Arquidiocese de Braga -

27 janeiro 2014

A (NOVA) EVANGELIZAÇÃO AO ESTILO DO PAPA FRANCISCO

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Fotografia

Conferência na VI Semana de Teologia de Ourense (Espanha).

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Introdução

Certamente que todos nós elegemos com frequência a colectânea dos filmes que marcaram a nossa vida. O cinema é esta arte que nos faz saltar da realidade e permite olhá-la pelo lado de fora: só assim é que conseguimos avaliar e pensar sobre o estado da questão. Não fugindo à regra, e pedindo desculpa por ser da velha guarda, e preferir os filmes da época dourada dos anos 50-60, gostaria de começar esta reflexão com uma referência ao filme “Quo Vadis”. Um filme empolgante, que tem como pano de fundo as acções missionárias dos apóstolos Pedro e Paulo (que hoje celebramos a festa da sua conversão), no qual constatamos como uma religião emergente (cristianismo) consegue transformar o poderoso Império Romano, não pela estrtégia militar, mas pela força do amor, demonstrado no modo como uma jovem cristã (Lídia) consegue converter o rígido pensamento pagão de um general romano (Marcus Vinicius).[1]

Passados dois mil anos, a missão continua a ser a mesma (comunicar o amor) embora se pretende fazê-lo com uma nova metodologia e um novo ardor, como propõe a nova evangelização, na certeza de que o Evangelho, independentemente da situação socio-cultural que vivemos, tem sempre a oportunidade de ser escutado e compreendido pelos homens, como refere Philipe Bacq.[2]

 

Reflexão

  Neste sentido, começaria por referir que o meu trabalho consistirá simplesmente em sublinhar algumas ideias que o Papa Francisco está a trazer à Igreja. Poderia tentar sintetizar as suas diversas intervenções manifestando o acolhimento que o mundo lhe tem dedicado.

  Agradeço que tenham colocado entre parênteses a palavra “nova”. Não passou de moda nem desclassifica quanto João Paulo II e Bento XVI nos ensinaram. Trata-se duma afirmação ousada, mostrando que o Papa Francisco sabe estar no “hoje” com comportamentos que alguns poderão apelidar de novos. Ele aceita-os como uma simples exigência de intimidade com Cristo, deixando-se conduzir pela fantasia da caridade – expressão máxima da Evangelização - que está sempre a requerer novas atitudes.

  Intencionalmente fixar-me-ei na “Alegria do Evangelho” (Evangelium Gaudium), por dois motivos. Em primeiro lugar porque o Papa Francisco pretende que esta Exortação Apostólica seja capaz de “indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos”. Depois porque, com ela, ele pretende convocar os cristãos “para uma nova etapa da evangelização marcada pela alegria do Evangelho” que enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”. Aqui está indicado o “estilo” do Papa Francisco: evangelizar pela alegria e fazer com que esta seja unicamente resultado dum encontro pessoal com Jesus. Primeiro o encontro. Este gera alegria naquele que se encontrou com Ele. Posteriormente e sempre, evangeliza mostrando com a vida e as palavras, que o fundamental é deixar-se encontrar por Cristo e, como consequência, o Espírito irá colocar no coração da Igreja a alegria e esta passará ou deverá passar pelas palavras, pela celebração e pela ação. Tudo resultado duma grande contestação. “O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada”. O mundo promete e a Igreja que vive no mundo sem ser mundana, vive a alegria e esta contagia, surpreende, provoca interrogações. “E que o mundo do tempo, que procura, ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa-Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descorçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem primeiro receberam em si a alegria de Cristo” (E.G.10).

  Sem Alegria não há evangelização. O estilo é este. O resto são concretizações deste exame de consciência que a Igreja deve fazer dum modo permanente. Viver para evangelizar na alegria e com alegria é a missão da Igreja hoje, aqui e agora.

Como a concretizar? Houve um tempo, nestas terras de cristandade, em que a Igreja criou os seus espaços onde procurava semear a alegria do dom da fé. A sociedade pluricultural, pluriétnica, plurirreligiosa, dominada pelo indiferentismo e agnosticismos reclama uma verdadeira mudança de centro de gravidade. O mundo, nas suas variadas expressões, torna-se o palco onde o anúncio deve acontecer com uma presença, talvez silenciosas mas incisiva. Daí que a Igreja necessita da coragem de assumir o tempo presente e disponibilizar-se, sem medo ou complexos, a partir para o encontro com o homem onde ele se encontra com os seus problemas e alegrias. Talvez esta seja a grande novidade testemunhada pelo Papa Francisco. Deixa o carro. Manda parar e vai abraçar e ouvir doentes ou desfigurados, arriscando a vida, e colocando em sobressalto quem o deve proteger.

