Arquidiocese de Braga -

9 setembro 2021

Estamos em Casa

Fotografia Fátima Castro

Fátima Castro

Fátima Castro, leiga voluntária da equipa missionária Salama! 2021

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15 de Agosto. Dia da Assunção de Nossa Senhora a quem a nossa Arquidiocese é dedicada. Com esta bênção maternal parti, juntamente com o Padre Manuel Faria e onde já nos esperava a Andreia Araújo e o Frei António Champoco, com destino à paróquia extraterritorial da Arquidiocese de Braga: Santa Cecília de Ocua, na Diocese de Pemba, província de Cabo Delgado – Moçambique. Na bagagem - para além da ansiedade de partir e o desejo de chegar - trazia sonhos, esperanças, determinações e um único lema: “Ama e faz o que quiseres.” (Santo Agostinho)

Cheguei com a firme convicção que tudo aquilo que fizesse, se o fizesse com e por amor, o resto Deus acrescentaria. E Deus acrescentou! Acrescenta sempre… Quando parti em missão também a minha família, e aqueles que me são próximos, partiram comigo. Assim como a minha comunidade, aquela onde cresci, e de quem ao longo dos anos fui cuidando dela e ela de mim. Ninguém é missionário sozinho e a missão não é feita apenas pelos pés daqueles que partem. A ansiedade de chegar e a nostalgia de ter deixado aqueles que amamos criou, em mim, um sentimento agridoce. Mas cedo se dissipou ao escutar, na primeira Eucaristia em que participei no Paço Episcopal da Diocese de Pemba, o evangelho que naquele dia dizia «…todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna.» Mt. 19, 29. Que bonita (e tão intensa) esta resposta de Jesus à dúvida de Pedro… e à minha dúvida!

Dias depois de cumprirmos a formalidades para a residência no país, partimos para Santa Cecília de Ocua. Percorremos cerca de 200km para chegar à comunidade de Mahipa, onde se situa a casa da missão. À medida que as praias paradisíacas de Pemba iam ficando para trás ia aparecendo a terra vermelha e as casas feitas com matope, bambu e capim.

Depois de um tempo de integração, pacientemente orientado pela Andreia, os nossos pés pediam “caminho” procurando ardentemente ser aquela “Igreja em saída” como tanto nos pede o Papa Francisco. Mas o anseio de ir ao encontro dos outros estava (e continua) impedido pelas medidas impostas pelo governo que, devido à pandemia, mantem algumas estruturas e serviços fechados, incluindo os cultos. Por isso, este é o tempo propicio para amadurecer o fruto da longanimidade. É uma das lições que mais custa aprender. O ritmo do povo moçambicano é diferente do nosso. Temos que aprender a esperar… para aprender! Parar para estar e para acolher, com caridade, aqueles que nos chegam. E chegam tantos!

Chegam-nos mamãs que percorrem quilómetros carregando os seus filhos às costas, envoltos em capulanas (muitas delas ainda adolescentes), à procura de leite; chegam-nos papás que, pela ausência física ou por doença da mulher, nos pedem ajuda para cuidar dos seus filhos; chegam-nos famílias que devido á falta de ambulâncias (que muitas vezes não têm combustível nem condições mínimas para transporte) procuram a missão para cuidar dos seus doentes… e chegam-nos dezenas de crianças que nos visitam diariamente à procura de “enika” (banana)… “wuepa” (tamarilho)… um sorriso… um “mais cinco”… ou então, os mais pequeninos, de um pouco de colo. São crianças tão sonegadas de afectos!

E a escola?! Muitas destas crianças não vão à escola… O trabalho das “machambas” (hortas) ainda prevalece sobre a educação. Talvez seja por isso que a quantidade de crianças que fala português (língua oficial de Moçambique) são em número muito reduzido. Aprendem o dialeto local - macua – e este varia de comunidade para comunidade, qual torre de Babel. Rapidamente percebi que, apesar da minha dificuldade na construção de frases em macua, havia uma língua que todos nós conhecíamos: a linguagem do amor! Basta ser acompanhada pela fonética do toque, do sorriso, do olhar… e a mensagem passa!

E eu sinto-me grata quando oiço o som das crianças ao longe que gritam “kunha” que significa “branco”; “Salama”, a forma mais usual de cumprimento ou, quando já me conhecem, “mana Fátima”. Ah, e riem. Riem alto e muito! Apesar das adversidades da vida mostram-me que é possível ser simples e feliz e que o amor não se vive para ser falado mas partilhado!

Termino recordando a carta de boas vinda lida por uma jovem no dia em que chegamos. Concluía com uma simples frase: “Sintam-se em casa.” Sim, já me sinto um bocadinho em casa! Afinal foi (e continua a ser) o mesmo desejo que me fez partir que também me preparou a casa quando aqui cheguei. O amor. Ele veio, entrou e fez-se morada.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 09 de setembro de 2021.


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