Arquidiocese de Braga -

14 abril 2020

Terça-feira da Oitava da Páscoa

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Há um gesto no rito Bracarense da Vigília Pascal que sempre me impressionou. Tem um significado muito bonito e repleto de variadissimas interpelações. É o rito do Accendite e consiste naquele momento em que o Presidente, quase sempre o arcebispo, canta Accendite, ou seja, “acendei”. Depois da benção da água e da renovação das promessas baptismais, simbolizadas no círio pascal, um cónego apaga o círio por três vezes e outras vezes volta a acender. Há aqui como que um jogo da vida. Por um lado, a vontade de ser fiel aos compromissos baptismais – vela acesa – e por outro o realismo do quotidiano onde entram as negações e as incoerências – a vela apagada –. Ninguém consegue uma fidelidade a todas as horas e todos os momentos.

Este rito está no centro da vigília pascal que, sabemos muito bem, inicia com a bênção do lume novo e depois segue-se a liturgia baptismal, culminando com a celebração dos baptismos, normalmente de adultos. Isto significa que a partir dia de Páscoa, que continuamos a viver, abre-se o horizonte do baptismo como opção de vida por Cristo. Enquanto discípulos, somos permanentemente chamados a fazer memória e a viver o nosso baptismo. 

Na primeira leitura de hoje, Pedro prega, com absoluta certeza à casa de Israel, que aquele que vós crucificastes ressuscitou. Era tão profunda a sua convicção que muitos aceitaram as suas palavras e receberam o baptismo. Cerca de três mil naquele dia se juntaram aos discípulos.

O baptismo, naquele tempo, de um modo muito mais interpelativo, é um morrer e sepultar com Cristo para ressuscitar com Ele para uma vida nova. Os Padres da Igreja, para falarem da vida cristã, usam com frequência as imagens da morte e da novidade. Dizem que ser cristão é renunciar ao homem velho, com todos os vícios que caracterizam o dia a dia, e proclamar, com a vida e com palavras, um estilo cristão de estar no mundo permeado pelos valores evangélicos. 

S. Cirilo de Jerusalém afirmava que as águas do baptismo eram ao mesmo tempo “sepultura e mãe”. Era necessário deixar lá o homem velho para então se nascer para uma nova vida. Pelo baptismo, vivemos em Cristo e, por isso, temos uma existência pascal marcada pela autenticidade e coerência,  dando testemunho de Cristo em qualquer lugar e a quem o solicitar. Devemos dar razões da nossa fé. Mais uma vez, gostaria de referir que a cruz é um caminho e nunca o fim de um caminho. Aquilo que Deus pretende é que sejamos participantes da vida e da felicidade que a Santíssima Trindade oferece, e nunca um poço sem saída ou significado. O Novo Testamento nunca separa o Calvário da Páscoa, nem a elevação da cruz da exaltação da glória. No cristão, que participa na ressurreição do Filho de Deus, permanece a força de Cristo para testemunhar o bem e viver dando-se aos outros. A debilidade humana transforma-se em força, a morte em vida (2Cir. 12,9), o fracasso em êxito (2 Tim. 2,11). Inaugura-se a humanidade nova do Apocalipse onde já não haverá “mais morte, nem luto, nem clamor, nem pena porque o primeiro mundo desapareceu”(Ap. 21,4). É este testemunho que o baptismo exige daqueles que se consideram cristãos. Uma novidade de vida pessoal a inculcar valores que permanecem pois tudo o que é caduco desapareceu.

Não sei se é legítimo fazer uma interpretação do evangelho que acabamos de ouvir. Maria Madalena pergunta, angustiada e chorando, “porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram”. Vinte séculos de história da Igreja e parece que tem vindo a roubar o rosto esplendoroso das comunidades primitivas onde o Evangelho era puro e sem grandes interpretações. Necessitamos, urgentemente, de recuperar a consciência baptismal como exigência de vida nova, de mostrar um cristianismo de autenticidade. Cada um tem de chegar à experiência de conseguir dizer “Vi o Senhor”. E de perder o medo e a vergonha de contar tudo quanto Cristo vai construindo nas diferentes vidas. Falta-nos muito isto. Este tempo de pandemia poderá dizer-nos que tudo depende de cada um e que a Igreja recuperará a sua credibilidade quando esta passar pela vida dos bispos, sacerdotes e leigos. Não tenhamos vergonha de ser baptizados e que o baptismo não seja apenas uma acta daquilo que aconteceu há muitos anos. É bela a nossa vocação e insigne a nossa responsabilidade.


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