Arquidiocese de Braga -

10 outubro 2012

Nessun dorma

Fotografia Colaborador

+ Jorge Ortiga, A. P.

Homilia nas ordenações presbiterais

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Estimado D. Eurico Dias Nogueira, D. Manuel Linda e D. António Moiteiro

Caros sacerdotes, seminaristas e religiosas

Caros diáconos António, Feliciano, Francisco e Nuno

Caros familiares que hoje entregais estes filhos para o serviço integral no Reino

Irmãos e irmãs na fé em Cristo Jesus

 

O dia das ordenações presbiterais é sempre uma experiência de profunda alegria para o Arcebispo e toda a Arquidiocese. A alegria é aquela premissa que nos transporta para o campeonato das confidências. Por isso, este é o momento propício para uma confidência entre o Arcebispo para com os seus sacerdotes e leigos aqui reunidos.

Partindo dos recentes discursos do Papa Bento XVI sobre a realidade europeia, podemos enumerar três sintomas religiosos preocupantes: a ditadura do relativismo, o cansaço da fé e a menoridade da mesma.

Perante esta realidade, quero deixar-vos um alerta, servindo-me daquela célebre expressão da ópera de Turandot, criada em 1926 por Giacomo Puccini, quando a certa altura o solista canta: Nessun dorma, isto é: que ninguém durma! Porque a passividade perante estas exigências pastorais poderá gerar patologias mortais da religião cristã.

 

1. Há dias, na igreja paroquial de Azurém, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa falou-nos do “Deus entre parêntesis”, que nós tantas vezes usamos e onde só retiramos esses parêntesis quando precisamos dele, deixando-o entretanto fechado na sua transcendência, como algo longínquo. Portanto, não queiramos ser os culpados pela morte de Deus, profetizada pelos filósofos modernistas!

Por tudo isto, não podemos deixar de reconhecer que o grande desafio da Igreja actual é a questão da fé. Só que, sempre que abordamos este assunto, cometemos um erro comum pois olhamos para o exterior da Igreja, isto é, para quem nunca teve fé, para aqueles que publicamente discordam da nossa vivência religiosa ou para aqueles que a hostilizam.

Sejamos honestos: seremos verdadeiramente, homens e mulheres de fé? Não estaremos a reduzi-la a um mero presságio tradicional?

 

A graça do Ano da Fé, promulgado pelo Papa Bento XVI para o próximo ano pastoral, é sinal dessa urgência em operar uma mudança copernicana: olharmos para o interior da Igreja, concretamente para a nossa querida Arquidiocese e amado presbitério. A Igreja é a comunidade de crentes que partilham, não o mesmo espaço, mas o mesmo dom: a fé. Foi ela que nos levou a um encontro surpreendente com Jesus!

Este itinerário de amizade supõe, quero recordar, uma atitude fundamental. No célebre filme “A Vida é Bela”, o médico atira ao empregado de mesa a seguinte adivinha: “Qual é a coisa que quando a pronunciamos, ela deixa de existir?” Ao que ele responde: “Só pode ser o silêncio.”

Pois bem, a capacidade de silêncio é o critério para escutarmos a voz de Deus. O silêncio é o espaço onde se cruza o limite das palavras humanas e a plenitude da Palavra Divina. E é nesse cruzamento que germina a fé.

 

2. Foi com este intuito e urgência, juntamente com o apelo à nova-evangelização do Papa Bento XVI, que considerei que o próximo quinquénio pastoral fosse alicerçado na temática da fé. Serão cinco passos anuais que, redescobrindo o Catecismo da Igreja Católica (e/ou o Youcat), nos levarão a professar, celebrar, viver, anunciar e a contemplar com mais evidência a fé em Jesus, o Cristo.

