Arquidiocese de Braga -

13 abril 2014

EU NÃO QUERO PAGAR!

Fotografia

Homilia de D. Jorge Ortiga na missa do Domingo de Ramos.

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Eu não quero pagar!

Homilia no Domingo de Ramos

1. Experiência Humana

Ao celebrar-se hoje o Dia Mundial da Juventude, em pleno Domingo de Ramos, não poderia deixar de iniciar esta homilia por recuperar a letra de uma recente música comercial que expressa na perfeição o sentimento juvenil perante a actual situação socio-económica do nosso país, que diz: “Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz, não me fazem ver que a luta é pelo meu país. Eu não quero pagar depois de tudo o que dei, não me fazem ver que fui eu que errei!”

2. Liturgia da Palavra

  Depois de escutarmos o evangelho, poderíamos afirmar que Jesus, diante daquele cenário de violência a que esteve sujeito, só lhe dava vontade de dizer o mesmo àquela gente: “Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz!”

  A entrada em Jerusalém no jumento da paz, e não no cavalo da guerra, sintetiza toda a sua mensagem e viagem messiânica, iniciada no rio Jordão. Enquanto rei que vem tomar posse da sua Cidade, a multidão aclama-o com um pedido: “Hossana”, que significa “Salva-nos, por favor!”[1]

  A figura e o destino do Servo de Javé, profetizado pelo profeta Isaías (primeira leitura), adquire agora um Rosto e um Nome, para que a partir de agora todos se ajoelhem perante este Nome, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai (segunda leitura).

3. Sinais dos tempos

  À luz desta verdade pretendo olhar agora para a nossa juventude. Vejo-a, na generalidade, sem futuro nem esperança. Perante um relativismo de valores que lhe é imposto e numa realidade angustiante de falta de trabalho, perdem o encanto de sonhar e a alegria de lutar por um futuro melhor. Para ela a luz no fundo do túnel está longe e não vale a pena acreditar no valor do sonho que se torna mera utopia. Foge-se, assim, à responsabilidade e à exigência duma vida que é colocada ao serviço do bem comum.

O mundo em geral, e a juventude em particular, deixou de seguir uma pessoa, Jesus Cristo, e apega-se a produtos da técnica, afastando-se, assim, duma mensagem com sentido, para navegar numa barafunda de palavras nem sempre dotadas de conteúdos. A Semana Santa deve ser para a Igreja uma oportunidade para mostrar um rosto vivo de Alguém que continua a dar alegria às vidas. Provo-o o modo como viveram o Papa João XXIII e João Paulo II que irão ser canonizados no próximo dia 27 de Abril. Foram homens do seu tempo e deixaram marcas que ultrapassam os momentos da sua vida. Daí que durante esta Semana Santa queira sublinhar algumas ideias do beato João Paulo II, tendo sempre presente a vontade de imaginar uma Igreja de Braga ao ritmo do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII com a sua particular estima pelo “aggiornamento” da Igreja com tudo o que ele significa.

  Nunca a Igreja foi tão rica e diversificada em propor a divina oferta de salvação aos Homens e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão vazia e esquecida. A uma pluralidade de oferta corresponde uma diminuição da procura (religiosa). Alguns pensadores chegam já a afirmar que estamos perante a primeira geração incrédula da história da Igreja: uma geração que não se coloca contra Deus ou contra a Igreja, mas uma geração que está a aprender a viver sem Deus e sem a Igreja, constituindo até um novo perfil religioso: os agnósticos das redes sociais.[2]

4. Desafio Pastoral

Sabemos que a rede social exerce hoje um impacto brutal na trama da humanidade. Ela não só facilitou o modo de comunicarmos, como também superou a própria comunicação social, desvendou a cortina da nossa privacidade, gerou um novo tipo de economia (economia doméstica), apresentou à sociedade novos heróis, permitiu convocar manifestações que abanaram com o país e tornou acessível todos aqueles amigos e conhecidos que estavam esquecidos no passado.[3]

O Papa João Paulo II, ao que se conhece, nada escreveu sobre as redes sociais. Mas aposto que se ele ainda hoje fosse vivo, certamente que nos iria pedir que fossemos missionários neste novo ambiente virtual que chegou às nossas casas. De facto, quando lemos a encíclica Redemptoris Missio, publicada a 22 de janeiro de 1991, percebemos que a missão, afinal, é um acto que diz respeito a todos os cristãos[4] e um âmbito que não se destina somente aos povos de África ou àqueles que nunca ouviram falar de Deus, mas também àqueles cristãos que já se afastaram da Igreja (nova-evangelização)[5].

Por isso, a rede social apresenta-se hoje como um espaço[6] excelente para exercermos a nossa vocação missionária, na medida em que partilhamos conteúdos e entramos em debates, como forma de expressarmos a nossa diferença cristã sobre a realidade, sem receio de sublinhar as experiências pessoais de encontro com Cristo. Só assim é que conseguiremos ir ao encontro de outros jovens, nomeadamente daqueles jovens que estão sempre “fechados em casa” e só se tornam acessíveis mediante a rede social. Aliás, Deus não exige que os convertamos, porque isso é trabalho do Espírito Santo, mas ao menos que os cativemos com a “coragem da nossa felicidade”, como refere o Papa Francisco na sua mensagem para este Dia Mundial da Juventude.[7]

5. Conclusão

Hoje celebra-se também os trinta anos daquele momento em que o Papa João Paulo II entregou aos jovens a Cruz Peregrina, dizendo-lhes: “Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».

Por isso, é verdade que muitos jovens não querem pagar uma crise para qual não contribuíram, como refere aquela música inicial. Eles têm direito a sentirem-se vítimas deste fenómeno que já roubou tantos sonhos, tantos sorrisos e tanta liberdade. Mas quando olhamos para a Cruz Peregrina, que sintetiza a Paixão de Cristo, ela tem de exercer em vós, jovens católicos, o processo inverso: incutir-vos o dever de continuar a lutar por um país diferente e levar a esperança a tantos jovens agnósticos que deixaram de acreditar nas suas próprias capacidades.

A fé anunciada por vós tem algo a dizer à sociedade. Também eu vos entrego a Cruz de Cristo. Não como um mero objeto devocional. Mas como um verdadeiro dicionário que vos confia uma responsabilidade geradora de alegria.

Caros jovens, ajudai a Igreja de Braga a percorrer novos caminhos de evangelização e acreditai na alegria que a missão de partilhar a fé vos oferece.

+ Jorge Ortiga, A. P.

Sé Catedral de Braga, 13 de abril de 2014.



[1] Cf. D. António Couto, Quando Ele nos abre as Escrituras, 76.

[2] Cf. Armando Matteo, A primeira geração incrédula, 20.

[3] Cf. Luís Ribeiro, Facebook: dez anos a influenciar o mundo de dez maneiras, «Revista Visão» (30 de Janeiro de 2014).

[4] Cf. João Paulo II, Redemptoris Missio, 71.

[5] Cf. João Paulo II, Redemptoris Missio, 33.

[6] Cf. Antonio Spadaro, Ciberteologia, Pensar o Cristianismo na era da Internet, 10.

[7] Cf. Papa Francisco, Mensagem para o XXIX Dia Mundial da Juventude. «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu», 2.