Arquidiocese de Braga -
7 abril 2025
Opinião
Quaresma em tempo de fome e destruição de casas e igrejas

Pe. Manuel Faria
Na missão de Santa Cecília de Ocua, Diocese de Pemba, vivemos o Ano Jubilar com muitos sofrimentos, mas com a firme certeza que somos chamados a ser (e a fazer-nos) “Peregrinos da Esperança”! Esta terra africana continua a ser um enorme campo missionário. Em 2024, Moçambique, ocupava o terceiro lugar dos países mais pobres do mundo! A província de Cabo Delgado, onde se situa a paróquia de Ocua, apresenta a maior taxa de pobreza multidimensional do norte do país.
Hoje enfrentamos situações muito exigentes e desafiantes. Todos os dias nos chegam “preocupações”. Partilho apenas uma, que recebi já em tempo quaresmal e que diz respeito à região pastoral de Namogelia que inclui 37 comunidades, desta “nossa” Paróquia de Ocua: “Boa tarde equipa missionaria! Informações! Informo que o ciclone tropical Jude, estragou todos os bens do povo da região de Namogelia e muito mais nas machambas (campos agrícolas), como: maçaroca, gergelim, mandioca e muito mais e o novo pavilhão está muito mal, sem telhado, e uma parede abriu ao meio e pode cair!” Impotentes e angustiados perguntamos: como podemos ajudar?
Nesta Quaresma, enriquecida pela graça do Ano Jubilar, o papa Francisco, oferece-nos algumas reflexões sobre o que significa ‘caminhar juntos na esperança’ e evidenciar os apelos à conversão que a misericórdia de Deus dirige a todos nós, enquanto indivíduos e comunidades”. (mensagem do Papa Francisco para a quaresma de 2025)
Antes de tudo, caminhar. O Papa pergunta: “Estou realmente a caminho ou estou paralisado, estático, com medo e sem esperança, acomodado na minha zona de conforto?”
No caso concreto de Ocua quem ousará arriscar um pouco do seu ministério sacerdotal? Ou que leigos querem ousar uma vida missionária mais radical, deixando um pouco de si, para se encher mais um pouco de Deus e do seu amor em favor deste povo que sofre e pede auxílio?
Como podemos colaborar? Que projetos podem nascer para ajudar a matar a fome e a reconstruir as casas e igrejas que os ciclones destruíram?
Este tempo de Via-Sacra de um povo sofrido, que sendo pobre materialmente é rico na fé e esperança, em cada estação do caminho do Calvário sentimos que partilhamos a mesma Cruz do sofrimento de Cristo, com a esperança que apareçam mais Cireneus ou Verónicas que ajudem a levar a Cruz, e chegar à esperança pascal!
Este povo acredita que a oração é poderosa para alcançar um mundo melhor. Rezam pelos missionários, mas também pedem muito que rezemos por eles. Rezar é colocar-se em jornada pela fraternidade e a justiça, é assumir a nossa missão de rogar ao Pai para que todos tenham vida, e vida abundante. Aqui, em Ocua, estamos a rezar cada semana nos escombros das Igreja destruídas ou debaixo de uma mangueira ou cajueiro, pedindo proteção à mãe de Deus para que possa renovar a nossa esperança. Ela é a Mãe dos pobres e dos aflitos!
Hoje dois jovens da 10ª classe, o Gildo Virgílio e o Manjad Fideli, vieram pedir para rezar por eles: “Padre estamos mal, do nosso sofrimento nem vale a pena, pedimos para rezar por nós! Deus tenha misericórdia e nos livre da fome, dos ciclones, das tempestades e da guerra em Cabo Delgado!”
Em segundo lugar, afirma o Papa, façamos esta viagem juntos. Caminhar juntos, ser sinodal, é esta a vocação da Igreja . (...) O Espírito Santo impele-nos a sair de nós mesmos, para ir ao encontro de Deus e dos nossos irmãos, e nunca a fechar-nos em nós mesmos!
Na verdade, perante o cenário desolador, após a passagem do Ciclone Chido pela região norte de Moçambique, D. António Juliasse, Bispo de Pemba, intercedeu por ajuda pedindo “socorro para este povo que agora ficou sem casa, sem alimentação, sem água”… Os danos materiais são profundos. A Diocese de Pemba tem muitas casas e Igrejas arrasadas e milhares de pessoas que ficaram numa situação de enorme vulnerabilidade, sem abrigo e sem meios para a sobrevivência imediata.
O prelado, numa entrevista à AIS, demonstrou a sua preocupação com o desespero de todas as pessoas que se viram, de um momento para o outro, sem casa e sem recursos de subsistência em Cabo Delgado. A nossa paróquia, também foi muito afetada, não só pela destruição decorrente do ciclone Chido em Dezembro de 2024, mas também pela tempestade tropical severa “Jude”, no mês corrente, que afectou as nossas 99 comunidades.
A destruição é avassaladora. A igreja da sede da missão, também ficou em péssimas condições. As capelas – os corações das nossas comunidades, onde os fiéis procuravam consolo e força na oração – estão reduzidas a escombros. Lugares sagrados, onde a fé resistiu ao tempo, agora jazem no chão, engolidos pela devastação. Outras, tão instáveis, ameaçam desmoronar a qualquer instante, como um grito sufocado de uma Igreja que luta para se manter de pé.
Sob o peso implacável das chuvas tropicais, os nossos irmãos e irmãs em Cristo estão desprotegidos, privados de um abrigo para reunir-se, rezar e renovar as suas esperanças. Tudo o que construíram, tudo o que amaram – ruiu. Na aldeia de Santa Cecília de N’mage, o sonho da comunidade desmoronou, literalmente, diante dos seus olhos. Após anos de esforço e sacrifício, a comunidade decidiu construir uma capela melhorada – um espaço maior, digno e seguro onde pudessem abrigar a sua fé e a sua esperança. Blocos de cimento, ferro e chapa foram erguidos com mãos calejadas e corações cheios de devoção. Quando esta casa para Deus começava a ganhar forma, o ciclone Chido chegou. Uma força implacável e cruel destruiu tudo em minutos. Tudo. O que antes se erguia como um símbolo de perseverança e unidade agora não passa de escombros espalhados pelo chão. Para essa comunidade, não foi apenas uma perda material – foi uma ferida no coração. A fé deles, e de todos os outros cristãos que choram por tantos sofrimentos, no entanto, resiste, tremendo, mas viva, à espera de mãos solidárias que os ajude a reerguer o que foi destruído.
As súplicas e clamores deste povo precisam ser escutadas! Precisamos de ajuda. A partilha de recursos materiais e humanos é urgente e irá ajudar-nos a levar esperança aos nossos cristãos.
Deus nos conceda a graça de preparar um Páscoa para todos e não só para alguns!
Padre Manuel Faria
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