Arquidiocese de Braga -

4 abril 2020

Sábado da V Semana da Quaresma

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Há dias, no final de uma nossa celebração, interrogávamo-nos se eram muitos aqueles que entendiam a diferença entre ser religioso e ser uma pessoa de fé. Caríssimo irmão, já intuiu essa diferença? Ser religioso é muito fácil. Basta cumprir um conjunto de normas e orientações, como tem acontecido até hoje com a maioria das pessoas. Ter fé é muito mais exigente, interessante e fundamental. Para ter fé é necessário chegar a um encontro pessoal com Cristo, eliminar as distâncias de dois mil anos e fazer com que aconteça uma profunda adesão de vontades. Fazer com que Cristo seja o amigo, o irmão, o companheiro, o confidente, o revelador da vontade do Pai, o consolador, a alegria. Pode parecer mais difícil. Importa colocar-se a caminho e diariamente fazer esta experiência de viver a vida com Ele. Não são alguns momentos que Lhe dedicamos. Nem aqueles que necessitamos para estar mesmo a sós com o amigo. Trata-se de viver, vinte e quatro horas por dia, nesta atenção de amar permanente.

Precisamos de reavivar a fé. Depois, também seremos cumpridores dos deveres, ou seja, também seremos religiosos. Se, pelo contrário, vivemos satisfeitos com algumas coisitas que vamos fazendo para Deus, nunca chegaremos à beleza do encontro que nos proporcionará muita felicidade e alegria.

Quando conseguimos fazer esta experiência, chegamos a outra conclusão. Nunca poderemos realizar a adesão pessoal sem a vida em comunidade. Uma coisa exige a outra. Recordo uma meditação. “Olha o sol e os seus raios. O sol é símbolo da vontade divina, que é o mesmo Deus. Os raios são esta vontade divina sobre cada um. Caminha para o sol na luz do teu raio, diverso e distinto de todos os outros, e realiza o particular e maravilhoso desígnio que Deus quer de ti. Infinito número de raios,  todos provenientes do mesmo sol… uma única vontade, particular para cada um. Os raios quanto mais se aproximam do sol, tanto mais se aproximam entre si. Também nós, quanto mais nos aproximamos de Deus, pelo cumprimento sempre mais perfeito da vontade divina, tanto mais nos aproximamos entre nós. Até que seremos todos um”.

A minha adesão a Cristo, a tua adesão a Cristo, a adesão dos outros a Cristo torna-nos uma coisa só e a comunidade é o ambiente onde cresceremos na fé, através da ajuda mútua, do conforto nos momentos de dúvida, na certeza de que não estamos sozinhos nesta vida para Deus. Como gostaria de ver tantas pessoas a experimentar o dom da comunidade! Para muitos, a comunidade ainda é uma palavra muito usada mas pouco vivida. É a hora de a descobrir com o valor que ela tem para a realização humana. Ninguém consegue viver sozinho. Nascemos para ser corpo. Aí está a felicidade. Convido-vos a que analiseis esta vertente comunitária da vossa vida. A comunidade tem de ser construída e é trabalho de cada um. Infelizmente as nossas celebrações eucarísticas são espaços que acolhem e colocam lado a lado pessoas sem a mínima relação efectiva. Este tempo de pandemia deveria fazer-nos compreender a eloquência da comunhão. Não somos nada sozinhos. Rezo para que isto vá acontecendo nas nossas igrejas. Acreditai que vale a pena. Trabalhai a vossa adesão a Cristo e trabalhai a vossa vida comunitária.

Ezequiel, na primeira leitura, diz-nos que Deus vai tirar Israel do meio das nações e que fará deles um só povo, fará com eles uma aliança de paz e no meio deles estabelecerá a sua morada, serão um só povo e Deus será o seu único Deus. E Caifás, no Evangelho, afirma que Cristo morrerá pelo povo para o congregar na unidade.

É isto que celebraremos na próxima semana. Cristo morre pelo povo para que este viva em unidade. Quanto caminho temos a percorrer. Coloquemos diante de nós esta interpelação e a Semana Santa será diferente.

Também o Papa Francisco, ao apresentar o programa para a renovação da Igreja na Exortação Apostólica Evangelii Guandium, afirmou que tudo passa pela concretização de comunidades a que atribui algumas características. São conhecidas. Só quero recordar. Diz que o caminho da comunidade passa por pessoas disponíveis para “primeirear”,envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar. Não tenho tempo para explicar cada uma destas cinco características. É um caminho a descobrir, na certeza de que tudo termina no festejar. A comunidade é lugar de festa, de alegria, consolação e de paz. Para o experimentar, percorramos o caminho da adesão pessoal a Cristo como a condição primeira e insubstituível e depois empenhemo-nos na construção de comunidade vivas onde Cristo está presente.

 

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 

Introdução

Uma lição a extrair dos tempos que estamos a viver é o reconhecimento da importância da solidariedade entre todos. Todos estamos envolvidos numa aventura que não sabemos onde nos conduzirá, mas sabemos que sairemos dela de mãos dadas. Sozinho ninguém se salvará.

Tendo presente a nossa vida pessoal, olhemos, hoje, para as comunidades a que pertencemos e interroguemo-nos sobre o que elas são como comunidade. Usamos esta palavra mas continuamos muito isolados. Não teremos necessidade de trabalhar mais a vida comunitária?

Momento da paz

Pensando um pouco, verificamos que os momentos mais solenes e alegres das nossas vidas foram passados com os outros. Nunca festejamos sozinhos e, quando a dor bate à porta, necessitamos de um braço que acolha ou de uma mão que console. Não será que nas comunidades paroquiais necessitamos de um pouco mais de calor humano, de um carinho acolhedor e consolador. Não fiquemos à espera que sejam os outros a concretizar gestos de proximidade. Tomemos a iniciativa e, com pequenas atenções, procuremos dar um rosto mais fraterno e comunitário às nossas celebrações.

Despedida

Estamos à porta da Semana Santa. Vamos fazer com que ela seja a melhor de sempre. O exterior desapareceu mas vamos, no recolhimento, tornar o ambiente mais festivo. Na mensagem que elaborei para os sacerdotes, falei da importância dos gestos e da necessidade de fazer com que esta Páscoa seja uma Páscoa de pequenas páscoas. A Páscoa significa a passagem de Cristo da morte para a ressurreição. Vamos analisar a nossa vida e descobrir alguns pontos negros. Existem, sem dúvida! E vamos transformar tudo em gestos com outras cores. Mostremos, através de pequenos sinais, como estamos a aproveitar este tempo. Tenho falado da necessidade de ver. E depois necessitamos de acreditar que muita coisa pode e deve ser melhor. Que esta Páscoa melhore as nossas vidas. Não desperdicemos esta oportunidade.


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