecemos também as opiniões de numerosos psicólogos e sociólogos, que afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da palavra, que se tornou praticamente ineficaz e inútil a estar a viver, hoje em dia, na civilização da imagem. Estes factos deveriam levar-nos, como é óbvio, a pôr em prática na transmissão da mensagem os meios modernos criados por esta civilização” (E.N. 24).
Trata-se duma transformação cultural que faz com que a Igreja conviva com agnósticos, ateus, indiferentes, pessoas sem verdadeira identidade cristã ou sentido de pertença à Igreja. Convivendo com todos e aceitando a obrigação de evangelizar, os espaços religiosos podem tornar-se um areópago indicador de oportunidades para semear a Boa Nova. Fala-se muito de neutralidade duma sociedade plural. Só que, conscientes do respeito pelo pensar e viver dos outros, urge – e esta pode ser uma “conclusão” destas primeiras Jornadas – assumirmo-nos, em Portugal, como uma Igreja “em saída”, na linguagem do Papa Francisco. Que poderá dizer-nos esta imagem abordando a temática do Turismo Religioso? Não pedirá que tornemos os espaços sagrados lugares de evangelização competente, honesta, nunca proselitista mas de alegre proposta? A cultura da imagem não passará, também, por aqui?
Evangelizar pela via da beleza
O Papa Francisco na Evangelii Gaudium afirma com toda a clareza. “Neste momento, não nos serve uma “simples administração”. Constituamo-nos em “estado permanente de missão”, em todas as regiões da terra”(N. 25. Conf. Documento de Aparecida). Estamos discernindo os caminhos duma realidade nova para a Igreja em Portugal a supor uma organização adequada, através do serviço da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Só que, e isto é o fundamental, tudo deverá interpretar-se como alínea integradora da única missão da Igreja que é evangelizar. Afastar-se desta perspetiva pode significar desfocar-se do essencial.
Para ajudar a refletir quero sublinhar um texto da Envangelii Guadium (n. 167). Seria a ideia fulcral que gostaria de deixar bem clara.
“É bom que toda a catequese preste uma especial atenção à «via da beleza (via pulchritudinis)». Anunciar Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de preencher a vida de um novo esplendor e de uma alegria profunda, mesmo no meio das provações. Nesta perspetiva, todas as expressões de verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma vereda que ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus. Não se trata de fomentar um relativismo estético, que pode obscurecer o vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado. Se nós, como diz Santo Agostinho, não amamos senão o que é belo, o Filho feito homem, revelação da beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para si com laços de amor. Por isso, torna-se necessário que a formação na via pulchritudinis esteja inserida na transmissão da fé. É desejável que cada Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra evangelizadora, em continuidade com a riqueza do passado, mas também na vastidão das suas múltiplas expressões atuais, a fim de transmitir a fé numa nova «linguagem parabólica». É preciso ter a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em diferentes âmbitos culturais, incluindo aquelas modalidades não convencionais de beleza que podem ser pouco significativas para os evangelizadores, mas se tornaram particularmente atraentes para os outros.”
O Papa fala dum caminho a percorrer na atualidade. Apostar, talvez como algo de novo, na via pulchritudinis. Mas, se nos recorda que importa criar, nunca se pode esquecer o que o passado nos legou e que continua a falar-nos de Deus, desde que nos disponhamos a ouvi-Lo e criemos todas as condições para que o mesmo aconteça com outras pessoas. Se não conseguimos fazer com que o turismo religioso seja esta proposta, podemos situá-lo no âmbito das atividades sublinhadas pela sociedade hodierna. Faltar-nos-á, porém, a capacidade de sublinhar o essencial e, para muitos converter-se-á em mera dimensão económica em tempo de crise. Tudo deverá acontecer no respeito pela liberdade seguindo as pegadas de Bento XVI de “propor e não impor”. Só que como Paulo teremos de transformar todas as ocasiões em momentos evangelizadores.
Talvez nos sirva de estímulo recordar o que aconteceu na Idade Média. A Igreja para ultrapassar a ignorância religiosa, se é verdade que elaborou diversos catecismos como instrumentos, estimulou outros elementos normalmente apelidados de Bíblia pauperum (Bíblia dos pobres) onde através da pintura, arquitetura, músicas, dramas, se entrava em diálogo, suscitando a criação de critérios para o agir.
Hoje, com toda a incredibilidade, o belo de Deus deve ser descoberto através de propostas esclarecedoras que nunca pretendem, repito-o, a conquista do proselitista mas que podem deixar interrogações para a descoberta da necessidade do transcendente na vida.
