Arquidiocese de Braga -
6 dezembro 2018
Seminaristas de Pemba: integração e objectivos
DACS
Guilherme Andeni e Jaimito China são os primeiros seminaristas de Pemba a chegar a Braga, fruto da cooperação missionária entre a Arquidiocese de Braga e a Diocese de Pemba. Ao Igreja viva, os dois jovens falaram sobre a integração e as experiências em Br
[Igreja Viva] Como é que se deram as condições para a vossa vinda para Braga?
[Guilherme Andeni] Começando naquilo que nós vivemos lá em Pemba até chegarmos cá... De um modo especial, o bispo e a equipa de Braga foram quem se responsabilizou. Houve também a integração dos padres que nos ajudaram na nossa viagem.
[Igreja Viva] Foi um convite ou candidataram-se de alguma forma a vir para cá?
[Jaimito China] Não foi opção nossa, foi opção do bispo da diocese. Como sabemos, a cooperação missionária que a Arquidiocese de Braga tem com a Diocese de Pemba prevê o envio de padres. Como neste momento a nossa diocese não tem muitos padres para enviar para cá, decidiu enviar seminaristas. Inicialmente era para enviar seminaristas do Seminário Maior, que já tinham terminado o Propedêutico, para concluir a teologia cá. Porém, decidiram escolher seminaristas do Seminário Menor. E foi assim que o bispo, com a equipa formadora, escolheu as pessoas. Neste caso fomos nós a primeira equipa.
[Igreja Viva] Como é que receberam a notícia de que tinham sido escolhidos para vir para Braga?
[Jaimito China] Lembro-me muito bem, foi no dia 11 de Novembro que o meu formador perguntou, quase a brincar, como me sentiria se um dia me dissessem que vou estudar em Portugal. Lá em Moçambique temos uma semana de missão, em que todos os seminaristas se encontram, em Dezembro, e são enviados para algumas comunidades. E então foi no terceiro dia do encontro, no dia 6, que o nosso bispo anunciou a nossa escolha e o nosso envio para cá a todos os seminaristas da diocese.
[Igreja Viva] Chegaram a Braga no dia 14 de Setembro. Desde aí, como é que é o vosso dia-a-dia?
[Jaimito China] Primeiro, o nosso dia-a-dia é feito por muitas dificuldades. Inicialmente, quando chegamos, tivemos muitas dificuldades, principalmente na adaptação, que não foi fácil. Graças a Deus que chegamos num tempo em que estava calor, não estava frio, porque se estivesse, acredito que a dificuldade seria maior. A mudança da cultura, a forma de interagir com as pessoas... Os portugueses falam de forma diferente da nossa e então, para perceber o que uma pessoa diz, era preciso um grande esforço, tanto com os colegas como nas aulas da faculdade. Mas acredito que os nossos dias têm sido marcados por bons momentos. Dificuldades nunca faltam, mas o bom é saber que temos apoio e que nos querem bem.
[Igreja Viva] Como é que passam os vossos dias? O que fazem para além das aulas?
[Jaimito China] Nós estamos divididos entre o seminário e a faculdade. Temos aulas na faculdade à Segunda, Quarta e Sexta e no seminário temos aulas todos os dias. Na faculdade temos quatro cadeiras. No seminário, contando com aquelas cadeiras que não são práticas, temos cerca de onze cadeiras. Nós temos missa, depois tomamos o pequeno-almoço, vamos para a faculdade, voltamos e temos algumas actividades ali no seminário, incluindo os estudos e tempos de convívio.
[Igreja Viva] Já conhecem Braga?
[Jaimito China] Minimamente. Aqui em Braga acho que não fomos a muitos lugares...
[Guilherme Andeni] O lugar que foi mais importante não foi em Braga, foi Vila Viçosa, no Alentejo. Ficamos a conhecer a história de Portugal.
[Jaimito China] Também já fomos a Vila Verde, já fomos conhecer Vila Nova de Cerveira, o Santuário de Santa Luzia...
[Igreja Viva] E aqui em Braga, já foram visitar o Sameiro e o Bom Jesus?
[Jaimito China] Sim!
[Guilherme Andeni] No meu caso também já fui visitar Fafe, São Bento da Porta Aberta, que é um sítio muito bonito...
[Igreja Viva] Como é que foi, então, a vossa integração? Já referiram algumas dificuldades...
[Jaimito China] No início foi difícil, mas agora a integração está a ser muito boa. Porque, na verdade, esta experiência que nós estamos a ter agora... Estamos numa comunidade onde quase todos, posso dizer, somos diferentes. E nós, sendo diferentes, aprendemos a viver com os outros, o outro que é diferente de mim e que eu tenho que compreender e aceitar. Então eu acredito que agora a integração está equilibrada e está boa.
[Igreja Viva] E contigo, Guilherme?
[Guilherme Andeni] É quase o mesmo. No caso da integração cada pessoa pode sentir uma coisa diferente mas, na verdade, foi muito difícil a nossa integração. No caso da fala, vocês falam muito rápido e a nossa percepção fica um pouco diminuída. Não é tão rápida. Quando chegamos, o nosso primeiro problema foi esse, de mantermos a atenção àquilo que as pessoas diziam. Quando falavam, ficávamos sempre um pouco perdidos. Mas ao mesmo tempo tínhamos a atenção de escutar e tentar compreender o que nos diziam. Às vezes perguntávamos três, quatro vezes para perceber o que diziam, incluindo com os professores na faculdade.
[Igreja Viva] Quais são as maiores diferenças que notam a nível cultural no vosso dia-a-dia?
