Arquidiocese de Braga -

23 dezembro 2024

Opinião

A consoada braguesa

A palavra “consoada” provém do vocábulo latino “consolata”, derivado do verbo “consolare”, que significa “consolar”. Segundo a tradição cristã, os fiéis deveriam observar um período de jejum e abstinência durante o Advento, que corresponde sensivelmente às quatro semanas que antecedem o Natal. Seria apenas após a Missa do Galo, celebrada após a meia-noite de 25 de dezembro, que se realizava a ceia natalícia, momento de singular consolação, por isso mesmo, designado de consoada. 

A consoada dos bracarenses não será muito diferente da generalidade dos portugueses, particularmente nestes tempos de grande mobilidade e globalização, no entanto, continua a apresentar algumas características, consuetudinariamente transmitidas, que vão permanecendo.

Onde o Natal bracarense mais se assemelha à atualidade é precisamente na mesa da consoada. As famílias esforçavam-se para que nunca faltasse o bacalhau, fazendo, por vezes, grandes sacrifícios para o comprar. O carácter penitencial que costumava ser observado no Advento justifica o facto do prato principal do jantar natalício ser, por tradição, peixe. Apenas depois da Missa do Galo os fiéis poderiam consumir doces e carne. Por isso mesmo, o bacalhau continua a ser um imperativo na mesa da consoada. 

Há mais de quinhentos anos que o bacalhau faz parte da identidade portuguesa. Considerado o pão dos mares, era um peixe de grandes dimensões, cujos tecidos permitiam uma favorável conservação através do sal, tornando-o num produto duradouro e acessível. Começado a pescar pelos portugueses na Terra Nova, contando-se inúmeros minhotos entre os primeiros navegantes – como o vianense João Álvares Fagundes, um dos descobridores da Terra Nova – o bacalhau tornou-se cedo numa presença assídua nos mercados minhotos. Em 1506, por exemplo, já o rei D. Manuel cobrava o dízimo pelo bacalhau descarregado nos portos do Minho (Saramago, 2000). Por isso mesmo, continua a ser o principal ingrediente da consoada minhota.

Após ser demolhado, pelo menos durante quatro dias, as postas mais altas do lombo do bacalhau são cozidas sozinho, ou na companhia do polvo, o bacalhau apresenta um conjunto de acompanhamentos marcados pelos produtos da terra, nomeadamente as batatas, a cebola, a cenoura, as tronchudas, a hortaliça e a couve-galega. Muitas vezes cultivados nos seus quintais, para muitos bracarenses estes legumes costumavam obrigar a uma deslocação ao Mercado Municipal ou uma ida até à Apúlia, onde os vegetais aparentam maior autenticidade e um mais apurado sabor. Para regar este robusto cozido é habitualmente confecionado um molho de azeite fervido com cebola e cominhos. No dia seguinte, as sobras do prato principal da consoada servirão para ser confecionada a roupa-velha, outra das iguarias natalícias. 

No Entre-Douro-e-Minho, e também em Trás-os-Montes, também ainda é comum fazer-se acompanhar a mesa da consoada com polvo e arroz de polvo, um molusco que nunca faltou no Noroeste peninsular e que continua a marcar a gastronomia natalícia. 

Se o bacalhau não se afirma como um exclusivo minhoto, uma vez que preenche a maioria das consoadas portuguesas, onde o Natal braguês almeja especial distinção é na doçaria. É verdade que a aletria doce natalícia é um prato mais frequente no Entre-Douro-e-Minho do que em outros lugares, no entanto, a mais típica expressão da doçaria natalícia bracarense, e também minhota, são os mexidos, também conhecidos como formigos.

Presumivelmente de origem romana, os mexidos eram a sobremesa natalícia das famílias mais humildes. Tendo por base as sobras de pão, é confecionado a partir de uma fervura de mel, pau de canela, casca de limão, à qual se juntavam frutos secos, como pinhão, avelã, noz, amêndoas e uvas passas. As famílias mais abastadas juntavam-lhe gemas de ovos e vinho do Porto, confecionando os chamados mexidos-ricos.

A doçaria é complementada pela imponderável presença das rabanadas, inquestionavelmente a sobremesa natalícia mais emblemática do nosso país. Concebidas a partir de pão endurecido, embebido depois em leite fervido com mel, casca de limão e pão de canela, podendo também ser acompanhado de vinho do porto, vão depois a fritar em ovo, sendo polvilhadas com açúcar e canela. Esta receita apresenta, tal como as demais, inúmeras variações.

Na mesa de Natal braguesa não costuma faltar também o leite-creme, o Pão-de-Ló de Margaride e o Bolo Rei, embora neste último caso vão variando as versões, tendo-se popularizado o Bolo Rei escangalhado e, ainda, a versão de chila ou de chocolate. Em muitas casas também o pudim do Abade de Priscos vai progressivamente marcando presença. 

Com mais ou menos peculiaridades, a consoada braguesa mantém-se como uma expressão inevitável da nossa identidade coletiva, afirmando-se como a mais importante prática familiar do património cultural imaterial de Braga.