Arquidiocese de Braga -

26 julho 2024

Mons. Lucio Ruiz: Sínodo digital, “um novo capítulo para a missão na Igreja”

Fotografia Renan Dantas - Pascom Brasil

Vatican News - Padre Modino

O secretário do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, monsenhor Lucio Ruiz, reflete em uma entrevista sobre como o Sínodo Digital marca um novo capítulo na missão da Igreja, incorporando-a à cultura dos tempos atuais

Um lugar para ser missionário, é assim que o secretário do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, monsenhor Lucio Ruiz, vê o ambiente digital. Isso é algo que ele promoveu com o Sínodo digital, despertando interesse em todas as partes do mundo e em todos os níveis da Igreja, gerando “a esperança de que um novo capítulo possa ser aberto para o que significa e sempre significou a missão na Igreja”.

Por essa razão, ele insiste que “a primeira coisa importante é entender que o digital não é um instrumento, mas uma cultura”, para tomar medidas para incorporar o digital no grande fluxo missionário da Igreja, em um ambiente, as redes, no qual as pessoas estão procurando respostas, o significado que a Igreja é chamada a oferecer. Não se deve esquecer que 30% dos participantes do Sínodo digital eram não crentes ou pessoas que haviam se afastado, e que isso trouxe novos batismos e pessoas que retornaram à Igreja.

Isso requer uma linguagem que seja compreendida, porque “o chamado à nossa porta que a missão digital faz é prestar atenção em como, ao mudar a linguagem, podemos também alcançar as pessoas novamente, podemos alcançar pessoas que não estavam escutando antes”. O desafio será “saber como viver nesses ambientes” e “ser capaz de unir instituição e carisma”.

Conhecer a cultura digital é um dos desafios apresentados no Instrumentum laboris para a Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade. Existe um desejo entre a hierarquia de conhecer a cultura digital? Como o grupo de estudos sobre Missão no ambiente digital, do qual o senhor faz parte, pode ajudar a aumentar esse interesse?

O interesse pela cultura digital e as possibilidades que ela apresenta para a evangelização, para a missão, especialmente para aqueles que estão mais distantes, para aqueles que estão buscando, para aqueles que estão sofrendo, para aqueles que têm perguntas. Com todas as pessoas que encontrei durante esse período do Sínodo digital, esse interesse existe, é forte, e está expresso no capítulo 17 do Relatório Síntese da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal, porque é a primeira vez que a ideia de missão em ambientes digitais aparece em um documento da Igreja.

Nunca antes se falou em missão no ambiente digital, considerando-o como um lugar aonde temos que ir em missão. E é por isso que o Sínodo abriu uma porta na Igreja, pois estamos verificando que em todo o mundo esse interesse está surgindo, bispos, conferências episcopais, dioceses, estão ligando, querendo saber sobre missionários digitais, e isso nos dá esperança de que um novo capítulo pode ser aberto para o que a missão na Igreja significa e sempre significou.

O trabalho do grupo 3, que é o grupo que o Papa criou com o Dicastério para a Comunicação, o Dicastério para a Educação, o Dicastério para a Cultura e o próprio Sínodo, é a manifestação do que o próprio Sínodo quer fazer, porque o Sínodo, no capítulo 17, diz que isso deve ser feito. O Grupo 3, o que ele tem que responder é como fazer isso, e é por isso que as perguntas que são colocadas ali são orientadas para pensar, refletir, perguntar à Igreja como realizar a missão digital.

O Relatório Síntese da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal define a cultura digital como uma dimensão crucial do testemunho da Igreja. Que medidas devem ser tomadas para tornar isso concreto?

A primeira coisa importante é entender que o digital não é uma ferramenta, mas uma cultura. Não é um dispositivo que temos de aprender a manusear melhor, que nos permite produzir vídeos, postagens ou coisas que são úteis para o trabalho pastoral, mas é um ambiente para habitar e, portanto, é uma missão que temos de realizar. Quando começamos a pensar nessa realidade como um lugar, percebemos o valor do testemunho. Missão, estar presente e dar testemunho da vida de um cristão nesse lugar.

Se, em vez disso, continuarmos a pensar nele como um instrumento, só nos referiremos a especialistas, a cursos para manejá-lo melhor e usá-lo para determinadas coisas. Se, por outro lado, fizermos a transição de instrumento para cultura, perceberemos que temos uma expressão para viver nossa fé, dar testemunho dela e levá-la a outras pessoas.

O conceito de missionários digitais está se tornando cada vez mais difundido, e como eles podem contribuir para a comunicação do Evangelho no campo da missão? Podemos dizer que já existem frutos concretos dessa missão digital?

O fato de o Sínodo chamar de missão e de missionários todas as atividades que ocorrem nas redes, nos espaços digitais, significa que ele as está incorporando ao grande fluxo missionário da Igreja. Não é algo que possa ser feito ou que tenha que ser feito, mas a missão é a vida da Igreja. E isso pode colaborar muito na missão, mesmo ad gentes, porque sendo a cultura digital que permeia todos os ambientes de nossa cultura, com inteligência, com criatividade, com ousadia e com sua própria linguagem, usando seu próprio tempo, usando sua própria narrativa, ela nos permite alcançar pessoas que de outra forma não seriam alcançadas de nenhuma outra maneira.