Neste sentido há uma expressão paradigmática a caracterizar a evangelização. Para nós portugueses é de difícil tradução. Mas a novidade que traz, importa discerni-la. “Uma Igreja em saída”. Sair dos espaços e dos hábitos, das cerimónias ou rotinas organizacionais para estar “presente” nos cenários e desafios sempre novos. Trata-se duma presença pobre na consciência de que nem os cenários nem os problemas estão identificados dum modo perene ou, na nossa linguagem, dogmáticos. Eles não só são novos mas serão sempre e cada vez mais novos, a mudança é permanente e a rigidez dos esquemas exige, uma atenção contínua ao Espírito que “sopra onde quer” para interpelar e questionar. Em ambiente de mudança ou saída a Igreja, nos lugares onde ela se edifica como Sacramento de Salvação, deve peregrinar, sem grandes apetrechos, só verdadeiramente ancorada ao Evangelho, tirando dele sempre as coisas novas que nunca foram usadas. O âmbito desta “novidade” das coisas é impressionante e só “um coração que vê”, na linguagem de Bento XVI, encontrará a novidade que nunca se repete.

Sublinho uma insistência do Papa. “Mas contem sempre a dinâmica do êxodo e do dom, de sair de si mesmo, de caminhar e semear de novo, sempre mais além” (E.G.21). “Fiel ao modelo de Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnância e sem medo” (E.G. 23). Por outro lado a Igreja é uma comunidade de todos – novidade conciliar que ainda não conseguiu substituir o clericalismo pela certeza e alegria de ser povo de Deus -, a ser enviada para ir ao encontro de todos e não só daqueles fiéis (no sentido literal da palavra) que permanentemente, e muitas vezes inutilmente pois não ousam ouvir por causa dos ouvidos cheios de histórias e apegos pessoais, e chegando a todos os ambientes onde se reconhece o dom criador de Deus e se aceita o dever de aí levar a força transformadora da Palavra. Importa não restringir somente a iniciativas organizadas para o efeito mas, usando a cronologia das vicissitudes humanas, tais quais elas são, e fazendo todo este itinerário, sair para mergulhar nelas com a serenidade e coragem de quem continua a percorrer os oceanos da vida, sentindo e experimentando a presença de Cristo, mesmo parecendo adormecido, mas que nos garante que é proibido ter medo. São complexos os problemas humanos; a força do Espírito é muito maior.

Esta Igreja “em saída” que poderia ser “em consciência missionária” mas já voltaria a insistir em linguagem à qual nos habituamos, vai expressar-se em cinco atitudes - gestos. São palavras que sugerem e deixam a porta aberta a um leque sempre variado de presenças num mundo concreto que é o nosso de hoje. Considero-as o núcleo central da alegria do encontro com o Evangelho e da alegria em comunicar esse mesmo Evangelho. Alegria do evangelizar-se para experimentar a alegria do evangelizar.

São cinco verbos que terão de entrar nos Programas Pastorais das comunidades. A partir deles, e envolvendo a dimensão do catequizar, do celebrar e do animar a sociedade, surgirão comunidades que mostram a perenidade do Evangelho. Tornam-se “sinais” duma presença ativa e atuante de Cristo.

“Primeirear”, “envolver-se”, “acompanhar”, “frutificar” e “festejar” são pistas duma única atitude que marca um estilo caraterístico destinado não a cristalizar mas a marcar o Pontificado do Papa Francisco como legado e testamento duma novidade que o mundo aprecie e precisa. Os resultados acontecerão como resultado do modo como a Igreja ousa interpretar este percurso nas pessoas individualmente e nas comunidades paroquiais e Diocesanas.

Em Portugal e no mundo deu-se mais importância à Dimensão Social da Evangelização que a Exortação Apostólica aborda com linguagem transparente embora situando-se na linha de continuidade duma Doutrina Social que a Igreja foi elaborando nos últimos decénios. A crise que nos envolve obriga a não esquecer estes contextos. Só que importa situá-los num espírito, que não sendo espiritualismo desencarnado, deve manter sempre a qualidade da intervenção da Igreja, neste estar no mundo, como resultado de se definir como comunidade “em saída”.

