Arquidiocese de Braga -
18 dezembro 2013
OLHANDO OS PÉS DESCALÇOS
Mensagem de D. Jorge Ortiga para o Tempo de Natal.
Olhando os pés descalços
Mensagem de Natal
Conta-se que uma vez, um empresário de calçado enviou um agente comercial da sua empresa para um país longínquo em busca de novos negócios. Passado um tempo, este agente regressa desolado pois reparou que naquele país toda a gente andava descalça. E como senão bastasse, após ter contado ao patrão o sucedido, ainda mais perplexo ficou com a resposta dele: “Excelente notícia, pois isso abre-nos um mercado imenso!”[1]
Partindo desta história, queria retirar duas propostas. Dos inúmeros pecados actuais, o pecado original do consumismo continua a vigorar entre nós. O consumismo é uma mentalidade subtil que, para sermos felizes, exige-nos ter todas aquelas coisas que a sociedade e a publicidade nos incitam a ter, sob o pretexto de estarmos actualizados, na moda e no ranking da sociabilidade. E aí, quando já damos mais valor às coisas do que às pessoas, este pecado torna-se mortal, porque mata a convivência humana: uma convivência que é essencial para a felicidade e realização pessoal.[2]
E o maior risco do tempo de Natal é quando ele se torna numa ocasião de pecado em prol de um consumismo desenfreado, em vez de uma oportunidade para exercermos a bem-aventurança da misericórdia.
“A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia”, diz-nos o Papa Francisco.[3] De facto, nós fomos criados para a misericórdia e o melhor exercício de misericórdia que podemos produzir é ajudar a “calçar” os inúmeros pés descalços que circulam pela nossa sociedade: os pés calejados pela descriminação, os pés feridos pelo desemprego e os pés ensanguentados pela fome. Por isso, gostaria de apelar a que, na noite de Natal, acendêssemos aquela vela que a Cáritas Portuguesa tem distribuído pelo país, e recordássemos todos os pés descalços que circulam a nossa vizinhança a reclamar uma vida nova. Impõe-se que descentralizemos a nossa atenção: fixemo-nos menos em nós e mais nos outros.
Tendo em conta a temática do nosso ano pastoral, a liturgia é, por assim dizer, o berço onde Cristo “nasce” em cada celebração, fazendo-se presente, para nos encher dessa vida nova. Celebrar o Natal é celebrar a chegada desta “luz dos homens” (Jo 1,4), que desfaz o tempo de nevoeiro que se “abateu” sobre nós no Tempo do Advento[4].
Sabemos que a sociedade hodierna obriga-nos a acreditar nas potencialidades do momento em que vivemos. É mais fácil cruzar os braços. Desanimar. Pensar que não vale a pena e deixarmo-nos levar pelo pecado do desânimo. Urge acreditar que da crise pode surgir uma nova oportunidade, válida para industriais, comerciantes, para quem oferece trabalho ou o pode criar. É hora de arriscar e não ter medo!
Com esta luz encontrada na liturgia, tomemos consciência que o mundo pode e deve mudar. Se abrirmos bem os olhos, conseguiremos ver que os pés descalços são muitos e variados. Por isso, o melhor presente que podemos oferecer é ajudar a calçar os pés descalços com a nossa misericórdia e acreditar nas nossas capacidades. Não percamos tempo! Temos diante de nós a oportunidade de devolver a alegria, entrando neste mercado que infelizmente continua a ser imenso.
Um bom Natal para todos vós, de um modo especial, as famílias, os desempregados, os emigrantes que regressam nesta época natalícia, os doentes, os idosos e aqueles que, porventura, já deixaram de acreditar em Deus!
+ Jorge Ortiga, A.P.
19 de Dezembro de 2013
[1] Luigino Bruni, Capitais: nem tudo é mercadoria, in «Avvenire», 4 de novembro de 2013.
[2] Cf. Vasco Pinto Magalhães, Não há soluções, há caminhos.
[3] Cf. Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 112.
[4] Cf. D. Jorge Ortiga, Advento, tempo de nevoeiro. Mensagem para o tempo de Advento – 2013.
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