Peregrinações e Turismo Religioso
Olhando concretamente para o Turismo religioso (sirvo-me do que escreveu Carlo Mazza, em Turismo Religioso - Um approccio storico – culturale) importa começar por distinguir duas realidades hoje muito inculcadas. Em primeiro lugar as Peregrinações, no sentido rigoroso da Palavra onde o encontro com o sagrado aparece como interação principal. Importa não esquecer de reconstruir os elementos essenciais deste fenómeno crescente, para alguns de inconsciente procura de algo que lhes falta e para outros de caminhada reflexiva sobre a vida à qual se pretende dar um sentido novo. Evidentemente que, também, nunca poderemos esquecer o que é tradicional de simples cumprimento de promessas ou lugares de intercessão. Seja como for, é uma realidade a ser repensada pela Igreja para a adequar às verdadeiras exigências de quem peregrina.
Cresce, por outro lado, o Turismo religioso que o vejo envolto em dois aspetos: um fenómeno novo carregado de ambiguidades que importa conhecer e a necessidade de descobrir nele a existência de duas polaridades carregadas de variadíssimas oportunidades para evangelizar.
Não é difícil cair no erro de, inseridos em todo um mundo de mobilidade humana, provocar uma verdadeira confusão entre a alegria de conhecer realidades novas, momentos ou lugares singulares de ímpar beleza natural, sem sublinhar uma diferenciação real e intencional onde, na comparação, se estabelecem os critérios constitutivos dum verdadeiro turismo que, aliando o cultural ao espiritual, se apercebe que há algo de particular. O mais comum e mais fácil é enveredar por um caminho onde a mistura de elementos pode ou gera a confusão sem nunca chegar à identidade específica.
Torna-se, por isso, necessário, encontrar uma fundamentação “teórica-crítica”, capaz de suportar um método plausivelmente rigoroso e simultaneamente confirmada por uma memória cultural.
Isto supõe muita reflexão para que se consiga distinguir as experiências de peregrinação de turismo religioso autêntico e genuíno que, naturalmente, pode integrar motivações mistas de religioso e cultural.
A Igreja convida-nos a refletir sobre esta temática quando depois do Concílio Vat.II publicou o chamado Diretório Geral para a Pastoral do Turismo (Peregrinans in terra, 1969). Aqui sublinha-se, quase exclusivamente – se não exclusivamente – o cuidado com as peregrinações com a sua componente religiosa e a preocupação com o caracter sagrado das festas religiosas. Insiste-se na mesma ideia em 1978. (Chiesa e mobilita umana. Pastoral do turismo, 27-05-78, da Pontificia Comissão para a pastoral das Migrações e do Turismo). Aqui introduz-se o Turismo Religioso, o que significa um alerta para preservar o encontro com os lugares e experiências religiosas. Assim se evolui para uma mobilidade que integra a frequência dos Santuários e lugares sagrados com a história com a arte desses lugares e de outros. Acontece uma mudança substancial que continuou a desenvolver-se e que continua a ser acentuada com a agravante de que se vai perdendo o sentido de peregrinação aos Santuários (Não todos. Fátima é Fátima) para os interpretar em termos culturais que manifestaram uma experiência religiosa que perde a sua incidência interpelativa como proposta duma fé, presente na génese do monumento ou local a visitar ou a referência a mistérios do cristianismo.
Implicação do Turismo Religioso
Ninguém se pode iludir. Para muitos ele é uma simples oportunidade que está na moda para atrair e diversificar os conteúdos de viagens. Só que para a Igreja, torna-se um desafio. “Trata-se de manifestações totalmente novas e inéditas, de caracter “mixto”, no sentido de que pretendem fazer encontrar as “empresas” do turismo religioso com os especialistas e os operadores leigos e eclesiásticos, animados por uma comum intencionalidade, com o fim de elevar e orientar o tom e a qualidade das ofertas colocando um salutar confronto cultural, religioso e operativo (58).”
Não será fácil entrar neste novo fenómeno desta época post-moderna. É a tarefa que exigirá não pouco trabalho à Igreja. Importa não fugir a ele nem encarar este presente histórico com a superficialidade que, muitas vezes acompanham o agir pastoral da Igreja. Chega-se tarde e quando já não é possível exercer a influência em campos ocupados ou apresentar experiências inéditas mas sedutoras. São corajosas as palavras de D. Carlo Mazza. “Na verdade devemos reconhecer que o risco latente aparece na concreta possibilidade de um objetivo escorregar em direção a uma certa “secularização” da peregrinação para uma subjetiva forma de mal-entendido sincretismo religioso, em direção a uma aproximar-se de um certo “mercado selvagem” do sagrado. É de temer um abrir-se dum caminho perigoso tendente a favorecer um diletantismo motivacional e um espontaneísmo organizativo, que prejudique o respeito pelas adequadas formas de viajar particularmente aquelas com intenção espiritual.”