Com muita simplicidade, e talvez alguma ingenuidade, permitam-me que explicite cada um destes verbos. Não ouso teorizar. Irão, com toda a certeza, surgir entidades capazes de descortinar as implicações mais fundamentadas. Para mim, trata-se dum simples e espontâneo meditar em voz alta e, como já o referi, em ambiente de exame de consciência para provocar a conversão como imitação do estilo do Papa Francisco.

“Primeirear” é um neologismo consciente. Ao introduzi-lo na linguagem eclesial o Papa tem uma intenção precisa. Não basta sair para presenciar a história como curiosos ou admiradores. Ao cristão compete-lhe tomar a iniciativa, dar o primeiro passo, inserir-se no testemunho de resposta ainda que mais ninguém queira ousar. Corremos o risco de pretender ir ao encontro das pessoas mas nos ambientes normais e louvados por todos. Antigamente, como o hino da Ação Católica, cantava-se, em Portugal, “há caminhos não andados que esperam por alguém”. Daí que ir ao encontro dos afastados, dos indiferentes, dos marginalizados, dos excluídos, dos pobres é o caminho que a Igreja deve percorrer como verdadeiro profetismo hodierno, situando, por isso, os membros da Igreja nos campos desconhecidos. Importa chegar às periferias e saber que o Espírito pode estar a chamar em problemas e situações humanas aonde ninguém chegou. A Igreja foi pioneira nas suas iniciativas e arriscou percorrer caminhos que ninguém quis escolher e não teve medo de enveredar por vias que não conduzem ao protagonismo e louvor público. Chegar em primeiro lugar é dar voz a quem não tem voz, é ousar tomar a palavra onde todos calam para não serem incomodados, é preferir os desertos humanos que nada oferecem em compensação.

Se tudo quanto acabei de referir se situa num âmbito muito público, o “primeirear” deve chegar aos espaços mais comuns do quotidiano para que o cristão faça o que ninguém faz, para dar um primeiro passo no amor familiar e no ambiente laboral, na capacidade, talvez heroica, de perdoar aproximando-se de onde todos se afastam e se fecham em si.

Neste coração sensível, os cristãos ou as comunidades devem, por outro lado, ser capazes de ouvir os gritos ou os lamentos que ninguém escutou e saber que podem ser criadas estruturas novas que ainda não foram sonhadas por ninguém. Na verdade, a Igreja é carismática com pessoas capazes de reconhecer os dons recebidos e fazer com que sejam situados nas condições ou nos lugares onde o vazio ainda está por preencher. Acontece tantas vezes que nos contentamos com o mimetismo e não aceitamos os ventos que sopram para outros lados a exigir respostas pastorais ou sociais, nas quais ninguém ainda pensou. Pessoalmente gosto do inédito desde que seja sintonizado com o Espírito.

“Envolver-se”. Quando se dá o primeiro passo o encontro acontece. Neste podemos ser contempladores externos ou curiosos expectantes. Cristo, ao incarnar, inculturou-se com a natureza humana identificando-se com os problemas, chorando ou rindo conforme as circunstâncias exigiam. Fazendo seu o problema, deixou-se tomar por ele. Nem sempre é fácil deixar-se envolver, comprometer. As desculpas são muitas e as razões alegadas para não participar no festim da ajuda emergem continuamente. Trata-se de hierarquizar e não querer ser como todos os outros. Há tempo para tudo quando a vida se entrega à causa do Reino e o tempo será mais do que suficiente para mergulhar no íntimo de quem necessita.

A depressão coletiva e a solidão crescente tornam a vida amarga e isto porque poucos conseguem envolver a sua vida nos problemas reais das pessoas. Muitas vezes as comunidades sublinham a burocracia e esquecem-se do acolhimento, com tempo e paciência, para que ninguém experimente a existência isoladamente. “Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se - se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo” (E.G. 24).

