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CMAB | Braga| 10 Jan 2019
Memorial dos Esquecidos
Ana Margarida Carvalho, CMAB
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  © Ana Margarida Carvalho | Pemba, Moçambique

Moçambique, janeiro 2017. Avisto da porta de casa um homem de aspeto emagrecido sentado nas raízes de um cajueiro (árvore de caju). Arrastando-se pelo chão e apoiado numa mão aproximou-se lentamente de mim como quem pedia autorização para o fazer. Perguntei-lhe como o poderia ajudar. Envergonhado e por entre as poucas palavras que sabia dizer em português, respondeu-me “ferida”. Pela forma descoordenada e sofrida com que se deslocava percebi o que seriam ‘as feridas’. Chamava-se Manuel. O homem que até um mês antes trabalhava na sua machamba (campo) para seu único sustento e da sua família, tornara-se profundamente incapacitado e mutilado pela Lepra; este homem que não tinha acesso a cuidados de saúde; este mesmo homem que vivia agora isolado em sua casa por carregar o desprezo como tantos outros leprosos.

Quem conheceu o Sr. Manuel jamais esquecerá a sua imagem: deslocava-se arrastando-se pelo chão, incapaz de caminhar sobre a sua grande ferida no pé esquerdo. Apesar da sua resignação ao sofrimento, levantava sempre a cara com um rasgado sorriso branco e simpático dizendo de imediato “Bom dia!”. Condenado à exclusão social pela família e comunidade acostumou-se a estar só no seu canto. Acolhemo-lo diariamente em nossa casa pela manhã. Tratava das suas extensas feridas físicas, embora com muitas condicionantes e um enorme sentimento de impotência. Sentado, ficava a contemplar a vida da comunidade desejando um dia voltar a fazer parte da mesma. Aos poucos, foi sendo acolhido também pelos homens que guardavam a Missão: carregavam-no às costas, como meio de transporte para que pudessem reduzir o seu sofrimento. Iniciava-se com este gesto um marco importante da sua reinserção na comunidade. Posteriormente, o auxílio de canadianas devolveu-lhe a autonomia para se deslocar de forma independente: voltou à Igreja, à vida comunitária e trabalhou na gestão do poço comunitário da Missão. A cura foi, sem dúvida, interior.

Moçambique, setembro 2016. A convite da Estrella, enfermeira missionária em Moçambique, parti para o Distrito de Namuno por duas semanas, no interior da província de Cabo Delgado. Num projeto patrocinado pela Associação Portuguesa dos Amigos de Raoul Follereau (APARF) percorremos mais de 2000km por terras do interior africano ao encontro de tantos “Srs. Manueis”. Confrontei-me, pela primeira vez, com um sentimento de impotência e revolta interior nunca antes sentido enquanto pessoa e enfermeira. Dei por mim em alpendres feitos de chão argiloso e de paredes de pau de bambu, envolvida por uma nuvem de mosquitos e pó, sem água canalizada nem luz, a cuidar das feridas apodrecidas, com recursos menos do que básicos. Senti com as minhas mãos o que os meus olhos puderam ver... e vi imensos “Srs. Manueis” adultos, jovens e crianças! A Estrella percorre (sozinha e de forma voluntária) mais de 82 625 km² da província. Leva consigo toda a sua dedicação e amor na visita aos doentes nas aldeias mais rurais, sinalizando possíveis novos casos, tratando-lhes as feridas exteriores e sobretudo as interiores. Oferece-lhes uma palavra amiga, uma presença de esperança de que a Lepra tem cura e de que não estão sozinhos no sofrimento. Isto porque mais do que a mutilação do corpo é preciso curar o estigma, a rejeição e o sentimento de que apenas lhes resta sofrer.

Estamos em janeiro 2019. No próximo dia 27 será celebrado em todo mundo o 66º Dia Mundial dos Leprosos. A APARF fará o seu peditório nacional para que possa continuar a enviar a(s) Estrella(s) que consigo trabalha(m) ao encontro dos mais pobres e esquecidos. À semelhança da Lepra, existem outras ‘lepras’ que carregam consigo tanto sofrimento e exclusão social, longe e perto de nós. Façamos justiça ao Sr. Manuel. Somos todos chamados a ser ‘Estrella’. Somos todos chamados a SER ESPERANÇA.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 10 de janeiro de 2019.

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