Quando você vê pessoas navegando na Web em busca de respostas, em busca de significado, poder estar presente, dar respostas, oferecer a possibilidade de escutar, apresentar uma mensagem de esperança em um mundo que está procurando um sentido para a vida, isso é um fruto concreto do que pode ser a missão digital. E foi isso que experimentamos durante esse tempo, nesse projeto “A Igreja escuta você”, que está em andamento há dois anos e meio, vimos exatamente isso.

Quando fizemos a experiência do Sínodo digital, 30% das 150.000 pessoas que participaram da primeira fase, que foi de apenas dois meses de trabalho, eram descrentes, ou pessoas que estavam distantes, com raiva da Igreja. E elas quiseram participar porque, depois de tantos anos se sentindo rejeitadas, sentiram-se escutadas. E vimos nas respostas como elas queriam continuar, como queriam se aprofundar. Houve até pessoas que, sentindo-se tocadas pela proximidade da Igreja por meio das redes, pediram para ser batizadas. Houve batismos desde o Sínodo digital, pessoas que retornaram à Igreja, pessoas que passaram a conhecer a fé.

Portanto, é uma possibilidade. Temos de dizer claramente que não é uma missão para ficar lá, mas é uma missão para ir até onde as pessoas estão, para um primeiro anúncio, e depois levá-las a uma presença plena, a uma presença plena com Jesus, para que o conheçam, para que o sigam, para que o vivam, e uma presença plena também com a comunidade, porque todos nós precisamos ser capazes de nos encontrar, de nos ver, de nos abraçar, de sentir o calor. É uma missão, mas não para ficar, é uma missão para estar presente, para levar todos à presença plena.

O senhor fala sobre a linguagem, que é a base da comunicação e também da evangelização. Muitas vezes queremos evangelizar, mas não entendemos o que estamos dizendo. Nesse campo da missão digital, quais são os passos que a Igreja, especialmente a hierarquia, deve dar para encontrar uma linguagem que seja compreendida, especialmente por aqueles que mais habitam o mundo digital, que são os jovens?

Sempre gosto de usar o exemplo da história de Pentecostes, que diz que quando o Espírito Santo vem, duas coisas acontecem. Uma delas é que o cenáculo foi aberto e os discípulos saíram para pregar, e o outro elemento importante, ao qual nem sempre damos a devida atenção, é que as pessoas os ouviram e os entenderam em seu próprio idioma. A presença do Espírito Santo torna possível pregar, mas também ser compreendido, e isso é algo que deve nos fazer pensar muito como Igreja hoje.

Nós pregamos, mas será que as pessoas nos entendem? A questão da linguagem é fundamental, uma Igreja sinodal que escuta, tem que abrir os olhos para a linguagem do povo, para a narrativa, para os exemplos, para os tempos. Uma pastoral digital não olha apenas para as coisas que temos que colocar nas redes, mas tem que nos ensinar uma nova maneira de fazer a homilia, uma nova maneira de dar catequese aos nossos filhos, uma nova maneira de fazer pastoral na vida concreta, de falar com eles em uma linguagem que as pessoas possam nos entender, em momentos em que as pessoas possam nos escutar.

Se falamos e ninguém nos entende, por que pregamos? O chamado à nossa porta que a missão digital faz é prestar atenção em como, ao mudar a linguagem, você também pode alcançar as pessoas novamente, pode alcançar pessoas que não nos ouviram antes e pode fazer com que as pessoas continuem a nos seguir. E vimos muito isso na pandemia, como as pessoas aprenderam a buscar pregações que tocam o coração, que tocam a inteligência, que fazem sentido. Isso deve nos fazer refletir um pouco sobre nossa pregação, sobre nossa linguagem, sobre a maneira como comunicamos a fé ao nosso povo.

E olhando para o futuro, quais são as perspectivas, as possibilidades que essa missão digital abre para a Igreja?

O desafio importante é unir todo esse movimento mais carismático, que são os influenciadores, os missionários digitais, uni-los à vida institucional da Igreja, fazer uma ponte entre o missionário digital e os bispos, de modo que, embora mantendo o fluxo e a vitalidade carismáticos, eles também entrem em uma vida institucional que possa ajudar a organizar a vida da Igreja na era digital. Uma realidade paralela entre instituição e carisma, nunca pode dar frutos.

A instituição e o carisma sempre têm que caminhar juntos, o desafio é encontrar as maneiras pelas quais isso pode dar frutos. Neste momento, além da formação, a liberdade para a responsabilidade, porque o trabalho em rede também tem seus perigos, seus riscos, então temos que formar cada pessoa em liberdade para saber viver nesses ambientes. O outro grande desafio é conseguir unir instituição e carisma.