Correu o mundo aquela imagem do Papa Francisco abraçando e beijando aquele doente desconforme. As normas da prudência desencorajavam. Só a ousadia comoveu muitos corações e talvez tenha gerado algum exemplo a suscitar muita ternura e carinho para quem sofre. O outro será sempre o outro com os seus problemas e histórias. Se Cristo se identificou com cada um, a comunidade eclesial estará com ele quando souber comprometer-se com tudo o que é humano ainda que os “fariseus” hodiernos possam julgar ou desconsiderar. Ainda estamos muito distantes do povo sofredor e a hierarquia situa-se superiormente parecendo que não vê as misérias do povo para se envolver e envolver a comunidade na sua eliminação.

Cristo, Filho de Deus, fez-se homem para que este caminhasse rumo à identificação com o divino. O caminho da Igreja é o mesmo descer para subir, elevar, dar dignidade, ultrapassar os limites, gerar vida superior. Trata-se duma aventura corajosa que nunca esquece este itinerário de tornar a sociedade humana segundo o paradigma de Cristo. Não esqueçamos que para isso teremos de descer do pedestal e percorrer os caminhos, fáceis ou sinuosos, das ovelhas para deixar-se questionar sobre o que significa experimentar o “cheiro das ovelhas”. Os outros pertencem-nos, a nós sacerdotes ou leigos, e existimos em função deles e só com eles poderemos interpretar uma verdadeira história da salvação. Os judeus imolavam os cabritos e os touros. Não é este o culto novo inaugurado por Cristo. A partir do calvário, o envolver-se com o povo torna-se sinónimo de entrega, doação da vida para salvar.

“Acompanhar”. Envolver-se pode ser um ato esporádico, com maior ou menor duração. Mas, a vida humana prossegue e o cristianismo apresenta a sua verdadeira identidade a partir do reconhecimento dum Pai Comum que estrutura ou deveria estruturar a sociedade em termos duma Fraternidade Universal. Quando o Papa Francisco foi eleito, muitos se interrogaram sobre a razão da escolha dum nome não tradicional no elenco dos Papas. Muitos levantaram a hipótese dum querer sublinhar a dimensão missionária através do exemplo do seu confrade S. Francisco Xavier. A sua explicação surge dum modo verdadeiramente provocador. Era em Assis que esta a sua referência para a renovação da Igreja através da redescoberta da fraternidade como algo de permanente a preservar e a provocar. Consequência natural desta intenção é o dever de fazer-se companheiro de todos seguindo de perto a vida da humanidade com tudo aquilo que esta pode exigir. Se o envolver-se pode ser um sentimento, ele deve tocar o coração e gerar uma opção para acompanhar com solicitude terna e perene de verdadeiro envolvimento de vidas. Nada de humano é estranho à Igreja e tudo lhe toca. As experiências que parecem mais positivas ou flagelos e dramas que devem incomodar e por em questão muitos estilos de vida pertencem à aventura da vida cristã. Saber estar dum modo permanente e estável e acompanhar a fragilidade para que a libertação aconteça é o ADN da Igreja. Nunca se pode resignar a ser uma ONG. Mas na fraternidade sabe que a fraternidade vivida compromete. Fazer caminhos juntos com todos os processos históricos – de pessoas ou de pensamento – faz com que nunca nos sintamos à margem ou porque aí nos colocam ou permitimos que a evolução histórica nos ultrapasse. Nem todos os caminhos nos são convenientes e poderemos ter necessidade de denunciar os caminhos da história à luz da sabedoria do transcendente. Sabemos estar com todos – num plano social, ideológico, religioso – nunca perdendo a nossa identidade. Também não é o fato de pensarem diferentemente de nós que nos dispensa de acompanhar a humanidade. A presença pode ser discreta mas sempre viva e anunciadora do anúncio. Diálogo com todos e anúncio da verdade são exigências duma caminhada conjunta. Ação social interventiva mostra a peregrinação de Cristo por entre as multidões, confiando aos discípulos, não para uma vez mas para sempre, a tarefa de dar de comer em Seu nome e na descoberta do Seu rosto em todos quantos sofrem. A continuidade persistente é o modo de acompanhar.