A história manifesta-nos uma evolução que poderemos sintetizar num quadro que aborda as diversas hipóteses a partir da peregrinação para chegar a um conjunto de iniciativas marcadas pelo emotivo, passageiro e curiosidade dum conhecimento meramente exterior dos espaços sagrados. Corremos o risco de, sintetizando, reduzir o verdadeiro alcance do turismo religioso. Como pretendo, só e apenas, deixar alguns elementos para reflexão futura, partilho a síntese tripartida elaborada por Nicolá Costa, já em 2002, em “Appunti sul turismo religioso”.
A |
B |
C |
Deus |
Deus-Homem |
Homem |
Homem |
Homem |
Homem |
Sagrado-Santo |
Sagrado-profano |
Profano-Secular |
Peregrinação |
Turismo religioso |
Turismo |
No esquema A, encontramos Deus no vértice e o Homem numa experiência verdadeiramente religiosa (religare) dum encontro desejado com Deus, através duma experiência com o sagrado, expresso nos Santos ou mistérios celebrados e tudo através duma atitude de peregrinação onde o homem se coloca em ambiente de procura perante Deus ou o divino.
No esquema B, Deus continua no vértice mas a Ele associa-se o homem não por desejo de autonomia mas desejo de intimidade. Deus e o homem encontram-se nas maravilhas da natureza e na delícia das obras artísticas criadas pelo mesmo homem. O sagrado e o profano dos elementos exteriores, quase que se confundem na compreensão autêntica de um e de outro e conseguem expressar-se em simultâneo e dum modo harmonioso. Há uma leitura e visão que se torna voz de alguém que pode comunicar uma mensagem que deveria ser acolhida. Esta é a experiência do Turismo Religioso autêntico. Não é neutro nem proselitista. Fala. Explica-se, no presente e passado, e pode provocar um entendimento intelectual, cultural e – sobretudo – religioso.
No esquema C, onde é muito fácil cair mesmo trabalhando o Turismo Religioso, parece o cenário mais corrente porque, como Igreja, ainda não fomos capazes de definir o característico do Turismo Religioso. O Homem ocupa a primazia sem querer dizer que Deus desapareceu da história. Ele continua, em si e nas suas obras, mas é como se não existisse. É colocado entre parênteses como algo que já não faz parte das escolhas fundamentais e marcantes do agir e do operar. O homem torna-se o protagonista. Foi ele que construiu e delineou os monumentos e vai manobrando a natureza reduzindo-a ao que melhor lhe convém. Tudo acontece simplesmente no âmbito do secular ou do profano mesmo no encontro com realidades que poderiam conduzir a outros pensamentos. E assim o Turismo acontece numa autonomia muito peculiar e sem relação com outras dimensões da vida e tudo se resume às conquistas sócio-culturais, económicas ou mesmo religiosas mas feitas noutros tempos e épocas.
Confronto estes três modelos - possibilidades, onde é muito fácil reconhecer ambiguidades, de que falava, e onde o Turismo religioso está imerso. Só que importa fazer com que seja uma oportunidade para Igreja e, particularmente, para o homem. Diz D. Carlo Mazza que, para isso, deve ser enquadrado num esquema bipolar que procura a unidade. Deve ser Turismo de vanguarda e competência de apresentar o religioso na abrangência completa e nunca meramente arquitetónica característica duma época. Já não será interpretado como Peregrinação, a não ser em alguns casos, mas não pode deixar de ser religião.
Condições imprescindíveis
Isto supõe um trabalho que não pode ser superficialmente encarado. Por um lado, os acompanhantes (guias) nunca poderão encarar o seu serviço como funcionalismo e repetir ideias genéricas ou descontextualizadas. Há um investimento a que não poderemos alhear-nos e pensar que outros o realizam, ainda que sejam Universidades de nome ou cariz Católico. Importa entrar na espiritualidade para que a competência técnica não se torne aula de catequese mas aconteça como transparência inequívoca duma evangelização em tempo da cultura da imagem. Quanto caminho a percorrer!...
