Arquidiocese de Braga -

6 setembro 2024

Opinião

Inspirações missionárias

Padre José Rebelo

Outubro é tradicionalmente considerado o Mês Missionário, um mês em que somos chamados a rezar pela missão universal da Igreja, apoiá-la financeiramente e a fazer o que está ao nosso alcance para que o Evangelho de Jesus, que é uma proposta de vida e liberdade, chegue “aos confins da terra” e fomente a fraternidade e a paz. 

1. A celebração do Dia Mundial das Missões, que começou em 1926, instituído pelo Papa Pio XI, e vai, por isso, na sua 98ª edição, é o ponto alto do mês. A Mensagem do Papa Francisco para esse dia, inspira-se na parábola evangélica do banquete nupcial (cf. Mt 22, 1-14). O banquete para o qual todos, bons e maus, sem excepção, somos convidados é o banquete do Reino de Deus, “onde reinam a alegria, a partilha, a justiça, a fraternidade, na comunhão com Deus e com os outros”. 

“Ide e convidai a todos para o banquete”, desafia-nos o Papa Francisco. Todos somos convidados para esse banquete que sacia a nossa fome de vida e sentido, mas também somos enviados às “encruzilhadas dos caminhos” a convidar os outros para a festa do Senhor, onde podem encontrar respostas para as suas buscas e insatisfações mais profundas. Esse convite de Deus é feito através do nosso testemunho de proximidade, de misericórdia e de esperança.

Todos somos chamados a colaborar na missão da Igreja, que á a continuação da missão de Jesus. Como nos recorda o Papa, ela é “ida incansável rumo a toda a humanidade para a convidar ao encontro e à comunhão com Deus”. O Papa deixa-nos um desafio: “Oxalá todos nós, baptizados, nos disponhamos a sair de novo, cada um segundo a própria condição de vida, para iniciar um novo movimento missionário, como nos alvores do cristianismo.”

No dia 20 de Outubro, através da colecta das Eucaristias, tem lugar a nível mundial, a maior campanha de solidariedade com a Igreja universal. O Papa Francisco faz questão de recordar aos mais distraídos ou desentendidos que “as colectas do Dia Mundial das Missões em todas as Igrejas Particulares são inteiramente destinadas ao Fundo Universal de Solidariedade, que depois a Obra Pontifícia da Propagação da Fé distribui, em nome do Papa, para as necessidades de todas as missões da Igreja.”

Em Portugal, de modo particular, precisamos de acolher estas palavras do Pontífice, porque em muitas paróquias a colecta não é anunciada nem promovida, não dando, por isso, aos fiéis a oportunidade de exercerem a sua solidariedade missionária. Por outro lado, algumas dioceses, para terem os seus projectos missionários – ou outros – acabam por colaborar menos neste esforço conjunto em prol das Igrejas mais jovens. O resultado é, infelizmente, uma magra partilha com as Igrejas mais necessitadas. 

As Obras Missionárias, nascidas da iniciativa e do zelo de cristãos comprometidos, foram elevadas à categoria de Pontifícias para lhes dar visibilidade e garantir uma maior equidade e controlo na distribuição dessa partilha da generosidade dos católicos de todo o mundo, pelas 934 dioceses que ainda dependem da ajuda do Dicastério para a Evangelização, de modo a poderem continuar o seu esforço de evangelização. 

2. Recordamos duas figuras missionárias de primeira água, durante este mês de Outubro: Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, logo no dia 1, e S. Daniel Comboni, o grande missionário e primeiro bispo da África Central, no dia 10. Ambos são o rosto e o símbolo da Igreja, contemplativa e activa.

Santa Teresinha (Alençon, 2 de Janeiro de 1873 – Lisieux, 30 de Setembro de 1897), mesmo sem nunca ter saído do Carmelo de Lisieux, foi declarada co-padroeira das missões com São Francisco Xavier, pelo Papa Pio XI, em 1927. Durante os escassos vinte e quatro anos da sua vida, Santa Teresinha foi uma “alma missionária”. Escreveu que entrara no Carmelo “para salvar as almas”, o que significa que “não concebia a sua consagração a Deus sem a busca do bem dos irmãos”, como explica o Papa Francisco na exortação apostólica, C’est la confiance, sobre a confiança no amor misericordioso de Deus, que escreveu no ano passado, por ocasião do 150º aniversário do nascimento da santa. O Papa acrescenta que ela é padroeira das missões e mestra de evangelização, porque “partilhava o amor misericordioso do Pai pelo filho pecador e o do Bom Pastor pelas ovelhas perdidas, distantes, feridas” (C’est la confiance, 9). 

“A oração é a primeira acção missionária e pode chegar a todos os lugares do mundo”, escreveu uma vez mais o Papa Francisco ao assinalar, no dia 1 de Outubro do ano passado, o 180º aniversário da fundação da Obra da Infância Missionária. Também nós, como Santa Teresinha, podemos ser missionários pela oração. O Pontífice alerta-nos: “Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a Sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial” (Evangelii Gaudium, 264).

O segundo grande ícone missionário é São Daniel Comboni (Limone sul Garda, 15 de Março de 1831 – Cartum, Sudão, 10 de Outubro de 1881), o pai e fundador dos Missionários Combonianos e das Irmãs Combonianas, que foi um dos expoentes máximos do movimento missionário do séc. XIX. Canonizado em 2003, foi um missionário excepcional, dono de uma personalidade exuberante e multifacetada e senhor de uma santidade imensa. A sua vida foi um hino à coragem, à dedicação, ao espírito de aventura e à doação evangélica. 

Antes do advento da penicilina, enfrentou a adversidade climática da África Central, na altura protegida por hordas de mosquitos pestilentos, causadores de doenças mortíferas, para levar a mensagem libertadora do Evangelho. Foi um missionário dotado de uma rara capacidade intelectual, de uma mente sagaz, de uma ampla visão e de grandes qualidades de liderança e de administração. O seu conhecimento de línguas, leque de interesses e, especialmente, a sua paixão por África, permitiram-lhe bater a quase todas as portas e a relacionar-se com as mais destacadas personalidades, civis e religiosas, do seu tempo apenas com o propósito da evangelização do continente africano.

No meio de viagens e canseiras extenuantes, Comboni nunca deixou de rezar. Ele foi um místico em acção, porque só um contemplativo podia ter uma relação tão amorosa com a Cruz e podia escrever coisas como esta: “O caminho que Deus me traçou é a Cruz. Mas se Cristo morreu na cruz pela injustiça humana e tinha a mente recta, é sinal de que a Cruz é uma coisa boa e uma coisa justa. Carreguemos, pois, com ela e avante” (Escritos, 6519); “A cruz é o conforto e o remédio mais poderoso para suavizar os males da vida” (Escritos, 4069). “... desde há algum tempo a cruz me é tão amiga e constantemente tão próxima que a escolhi por amadíssima esposa, até ao ponto de ter decidido viver sempre com ela até à morte e, se fosse possível, na eternidade.”

Padre José Rebelo

Missionário Comboniano

Director Nacional das OMP