“Frutificar”. A evangelização será sempre simbolicamente entendida na lógica do semeador que sai a semear. Sair é para semear e para colher frutos em fecundidade. Não são os resultados que nos motivam. O próprio Cristo teve uma vida que parece inglória. Só que nos alertou para a realidade do joio que impede um pleno desenvolvimento das capacidades que a semente encerra dentro de si. Hoje a Igreja, na tarefa evangelizadora, vive num contexto de concorrência e confronto através duma mensagem que, reconhecemo-lo, não entra na inteligência e muito menos no coração de muitos. Importa, porém, que não confundamos dificuldades com a ausência de fruto apostando na religião que se alicerça num mero intimismo devocionista. Os frutos são o ponto fundamental do nosso exame de consciência e importa extrair conclusões. Nem sempre somos capazes de o fazer talvez pelo comodismo de ter de alterar métodos e processos. Nada é mais prejudicial à tarefa evangelizadora do que o viver de rendas, daquilo que os antepassados semearam e que nos limitamos a colher. Teremos de ser realistas e apostar numa auto-avaliação constante. Olhemos a realidade dos jovens e dos casais novos. Saibamos ser coerentes com a lógica que impõe a necessidade de encontrar frutos. O papa alerta-nos para que não tenhamos “reações de lamentação ou de alarmismo”, o que acontece com frequência quando nos reunimos e passamos o tempo a condenar o mundo e aqueles que nele agem, às claras ou camufladamente. “Os filhos das trevas são mais inteligentes do que os filhos da luz.” Os frutos surgirão, mesmo que pareça o contrário, quando caminhamos na fidelidade à mensagem e lhe imprimimos um ritmo de novidade.” O discípulo sabe oferecer a vida inteira e entregá-la até ao martírio como testemunho de Jesus Cristo, mas antes que a Palavra seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora” (E.G.24). o agricultor não olha ao tempo que dedica à sementeira e nem se fixa exclusivamente nos resultados da colheita. Sabe que esta acontecerá e as expetativas grandes acontecerão. Trata-se da persistência inovadora e alegre. Os frutos batem à porta.

“Festejar”. Uma característica fundamental da evangelização ao estilo do Papa Francisco é a alegria. Vê-se por todas as suas intervenções e, particularmente, pelo sorriso que patenteia em todas as suas ações públicas. Também hoje uma Igreja será verdadeiramente evangelizadora se tornar a sua ação jubilosa e souber “festejar”. As ocasiões são variadíssimas embora me pareça fundamental rever o sentido da festa no quotidiano da Igreja. Redescobrir os conteúdos e a verdadeira experiência da festa é um itinerário obrigatório. O progresso ou desenvolvimento social impôs um ritmo de vida tal que a comunidade deve ser retemperadora e suscitadora de alegria. Aqui surge um outro aspeto a necessitar de exame de consciência. O Santo Padre aborda esta atitude dos evangelizadores e este ambiente das comunidades com muita frequência. “Há cristãos que parecem ter escolhido viver em Quaresma sem Páscoa” (E.G. 6). Não seremos nós, hierarquia, os responsáveis por esta realidade? O anúncio deve ser muito mais alegre e suscitador de espaços de convívio festivo. A liturgia não pode continuar em estilo monocórdico sem um ritmo que a torne verdadeiramente bela.

A via pulchritudinis deve estar sempre patente em todo e qualquer ato evangelizador. Não nos podemos contentar com rotinas que não satisfazem interiormente. A beleza deve ser redescoberta e esta aposta não a vai enriquecer com gastos de dinheiro desnecessários. “Olhai os lírios do campo…”. Com pouco pode fazer-se muito e com grande sentido de gosto. Basta acreditar nos dons e talentos de muitas pessoas das nossas comunidades. Esta beleza pode passar por uma promoção da cultura e não podemos ter medo desde que ela se torne um hino à perfeição de Deus. O Santo Padre, no seu estilo pobre e paixão pelos pobres, não desconsidera este trabalho a efetuar com os verdadeiros artistas, nas mais variadas dimensões, e a Igreja continuará a evangelizar através de instrumentos onde a beleza de Deus não é ignorada.

Para terminar, optei por este caminho de não pretender dizer coisas novas mas de me servir duma parte mínima deste programa que o Santo Padre, recolhendo as proposições do Sínodo sobre a Evangelização e conjugando-as com a experiência forte que realizou na Aparecida, quis oferecer à Igreja. São itinerários sem a devida consistência teológica e pastoral. Quase que me limitei a sublinhar. É que, também, o Santo Padre recorda que “não ignora que hoje os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras épocas, acabando rapidamente esquecidos”.  Esta foi a razão da minha escolha colocar-me em questão e deixar perguntas em aberto para que cada um, e depois as comunidades, respondam com a conveniente interpretação duma mensagem que não é nova mas proporciona desafios inadiáveis.

