Arquidiocese de Braga -

7 abril 2025

Escadório-fonte de Esperança

Fotografia DR

Homilia de D. José Cordeiro - Peregrinação Penitencial ao Bom Jesus

1. Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra (Jo 8, 7)

O V Domingo da Quaresma aproxima-nos da celebração da Páscoa do Senhor, o nosso refúgio. Pelo Batismo, Cristo converteu-nos radicalmente, inserindo-nos no seu mistério pascal. A Igreja professa a sua fé num só Batismo para o perdão dos pecados «Professo um só Batismo para a remissão dos pecados» (Credo de Niceia-Constantinopla). Sob a realidade batismal do perdão dos pecados fundamenta-se a Penitência ou Reconciliação como o sinal sacramental do perdão dos pecados.

O episódio da mulher adúltera encontra-se no evangelho de João e não em Lucas que seguimos este ano C. Mas porque o seu conteúdo é tão próximo ao espírito lucano, a liturgia inseriu-o neste domingo.

Jesus não condena e, na generosidade do seu perdão, abre um futuro novo à mulher surpreendida em adultério, à qual a lei do tempo condenava a uma morte atroz. Aqueles que pedem a sua condenação são homens que sabem só olhar para o passado. Jesus, o Filho de Deus providente vê o presente. Ao pronunciar as palavras, «quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra», realiza a mudança nos corações. A pública confissão reconciliou a todos com a verdade.

A Coleta é uma oração densa da dimensão cristológica, que invoca a Deus «a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte pela salvação dos homens». Cristo morreu para nos salvar e ensina-nos que antes de julgar, devemos acolher e depois formar discípulos missionários para “não se voltar a pecar” (cf. Jo 8, 11), dando memória viva ao futuro.

 

2. Uma coisa nova

A primeira leitura refere-se à segunda parte do livro profético de Isaías, obra de um profeta anónimo, que a tradição colocou dentro do mesmo livro e por tal se chama, o segundo Isaías. Este profeta cumpriu a sua missão na Babilónia e sente-se portador de uma mensagem divina de consolação, para todos os que olhavam o passado com nostalgia. É um convite a olhar para o futuro «Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer, não a vedes?». Deus orienta a história com novidade, fantasia e com admirável providência.

O salmo 125 é um ‘cântico das subidas’, repleto de alegria pelo regresso do exílio na Babilónia. A voz daqueles que sobem para Jerusalém pede ao Senhor que traga a todos de volta e renove a esperança no trabalho da reconstrução do país, para que depois das lágrimas da sementeira venha a alegria da colheita.

São Paulo, transformado pelo encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo, considera todas as coisas da sua vida passada como secundárias e até usa o termo «como lixo». Tendo intuído a verdadeira relação com o Deus de Amor, ele não vive concentrado em si mesmo, nos seus sucessos e fracassos, mas só em Cristo. O seu grande desafio é o futuro em Cristo «Só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta...Cristo Jesus». Ele é a nossa esperança, que não engana (cf. Rm 5, 5); a coisa nova que transforma.

 

3. Escadório para o coração pascal

No magnífico escadório do Bom Jesus do Monte onde se sobe até à cruz, simbolizando o caminho espiritual, somos acompanhados pelo elemento vital da água com todos os sentidos e virtudes até à Basílica, qual coração pascal. Aqui no escadório das virtudes a fonte da esperança indica a firmeza e a leveza da paz. A estátua que representa a virtude teologal da esperança é uma mulher com a mão esquerda apoiada numa âncora e a mão direita elevada para o céu com uma pomba.

A fonte e a arca de Noé determinam a força simbólica com duas inscrições: uma sobre a esperança da glória, na base da fonte «aguardando a nossa bendita esperança, isto é, a manifestação da glória de Jesus Cristo, nosso grande Deus e Salvador» (Tt 2, 13) e, outra frase sobre a água, símbolo do Batismo, no nicho da fonte «a arca, na qual poucas, isto é, oito almas [pessoas] foram salvas» (2Pd 3, 20). Da cruz à luz é um caminho de Páscoa.

O santuário do Bom Jesus do Monte ou “Senhor do Monte” é um lugar de esperança integral e uma comunidade aberta, como escreveu Camilo Castelo Branco: «seria engodo ao riso andar-me eu aqui abraçando árvores, se alguém me visse. Que o não saibam os tolos, nem os felizes! (...) São as árvores uns grandes livros abertos, onde todos deletamos coisas que não constam da Via-sacra (...) Você sabe que amor eu tenho às árvores».

A realidade hodierna demanda mais que uma mera reação, precisamos de uma resposta das fontes do Evangelho e uma abertura ao admirável dom do Evangelho. O santuário do Bom Jesus do Monte não se reduz a um lugar fantástico – património da humanidade, de turismo internacional, de multicultura e de ecologia global. Este lugar alto beneficia de muitas virtualidades para o sentido autêntico da peregrinação da esperança e da espiritualidade integral para uma cultura de acolhimento, escuta e acompanhamento.

O Bom Jesus do Monte é lugar santo de peregrinação neste Jubileu dos 2025, anos do mistério total de Jesus Cristo. Aqui, numa pastoral integral da fé, esperança e caridade, sentimos que ser peregrinos de esperança nos compromete com a ecologia integral da casa comum da criação. Aqui a pastoral do turismo é tocada pela cultura da esperança, qual presente do futuro. Aqui, os trilhos da conversão ao Evangelho e a oração e vida espiritual ganham dimensão no caminho de Páscoa que juntos gostaríamos de continuar a percorrer juntos.

Recordemos que a fonte se carateriza por jorrar a água e não para a reter e o escadório do pórtico, o escadório dos cinco sentidos e o escadório das três virtudes não são um fim de linha, mas um subir para descer e prosseguir a viagem no caminho de Páscoa.

 

+ José Manuel Cordeiro