Por isso, queria agradecer a Deus o dom da vocação do Sr. D. António Moiteiro que hoje nos agracia com a sua presença. «A sua experiência pastoral e a formação na área da catequética regozija-nos por podermos crescer com um irmão que, graças aos seus conhecimentos, em muito nos entusiasmará nos caminhos da nova-evangelização (…) Aliás, o seu lema episcopal assim comprova esta urgência: “É preciso que Jesus reine!”»2 Sr. D. António, quero que saiba, desde já, que pode contar com todos, para esta aventura radical na experiência da fé!

Além disso, quero ainda agradecer a Deus o dom da vocação destes quatro jovens que hoje serão ordenados presbíteros. A Igreja Arquidiocesana conta com a vossa audácia, irreverência e coragem para mostrar ao mundo que, embora poucos, queremos ser diferentes! Eu quero, sobretudo, contar com a vossa fé em Jesus Cristo!

Na Eucaristia Crismal de Quinta-Feira Santa anunciei-vos publicamente as 7 maravilhas do sacerdócio. Mas Jesus no evangelho de hoje exorta-vos a uma nova maravilha, aquilo a que o filósofo Martin Heidegger denomina de “o esplendor do simples”.

Jesus só permite que os seus discípulos levem consigo, como “kit de evangelização”, uma túnica, um par de sandálias e um bastão. Este era a arma de defesa típica do pobre, para se defender dos ataques dos salteadores, dos soldados romanos e dos ricos.

Na impossibilidade de vos poder oferecer um bastão, delego-vos, a vós que sereis ordenados a todos os sacerdotes, o poder da caridade (2.ª Leitura), para também vos defenderdes dos ataques da luxúria, da arrogância, da solidão, do egoísmo, do autoritarismo e da competitividade pastoral.

A primeira leitura do profeta Amós desautoriza qualquer mentalidade hierárquica. Num período da história de Israel tão próspero, como o do tempo do rei Jeroboão II, encontramos duas figuras contrapostas: o sacerdote Anasias, homem de sucesso e bem integrado na estrutura religiosa; e o profeta Amós, homem pobre e estrangeiro. Após a difamação do sacerdote Anasias, Amós recorda-lhe que foi Deus quem o chamou a profetizar, apesar de inicialmente “ser pastor de gado e cultivar sicómoros”.

Caros neo-presbíteros, peço-vos intensamente: agradecei às vossas famílias, formadores e comunidades que, investindo em vós tamanho amor, vos educaram a ser pobres, para serdes simples. E sede simples para serdes livres e felizes! O mundo até pode não compreender o poder da nossa caridade, mas não vos esqueçais que foi pela caridade que Jesus venceu o mundo!

 

3. Para terminar, escutai o que diz a oração do ritual de ordenação, que será recitada em breve: “Nós vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí estes vossos servos na dignidade de presbíteros (…) para que sejam fiéis dispensadores dos vossos mistérios.”

O mundo, marcado pela ditadura do relativismo, o cansaço da fé e a menoridade da mesma, clama desesperadamente na voz do salmista: “Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor e dai-nos a vossa salvação!”

 

Que a vossa consagração faça transparecer a presença de Deus nesta Arquidiocese, neste país e nesta Europa.5 Por isso, as vossas mãos serão agora as mãos do próprio Jesus: mãos que abençoam, mãos que baptizam, mãos que perdoam os pecados, mãos que consagram o Pão e o Vinho para que se tornem para nós o Corpo e o Sangue de Cristo, mãos que abençoam os casais em matrimónio e mãos que ungem os doentes para que sejam confortados pela graça de Cristo!

 

Que a Senhora do Sameiro a todos nos acolha no seu manto, na certeza de que a sua protecção a todos nos envolve. Por isso, neste dia de tão grande alegria para a Arquidiocese de Braga, pela ordenação de quatro novos sacerdotes, pela recepção ao Sr. D. António Moiteiro e pela apresentação do novo programa pastoral, retomo as palavras do solista com que iniciei esta reflexão: nessun dorma, ou seja, que ninguém adormeça na sua missão eclesial!