Há um que é imperioso e com ele termino. Se a Evangelização ao estilo do Papa Francisco parte da Alegria acolhida e anunciada por cristãos alegres que optam por dar vida a uma Igreja “em saída” não só missionária, com gestos imensos contidos em cinco verbos (“Primeirear”, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar), tudo passará sem resultados efetivos sem uma Pastoral em conversão. É a pastoral que se converte, muda, e são os protagonistas que não só não temem a conversão mas a escolhem como atitude primordial. Acontecerá a conversão da Pastoral se os agentes se converterem e nesta “dupla” conversão a Igreja voltará a resplandecer tornando-se sentido de vida para os indivíduos e exigência antropológica de viverem em comunidade cristocêntrica, como pessoa a imitar a Palavra a viver, que se tornará referência inequívoca para um mundo que procura algo que ainda não encontrou.

“O Concílio Vat. II, diz o Papa, apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: “Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação… a Igreja peregrina é chamada por Cristo e esta reforma perene. Como instituição humana a terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma” (E.G. 26).

Este deixar-se converter conduz a uma predisposição que acompanha toda a Evangelização que o Papa Francisco vai desencadeando. Trata-se duma verdadeira dinâmica entre a intimidade e alteridade. Intimidade que acolhe como verdadeiros servidores do Espírito a quem obedecem como que a uma voz. É um encontro único, pessoal, realizador de alegria e verdadeira paz. Mas, maravilhas das maravilhas, a verdadeira intimidade só acontece quando entra no jogo da alteridade, como transmissão duma verdade experimentada que vai acontecendo através de tudo o que tece o quotidiano. O Evangelizador é Evangelho e, sendo-o, terá de o dar com a serenidade de quem se extasia. Nunca nos sentimos puxados por pessoas especiais que, falando, calando, olhando, seduzem e galvanizam para experiências diferentes?

Não será esta a originalidade do Papa Francisco. A sua vida é força, íman e as suas palavras expressam um interior que vai ao encontro dos outros. Pobre de si e repleto desta intimidade com o divino encontra-se com todos mas a sua simpatia está nos pobres, nos marginais, nos descaraterizados. Não passará por aqui o futuro da evangelização. A organização passa. A interioridade encontra-se com os outros e contagia. Jesus fixou os olhos – muitos o seguiram.

 “Uma evangelização com espírito – assim descreve o Papa Francisco - é muito diferente de um conjunto de tarefas vividas como obrigação pesada que quase não se tolera, ou se suporta como algo que contradiz as nossas próprias indicações e desejos. Como gostaria de encontrar palavras para encorajar uma época evangelizadora mais ardorosa, alegre, generosa, ousada, cheia de amor até ao fim e feita de vida contagiante! Mas sei que nenhuma motivação será significante se não arde nos corações o fogo do Espírito… peço-lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos.” (E.G.261)

Conclusão

Para terminar, Para terminar, a 5 de agosto de 1967, Eusébio da Silva Ferreira, o mítico jogador do futebol português que há duas semanas partiu de junto de nós, escreveu uma carta à sua mãe na qual dizia o seguinte: «Na vida há sempre dificuldades a vencer e problemas que temos de resolver. Mas resolvem-se quando a nossa vontade é forte. E para isso Deus ajuda-nos sempre!»

Portanto, e na certeza de que Deus nos ajuda sempre, não nos esqueçamos que somos seres chamados à santidade, em virtude do sacramento do Baptismo que recebemos, e que por isso temos a obrigação de nos orgulhar da nossa fé, a exemplo do apóstolo Pedro, e de comunicar aos outros, sobretudo aos não-crentes (neo-pagãos) este amor inédito e concreto, a exemplo do apóstolo Paulo, porque um mundo sem Deus é um mundo sem esperança!

Ourense, 25 de Janeiro 2014.

† Jorge Ortiga, A.P.



[1] Cf. D. Jorge Ortiga, Uma pergunta académica. Discurso na Sessão Solene de Abertura do Ano Lectivo da Universidade Católica, in Acção Católica (órgão oficial da Arquidiocese de Braga), novembro 2013.

[2] Cf. Philippe Bacp, «Para uma pastoral de gestação», in Aa. Vv., Uma nova oportunidade para o Evangelho, pp. 19-27.