Arquidiocese de Braga -

23 abril 2020

Quinta-feira da II Semana da Páscoa

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Continuamos a reflectir sobre a vida da comunidade de Jerusalém. Aí, o pequeno grupo de discípulos foi dando consistência a uma vida comunitária para encararem a vida com a serenidade de quem acredita verdadeiramente em Deus. Aqui está a sua força! E assim a comunidade foi crescendo.

Tudo partiu da certeza que cada um vivia conscientemente. Deus foi escolhido como o centro da vida e a partir daí nasceu a comunidade. Encontramos esta certeza na primeira leitura que mostra a coragem de Pedro perante o sinédrio. Ao Sumo Sacerdote responde com energia e sem medo. “Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens”. Os primeiros cristãos cumpriam todos os seus deveres na sociedade, tal como Cristo os tinha instruído, mas apelavam sempre à fidelidade ao Deus que tinham escolhido. Deus estava sempre em primeiro lugar e animavam-se entre si para que isto fosse acontecendo.

Foi esta escolha de Deus que deu origem a outra ideia estruturante da sua vida: é importante passar do horizonte individual para o sentir comunitário. Surgiu assim uma verdadeira família que era construída por cada um e que a cada um dava força. Importante foi sempre, e hoje terá de ser também, a pertença à Igreja. O cristianismo não é uma simples experiência pessoal mas envolve-nos sempre numa realidade comunitária como algo de imprescindível. Não é possível ser cristão sozinho. Só em comunidade.

Hoje temos de tomar consciência da nossa pertença à Igreja. Vamos notando que o número de cristãos com esta convicção vai aumentando. Só que ainda são muito poucos os que efectivamente aceitam crescer como Igreja e extrair daí todas as consequências. Somos efectivamente um corpo e o bem estar de uns depende do bem estar dos outros. Somos família onde deveria circular um amor intenso e efectivo. Chamamo-nos irmãos e deveríamos quotidianamente reconhecer estes laços que nos unem num amor profundo e concreto. Este sentir-se Igreja é uma realidade espiritual mas que deve passar para os gestos, de modo que seja possível ver como nos amamos. O amor entre nós não é oculto deve tornar-se visível: “Vede como eles se amam”, diziam dos primeiros cristãos.

Há um caminho longo a percorrer. Não será possível aproveitar este tempo para interiorizar comportamentos concretos que comecem a mostrar que não basta ir à missa? Estamos em período de confinamento. Não confinemos o amor! Sejamos afectivos, expressivos. Aproveitemos este tempo para fazer um sério exame de consciência. Não estaremos a ser demasiado formais, protocolares? Anotemos onde e como podemos mudar. Importa saudar-se, conversar muito uns com os outros, mostrar espírito de entre-ajuda, aperceber-se das necessidades dos outros, manifestar sentimentos de uma verdadeira amizade sem medos nem complexos. Tudo aquilo que o amor sugere deve marcar a vida. Habituamo-nos a interpretar a palavra amor olhando para os pobres e necessitados. É fundamental que o façamos entre nós e esta gramática da caridade tem de ser cada vez mais conjugada por nós. Só que precisamos de ir mais além e descobrir a beleza de nos amarmos. Como é bom e admirável vivermos juntos como irmãos. As nossas comunidades precisam de o ser. Não basta a palavra a usar com frequência. Os sinais têm de acontecer e devem tornar-se muito espontâneos. Alguns poderão pensar que é impossível mostrar que não só nos conhecemos mas que nos amamos. É o caminho para a Igreja do futuro. Ou seremos comunidades, talvez mais pequenas, onde o amor é algo natural ou não estaremos a corresponder às exigências da hora que Deus nos concede viver.

Neste tempo da Páscoa, irei falar mais vezes sobre a vida dos primeiros cristãos. Eram homens e mulheres como todos os outros mas diferenciavam-se pelos vínculos que os uniam uns aos outros. A lição a tirar é que devemos reconhecer a importância da comunidade na nossa vida e ser capazes de o mostrar com muitos gestos e sinais. Importa ter consciência da pertença à Igreja, conhecer a sua vida íntima e viver concretamente como corpo e família. Que Deus nos faça compreender esta importância. Não é utopia. É um trabalho a fazer, perseverando num estilo de vida muito familiar e próximo das pessoas que pertencem à mesma comunidade. Costuma-se dizer que hoje vivemos próximos dos outros, pois nos encontramos de muitos modos, mas não concretizamos uma proximidade de atenção e de serviço. O cristianismo não pode tolerar o anonimato, o desinteresse e muito menos a indiferença. 

Se teremos de sentir e viver em experiência comunitária, teremos também de assumir a responsabilidade de a construir. Ela não nasce por geração espontânea. São necessários muitos braços que quotidianamente ofereçam as suas forças e energias. Construir tem dois significados: ser os primeiros a oferecer amor a todos e disponibilizar-se para trabalhos voluntários e livres. Como nunca, as comunidades devem mostrar que não são obra de um ou de poucos. É maravilhoso ver um grande grupo a trabalhar em várias áreas da vida comunitária. Podemos pensar que não temos tempo. Nem sempre é preciso muita coisa. Basta muito pouco para mostrar que pertencemos a uma família de irmãos.

Rezo para que este tempo de confinamento nos faça compreender que sozinhos não conseguimos sobreviver. O cristianismo oferece a resposta de comunidades vivas, verdadeiramente unidas no amor e comprometidas na sua edificação. Também aí poderemos encontrar refúgio, alento e certeza de que a vida sem comunhão não tem sentido. Como é bom experimentar que temos pessoas que nos querem bem! Não é só defender-se dos perigos. Só poderemos viver unidos.

 

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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