Por outro lado, a comunidade – que pode ser apenas uma pessoa – que acolhe as pessoas em experiência de mobilidade, não pode eximir-se à responsabilidade de criar condições para que o mistério do templo fale e para que a natureza se exprima como beleza dum Deus Criador. Não basta abrir as portas e criar condições exteriores que mostrem os espaços. Se na Idade Média bastava a Bíblia Pauperum, hoje, sabemo-lo muito bem – só o acolhimento fraterno é expressão do Divino que nunca deixará de ser Amor e o Amor entende-se em qualquer língua, mesmo com sinais e com a eloquência do silêncio. Há coisa pequenas que se tornam anúncio.
É nesta bipolaridade dum turismo competente – no acolher nos espaços sagrados e anexos – e duma religião que se sente mesmo sem culto, que o Turismo Religioso perde as ambiguidades e os espaços religiosos se tornam verdadeiramente evangelizadores e catequéticos. Como lembrava o papa Francisco, podemos organizar muita coisa e não criar as condições para um verdadeiro Turismo Religioso. Se for uma missão que leigos (Guias, Operadores, pessoal dos Hotéis, etc.) assumem e procuram tornar vocação como paixão, é possível esperar tudo. Caso contrário, só entraremos nas agendas dos políticos e nas expetativas do advento dum messias que vem salvar a Economia.
Quero, neste momento, introduzir uma perspetiva diferente mas complementar. Até agora tenho falado no Turismo Religioso como fenómeno que acolhe pessoas a quem explicita, através da via pulchritudinis, a verdade de Deus ou as verdades da fé. Gostaria, também, embora de passagem, de mergulhar no íntimo das nossas comunidades cristãs. Também elas necessitam de ser evangelizadas e de dar consistência aos conteúdos na fé, muitas vezes herdade sem ser compreendida.
Dito doutro modo, as nossas comunidades também necessitam de ser itinerantes e podem aproveitar muito do Turismo Religioso. Este é um modo peculiar para Evangelizar ou fazer educação cristã de adultos. As comunidades, constituídas por pessoas, podem e devem proporcionar verdadeiras experiências evangelizadoras mesmo sem o denominador da peregrinação. Importa, porém, ser claro e motivar as pessoas para se abrirem à capacidade de não se fecharem no estético ou na beleza mas de ousarem acreditar na “alma” dos santuários ou lugares históricos. Isto supõe saber aproveitar todas as ocasiões para promover encontro com a verdade ou verdades. Visitar um Santuário – e desculpem o regionalismo – do Sameiro não pode restringir-se a explicar a arquitetura e acrescentar algo sobre o Fundador ou a simples presença do Papa. O santuário é um hino à Imaculada e importa abrir o hino e explicitar.
Nesta atitude enriquecedora, como evangelização ou catequese, importa sublinhar o valor do “nosso”. Não desconsidero a experiência dos aeroportos. Penso, porém, que, ao nosso lado, podem conviver realidades desconhecidas, económicas e, quem sabe, únicas no mundo. A Igreja é detentora dum Património Religioso – mas também hoteleiro – que não podemos desperdiçar. Será que só o que é dos outros é bom? Não teremos de nos organizar para dar a conhecer? Falei antes de comunidades acolhedoras e agora falo de comunidades que procuram, com descanso ou convívio, os tesouros escondidos dos recantos maravilhoso de que Deus nos dotou.
Desculpem esta escapadela do argumento que me foi confiado. Creio que também é falar dos nossos (sublinho) espaços religiosos que estão verdadeiramente – se quisermos – carregados de elementos evangelizadores e catequéticos.
O Ícone de Emaús
Gostaria de terminar deixando uma sugestão. O Turismo Religioso verdadeiramente evangelizador – e como tal fator de desenvolvimento integral para o país – deve aceitar a caminhada de Emaús como a sua Ícone. O Ícone de Emaús é a marca de identidade do Turismo Religioso. Aí Jesus fez catequese e evangelizou colocando-se a caminho com os dois Apóstolos que já tinham colocado de lado a experiência de compromisso com Cristo e com a Igreja. Partiam para outro mundo e à procura duma nova hipótese para a Sua vida. A intromissão de Cristo na viagem foi explicação através da Palavra sabendo situar-se no contexto de dúvida e perplexidade em que se encontravam.
Esta comunhão com os turistas, exigência para os Guias e para os espaços acolhedores, é o critério a delinear trajetórias para um Turismo Religioso que não se resume à visita e apresentação dos espaços sagrados. A sintonia com os turistas pode tornar-se, sem o mínimo espírito de proselitismo, oportunidade para entrar na Palavra de Deus. A simplicidade com que faço esta afirmação exige que descubramos o específico duma realidade nova para a Igreja.
A importância do Turismo Religioso
Termino com palavras do Papa Francisco.
“A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão “reveste essencialmente a forma de comunhão missionária”. Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnância e sem medo” (E.G. 23).