[Guilherme Andeni] Noto muita diferença, no meu caso. Quando estamos a passear, por exemplo. A nossa realidade em Moçambique é muito diferente daqui, as pessoas aqui, sendo ou não mais velhas, têm a capacidade de andar muito, enquanto lá não, não têm capacidade de percorrer caminhos longos. Em termos da vivência com os outros, acho que as pessoas aqui se dedicam muito mais às festas, começam a preparar com grande antecedência. O que eu vejo aqui é uma grande preparação, mais experiente, e eu acho que depois vou poder transmitir isso.
[Igreja Viva] Achas que vivemos com mais intensidade, então?
[Guilherme Andeni] A vossa consideração pelas festas é maior, sim.
[Igreja Viva] Achas o mesmo, Jaimito?
[Jaimito China] Sim. Antes gostava de sublinhar uma coisa. Quando nós saímos de Moçambique e viemos para cá, um dos conselhos que o nosso bispo, D. Luís, nos deu, foi o seguinte: “Ides a Portugal não para viver como moçambicanos, mas sim como moçambicanos portugueses”. Isso quer dizer que, quando viemos para cá, devíamos assumir aquilo que se vive aqui, sem ignorar a nossa cultura. Por exemplo, em Moçambique, seja no seminário ou no dia-a-dia, depois de jantar não há actividades. Quanto termina o jantar, todos vão descansar. Aqui é diferente, há muitas actividades que se fazem depois do jantar. Reuniões, convívio, muita coisa. Essa também foi uma das dificuldades e uma grande diferença desde que chegamos cá.
[Igreja Viva] E ao nível da prática religiosa, que diferenças é que vocês notam?
[Jaimito China] Na verdade, o povo de Portugal ainda mantém aquela cultura que os nossos patriarcas, os cristãos primitivos, viviam acerca da liturgia, ao passo que em Moçambique acho que não, acabou por se perder isso. Por exemplo, a liturgia de Moçambique está integrada com a cultura. As pessoas levam a sua própria cultura para a liturgia. Quando digo isso falo, por exemplo, das danças. Nós dançamos a liturgia. É diferente daqui. Se eu for falar dos usos e costumes da cultura dentro da liturgia, vou falar de danças e outras coisas que aqui não se fazem. Foi uma grande diferença que eu notei. Outra coisa: a animação da missa. Aqui temos missas que nos ajudam a rezar, porque não tem barulho que não seja de um órgão. Em Moçambique, não. Lá toca-se batuque, bateria, piano, guitarras, muita coisa. E muito barulho não ajuda, às vezes, à oração. E depois há diferenças na duração da missa. Em Moçambique, uma missa que aqui duraria 45 minutos, lá são duas horas. Quanto estamos a falar de missas solenes, leva perto de três horas, quatro horas, talvez, principalmente se for uma grande festa.
[Igreja Viva] E essa diferença na duração deve-se ao quê?
[Jaimito China] Deve-se à animação. Por exemplo, aqui, numa missa, encontramos quatro cânticos: entrada, Santo, Comunhão e saída. Ao passo que em Moçambique encontramos entrada, acto penitencial cantado, o Kyrie também é cantado, assim como o Glória, a Comunhão – que são dois ou três cânticos – e a Acção de Graças.
[Igreja Viva] E sobre a prática religiosa fora da eucaristia?
[Jaimito China] Ainda não tenho muito bem a percepção de como as pessoas fazem cá mas, por exemplo, à refeição, nenhum cristão em Moçambique come antes de rezar. Mas aqui é frequente tomares as refeições sem fazeres uma oração. Essa foi uma grande diferença que notei.
[Igreja Viva] Acham que a religião não está tão presente na vida dos portugueses como está na dos moçambicanos?
[Jaimito China] Pode estar presente, mas de outras formas. Por exemplo, em Moçambique é frequente ver um cristão que dificilmente passa em frente a uma igreja sem fazer o sinal da Santa Cruz. E isso é difícil de encontrar aqui em Portugal. Mesmo eu posso não fazer, porque já estou habituado, já estou a ganhar os hábitos e costumes de cá.
[Igreja Viva] Que aprendizagens é que vocês esperam retirar do vosso tempo cá?
[Guilherme Andeni] Eu espero mesmo receber aquilo que é essencial para mim, para a minha vida e para a minha formação, neste caso. Fora da minha formação, passa mais por ganhar conhecimento da realidade em Portugal e dos hábitos das pessoas. E, por exemplo, a parte da informática é muito difícil para mim, mas gostava de sair de Portugal a saber aquilo que é essencial para poder depois partilhar esse conhecimento. Também espero aprender mais na parte da cultura, do canto, da liturgia. Quando eu entro na igreja e vejo as pessoas a cantarem, fico muito emocionado.
[Jaimito China] Antes, sublinhava só que nós vamos ficar cá durante seis anos e, por mais tempo que nós ficássemos aqui, mesmo que fossem 10 anos, voltando a Moçambique não seríamos capazes de mudar a igreja de Moçambique. Pelo contrário, o que nos podemos fazer é ajudar a enriquecer a igreja de Moçambique. Por vezes eu tenho imaginado a igreja de Moçambique a viver a liturgia de Portugal. Muito mais na forma de cantar a liturgia da eucaristia, por exemplo. Não quer dizer que a forma de cantar em Moçambique é pior que a forma portuguesa. As duas formas são boas, mas em Portugal é mais sentimental, ajuda o espírito humano a rezar. E às vezes eu tenho pensado: durante todo este tempo em que eu vou estar cá e depois de terminar o curso e, se essa for a vontade de Deus, chegar a ser padre, o que é que eu vou fazer com essa experiência? O que eu espero é transmitir aquilo que eu estou a aprender, como forma de enriquecer a igreja de Moçambique.
Entrevista publicada no Suplemento Igreja Viva de 06 de dezembro de 2018.
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