Arquidiocese de Braga -

18 setembro 2016

A alegria do amor - 20

Fotografia Kzenon

Carlos Nuno Salgado Vaz

Enfrentar de forma construtiva todas as situações de fragilidade matrimonial.

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No último capítulo da «Alegria do Amor», o oitavo, temos como título: «Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade». São três atitudes cristãs profundamente evangélicas que constituem a verdadeira ossatura de todo este tão esperado como, para alguns, dececionante capítulo. Uns porque queriam uma norma canónica universal clara e rotunda; outros, porque, sem verdadeiro discernimento e acompanhamento, queriam uma espécie de «serviço à mercê dos gostos e palpites de cada qual».

Olhar as fragilidades

Desde logo, o Papa Francisco convida-nos a elevar o nosso olhar perante as fragilidades dos que quebraram o ideal do matrimónio cristão e vivem numa nova união: «Iluminada pelo olhar de Cristo, a Igreja ‘dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto, reconhecendo que a graça de Deus também atua nas suas vidas, dando-lhes coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham’» (número 291).

Amor exclusivo e livre fidelidade

Não restem dúvidas sobre o que a Igreja afirma como verdade essencial: «O matrimónio cristão, reflexo da união entre Cristo e a sua Igreja, realiza-se plenamente na união entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e livre fidelidade, se pertencem até à morte e abrem à transmissão da vida, consagrados pelo sacramento que lhes confere a graça para se constituírem como igreja doméstica e serem fermento de vida nova para a sociedade» (292).

Este é o matrimónio ideal proposto e encorajado pela Igreja. Mas a realidade mostra-nos quão frágeis são os laços que unem marido e mulher, sobretudo nos nossos dias.

Nem falemos do facto que, hoje, muitos jovens «não têm confiança no matrimónio e convivem adiando indefinidamente o compromisso conjugal».

Outros, depressa quebram o compromisso assumido e instauram quase imediatamente um novo compromisso.

Atenção misericordiosa e encorajadora

E a Exortação diz-nos que «aqueles que fazem parte da Igreja precisam de uma atenção pastoral misericordiosa e encorajadora».

Isto porque: «aos pastores compete não só a promoção do matrimónio cristão, mas também o discernimento pastoral das situações de muitas pessoas que deixaram de viver esta realidade, para entrarem em diálogo pastoral com elas a fim de evidenciar os elementos da sua vida que possam levar a uma maior abertura ao Evangelho do matrimónio na sua plenitude. Neste discernimento pastoral, convém identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual» (293).

As palavras do Papa constituem um enorme desafio para os sacerdotes e agentes pastorais. Não basta atermo-nos às normas do Código de Direito Canónico.

É muito mais decisivo acompanhar, ajudar a discernir e tudo fazer para que as pessoas feridas pela separação e em nova união não abençoada sacramentalmente possam sentir e experimentar que Deus não as abandona.

Incita-nos a enfrentar «todas estas situações de forma construtiva, procurando transformá-las em oportunidades de caminho para a plenitude do matrimónio e da família à luz do Evangelho. Trata-se de acolhê-las e acompanhá-las com paciência e delicadeza» (294).

Integração

Há diferentes situações de imperfeição ou fragilidade na união matrimonial.

A Igreja é convidada a seguir a lógica da integração e não a da marginalização, infelizmente ainda tão seguida por tantos agentes pastorais.

«O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero (…) Porque a caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita. Por isso temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações, e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (296).

Claro que quem faz ostentação do próprio pecado objetivo «como se fizesse parte do ideal cristão, ou quer impor algo diferente do que a Igreja ensina, não pode pretender dar catequese ou pregar, e neste sentido há algo que o separa da comunidade».

A Exortação desafia-nos a ir mais longe, mesmo nestes casos, vendo se não pode participar, por exemplo, em tarefas sociais, em reuniões de oração ou outras formas que possa sugerir a sua própria iniciativa discernida juntamente com o pastor (cf. número 297).

Presta muito mau serviço quem resume o oitavo capítulo a saber se os divorciados recasados podem comungar ou não. Há tanta coisa a fazer antes de chegar a uma conclusão, que importa mesmo tomar a sério as indicações do Papa Francisco neste último capítulo.