Arquidiocese de Braga -

12 junho 2023

“Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura”

Fotografia Santuário de Fátima

Homilia de D. Nuno Almeida na Peregrinação Internacional Aniversária - Santuário de Fátima, 13 de junho de 2023 Jd 13, 17-20; 15; Rom 5, 12.17-19; Lc 2, 46-51

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Queridos peregrinos: irmãos e irmãs!

1. No evangelho, há pouco proclamado, escutámos: Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura” (Lc 2, 48) e “não compreenderam as palavras que lhes disse” (Lc 2, 50).

A Família de Nazaré teve de enfrentar muitas dificuldades e provações. 

Mas qual é a família que, mais cedo ou mais tarde, não tem de enfrentar desgostos e sofrimentos? Uma doença, dificuldades económicas, uma dívida, uma injustiça, algum rancor, uma desgraça, um fracasso na educação dos filhos, algum desgaste nos relacionamentos. Como é que Maria, José e Jesus enfrentaram as adversidades e as provações?

2.No Evangelho, vemo-los atuar sempre unidos: “Toma o Menino e Sua mãe”, e José “tomou o Menino e Sua mãe”. Estavam juntos no nascimento, no exílio, na casa de Nazaré. É assim que se enfrentam as provas da vida: em unidade, em comunhão. Sozinhos surge a angústia. Em conjunto, ajudamo-nos, encorajamo-nos uns aos outros, reencontra-se a confiança. E, acima de tudo, sentiam e experimentavam que Deus estava com eles, deixando-se guiar por Ele. O anjo do Senhor falava e encontrava Maria e José em atitude de escuta, prontos a obedecer à sua palavra, a fazer a vontade de Deus. 

Era assim a fé de Maria e de José, esta pode ser também a nossa fé, que faz de cada uma das nossas famílias uma casa confiada nas mãos de Deus, pronta para atuar o grande desígnio que Jesus tem sobre ela.

3. Todos nós crescemos numa família, dentro de vínculos de acolhimento que nos fazem crescer e responder à vida e a Deus. Todos nós nos tornamos aquilo que recebemos. O mistério de Nazaré é o conjunto de todos estes vínculos: a família e a religiosidade, as nossas raízes e o nosso povo, a vida diária e os sonhos para o porvir. A aventura da vida humana começa a partir daquilo que recebemos: a vida, a casa, o afeto, a língua e a fé. A nossa humanidade é forjada por uma família, com as suas riquezas e as suas pobrezas.

Há hoje a tentativa de basear o casamento e a vida familiar somente no amor individualista e romântico. Temos consciência de que só o amor fiel, indissolúvel, fruto de decisão livre e que se torna num amor fecundo pode ser fundamento seguro do matrimónio e, consequentemente, da família: aquele amor que Jesus, com gestos e palavras, ensina a pôr em prática.

Mas como é e como deve ser o amor conjugal, que une o homem e a mulher e de dois faz um só e que dá sabor e sentido à vida familiar de cada dia? O Papa Francisco, na Exortação Apostólica pós-sinodal “Alegria do Amor” (19.03.2016) apresentou o amor conjugal e familiar a partir do famoso hino de São Paulo na primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 13, 4-7): “O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

É esta arte cristã de amar que transforma a fé e o cristianismo, de um facto simplesmente devoto, quando não teórico, a que tantas vezes o reduzimos, em aventura quotidiana, transparente, libertadora, feliz e alegre, também e, sobretudo, na vida familiar! 

4.Animada e sustentada pelo mandamento sempre novo do amor, a família cristã sabe acolher, proteger e cuidar da vida humana desde o primeiro instante até à morte natural.

Ela não gera apenas a vida física, mas abre à promessa e à alegria. 

A família segundo o Papa Francisco, na Alegria do Amor, é uma realidade artesanal, que tem de ser tecida diariamente com palavras e gestos de amor. Implica sempre “levantarmo-nos e partir em direção ao outro”, como Maria na Visitação:Tema e lema da Jornada Mundial da Juventude e deste ano pastoral no Santuário de Fátima: “Maria levantou-se e partiu apressadamente”.

O levantar-se de Maria e pôr-se a caminho é a definição daquilo que é a vida. Deixamos de ter vida se não nos levantarmos e pusermos a caminho constantemente, independentemente de sermos corredores de alta competição ou de estarmos fisicamente limitados pelas mais diversas razões. A vida é um contínuo levantar-se e pôr-se a caminho.

O levantar-se de Maria é um convite a transformar solidões egocêntricas em gestos de comunhão. Seja na disponibilidade ao plano de Deus seja ajuda a Isabel, Maria manifesta claramente que tem consciência de viver em comunidade. Ela sabe-se dependente de Deus, particularmente reconhece que o plano que aceitara, vinha de Deus. 

À luz da Palavra de Deus, faz-nos bem observar como é a nossa morada, ou o nosso lar e considerar o estilo do nosso habitar, as escolhas que ali fizemos, os sonhos que cultivamos, os sofrimentos que vivemos, as lutas que enfrentamos e as esperanças que alimentamos.

Meditemos por breves instantes: A nossa família é lugar que recebe e gera a vida em plenitude, nas várias dimensões humanas e cristãs? 

Que escolhas fazemos para que a nossa família seja espaço onde crescer em plenitude e graça de Deus? 

Que tipo de vínculos familiares, afetivos e religiosos nos alimentam como casal e como filhos?

 

Jesus,
guia a nossa família
pelo caminho severo da vida,
sugere os passos,
reúne os corações no silêncio
e na contemplação,
atentos e dóceis aos Teus sinais.
Dá-nos unidade e concórdia
para caminhar juntos
e partilhar alegrias e dores
em solidariedade fraterna
e no amor.
Molda a nossa
e todas as famílias sobre a terra
segundo o modelo da que Te foi dada,
em Nazaré,
simples e verdadeira,
e que ninguém fique sozinho
e sem amor. Ámen!

 

+Nuno Almeida, Bispo Auxiliar de Braga e eleito de Bragança-Miranda