Não estará aqui o essencial a redescobrir na pastoral do turismo. Intimidade com Cristo, intimidade itinerante, numa comunhão missionária, evangelizar a todos, em todos os lugares e ocasiões, sem demora, repugnância ou medo.
Ao assumir o valor catequético e evangelizador dos espaços sagrados, como algo imperioso para o turismo religioso, é oportuno recordar quanto o Papa Francisco recorda na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium “Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório. O real cede o lugar á aparência. Em muitos países, a globalização comportou uma acelarada deteriorização das raízes culturais com a invasão de tendências pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas mas eticamente debilitadas.” (E.G. 62).
Não podemos eludir-nos e ceder à tentação. Importa reagir. Somos detentores dum património cultural que nos identifica e devemos ser capazes de o comunicar com entusiasmo e convicção. A verdade deve permanecer e não estar ao sabor das tendências que sucessivamente se alternam. Isto exige muita delicadeza e preparação intelectual e espiritual. Saber ler os espaços sagrados e mostrar que não pertencem simplesmente ao arquétipo dos monumentos mas encerram uma fé que os gerou e o povo de fé os conservou e conserva pode ser uma das prioridades ao Turismo Religioso. Trata-se dum verdadeiro encontro a provocar entre a fé e cultura que pode “desenvolver um novo discurso sobre a credibilidade, uma apologética original que ajude a criar as predisposições para que o Evangelho seja escutado por todos” (E.G. 132). O Turismo pode não ter intenções premeditadas e deve ser sempre exercitado numa atitude de acolhimento e respeito pelos outros. Isto, porém, não impede que manifestemos uma cultura marcada pela fé que poderá predispor para o encontro com o Evangelho ou não. Respeitar não é sinónimo de negligência. Um Turismo que não tenha a preocupação em enriquecer o outro com algo de diferente, original, distinto, parece-me que foge a algo constitutivo da sua integridade. Mostrar a fé da arquitetura da pintura, da música, das comunidades religiosas que criaram cultura, não é imposição de ideias. Trata-se de estar no nosso mundo, sabendo que ele é marcado pelo subjetivismo que poderá dizer também relativismo onde os outros dizem que tudo tem o mesmo valor ou um valor em que não acreditam. Falar é respeito que pode enriquecer sem pressionar de espécie alguma.
Conclusão
Concluo com palavras do Papa Francisco. “A evangelização está atenta aos progressos científicos (e a história cultural pode ser equiparada – observação minha) para os iluminar com a luz da fé e da lei natural, tendo em vista procurar que respeitem a centralidade e o valor supremo da pessoa humana em todas as fases da sua existência. Toda a sociedade pode ser enriquecida através deste diálogo que abre novos horizontes ao pensamento e amplia as possibilidades da razão. Também este é um caminho de harmonia e pacificação” (E.G. 242). Nesta perspetiva, todos reconhecemos que se trata dum diálogo que alarga horizontes e que em vez de gerar conflitos pode suscitar paz e harmonia entre os povos. As ideias nem sempre geram conflitos. Antes pelo contrário, enriquecem quando comunicadas com convicção pessoal, séria e convicta, nunca julgando quem pensa e vive de modo diferente. A Liberdade Religiosa ou mentalidade assim como a aconfessionalidade de governos ou realidades humanas (como o turismo) nunca podem abafar a identidade seja de quem for. Antes pelo contrário. São sinónimo de maturidade e sadio convívio social. “Um são pluralismo que respeita verdadeiramente aqueles que pensam diferente e os valorizam como tais, não implica uma privatização das religiões, com a pretensão de as reduzir ao silêncio e à obscuridade da consciência da cada um ou à sua marginalização no recinto fechado das igrejas, sinagogas ou mesquitas. Tratar-se-ia, em definitivo, de uma nova forma de discriminação e autoritarismo. O respeito devido às minorias de agnósticos ou de não-crentes não se deve impor de maneira arbitrária que silencie as convicções de minorias crentes ou ignore a riqueza das tradições religiosas” (E.G. 255).
As ambiguidades do Turismo Religioso devem tornar-se oportunidade se soubermos oferecer os espaços Religiosos como proposta de Evangelização e mesmo catequética. Basta que aprendamos com Jesus a caminho de Emaús para protagonizarmos uma Igreja que se apresenta ao mundo como “companheira” itinerante em atitude de “saída” para percorrer os caminhos duma cultura e espiritualidade cristãs.
Fátima, 10-01-14
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
e Presidente da Comissão Episcopal
da Pastoral Social e Mobilidade Humana
Partilhar