Arquidiocese de Braga -

14 fevereiro 2024

Sempre em caminho de Páscoa

Fotografia Avelino Lima

Homilia - Quarta-Feira de Cinzas, 14 fevereiro 2024

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  1. Do tripé hebraico à conversão pascal

A etapa quaresmal que hoje iniciamos é decisiva no caminho de Páscoa que estamos juntos a percorrer. Na verdade, o caminho é uma das metáforas mais completas da vida cristã, ou melhor, é sinónimo da comunidade pascal, cujos membros são até chamados “os do caminho” (At 9, 2). 

Temos a convicção, como afirmou o Papa Pio XII, que: “o Ano Litúrgico, que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é uma fria e inerte representação de factos que pertencem ao passado, ou uma simples e nua reevocação de realidades de outros tempos. O Ano Litúrgico é, antes de mais, o próprio Cristo, que vive sempre na Sua Igreja”.

No Evangelho (Mt 6, 1-6. 16-18) que escutámos apresenta-se o tripé da piedade hebraica: a esmola, a oração e o jejum. Jesus dá a esta tripeça espiritual um sentido maior e afasta todo o tipo de aparência e de hipocrisia: a esmola é mais que uma expressão do amor ao próximo, porque tem de ser praticada no segredo e na caridade por Cristo; a oração é mais que sinal do amor a Deus, se feita no silêncio e na gratuidade com Cristo; o jejum vai para lá de uma libertação pessoal, testemunhado na alegria e na simplicidade a libertação em Cristo. A propósito do trinómio espiritual penitencial disse Santo Agostinho: “O jejum e a esmola são as duas asas da oração”. Sem oração não há missão.

Sublinho o que escrevemos na mensagem Quaresma-Páscoa: “Sempre em caminho, olhemos para as mesas do quotidiano. Perguntemo-nos: o que nos incomoda hoje? O que nos move? Em que mesa está no nosso irmão? (cf. Gn 4, 9)”. 

 

  1. Sinal da cruz e cinzas

A Bíblia conserva viva a inteligência global que o ser humano é formado “do pó da terra” (Gn 2,7). Com efeito, a Igreja ao inserir na liturgia o rito das cinzas, interpela-nos no dinamismo da própria vida. As cinzas pertenceram a velhos ramos verdejantes. A fragilidade da vida também se expressa no símbolo das cinzas, que são, simultaneamente, um valor acrescentado de fé e de bênção. A pessoa humana é um ser para a vida. 

Romano Guardini escreveu com sapiência simbólica: “Tudo se torna cinza. A minha casa, a minha roupa, os meus móveis, o meu dinheiro; campos, prados, bosques. O cão que me acompanha e o animal que está no curral. A mão com que escrevo, o olho que lê, e todo o meu corpo. As pessoas que amei; aquelas que odiei e as que temi. O que me pareceu grande sobre a terra, o que me pareceu pequeno, o que considerei desprezível – tudo cinza, tudo...”.

Todavia, ao ser impostas as cinzas fazemo-lo com o sinal da cruz pascal, em memória do Batismo que recebemos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

 

  1. Pão partido partilhado no caminho da esperança

Vivemos um tempo complexo e delicado. Por isso, suplicamos: “será Deus capaz de nos preparar uma mesa no deserto?” (Sl 78, 19). Também uma célebre frase de Ortega y Gasset se torna cada vez mais atual: “Não sabemos o que nos está a acontecer, e é precisamente isto que nos está a acontecer”. 

 Neste caminho comum usemos bem os remédios próprios dos peregrinos de esperança: a esmola, o jejum, a oração, a escuta da Palavra, o silêncio, a adoração eucarística, a lectio divina, a contemplação, a via-sacra, o rosário, o Pai-nosso, a humanidade, a fraternidade, o cuidado da casa comum, a hospitalidade e a partilha diária do pão.

Aqui na Sé iniciamos hoje o percurso do Lausperene quaresmal-pascal. A celebração e a adoração eucarística, lugar privilegiado do encontro com Jesus, encoraje a Arquidiocese para bem acolher de 31 de maio a 02 de junho próximos o quinto Congresso Eucarístico Nacional. Canta assim a penúltima estrofe do hino deste acontecimento eclesial, identificando o discípulo missionário:

Tomando, abençoando, todo Ele se reparte

e assim nos dá a vida e faz seara e cria lâmpada

e quer-nos vinculados à partilha e à esperança.

Diante do crescente secularismo e da falta do sentido do domingo, constata-se uma desafeição do povo de Deus à Eucaristia. A comunidade é em si mesma mistagoga, porque a forma de rezar da comunidade ajuda a fazer a experiência do Mistério, como, por exemplo, acontece na participação litúrgica de uma boa comunidade celebrativa. Esta mesma comunidade é lugar de hospitalidade, aberta a todos, que inclui os mais pobres, os migrantes, as pessoas com deficiência, a todos como casa da caridade e da missão.

Juntos e todos sentados à mesa com Jesus Cristo, a Eucaristia, saboreemos o Pão do Perdão, o Pão da Palavra e o Pão do Seu corpo, para seguirmos testemunhando, com a máxima alegria interior, a Páscoa. Somos um povo pascal.

+ José Cordeiro