Arquidiocese de Braga -

O abraço de Deus

Homilia na Eucaristia de abertura do Ano Lectivo da Universidade Católica

1. Experiência humana

Conta-se que, depois de Deus ter criado o mundo, todos os seres vivos da terra combinaram oferecer ao Criador um presente, como forma de lhe agradecer aquele feito glorioso!

Assim sendo, as ovelhas ofereceram um pouco da sua lã, as galinhas levaram uma dúzia de ovos, os cavalos executaram alguns números de acrobacia equestre e os pássaros entoaram algumas das mais belas canções.

Olhando para tudo isto, o homem, que vinha no fim da fila, não sabia o que oferecer a Deus.

E à medida que ia chegando a sua vez, ele ficava ainda mais atrapalhado por não saber o que lhe oferecer.

Contudo, tendo chegado a sua vez, e não tendo nada nas mãos para oferecer a Deus, eis que o homem faz o que nenhum ser vivo tinha ousado fazer: aproxima-se de Deus e dá-lhe um grande e forte abraço! [1]

2. Liturgia da Palavra

Partindo desta história, o evangelho de hoje apresenta-nos a condição indispensável para se produzir gestos como este: permanecer unido a Cristo, tal como os ramos permanecem unidos à videira. Esta metáfora, retirada do meio agrícola, acaba por colocar em questão a qualidade da nossa fé.

Acreditar em Deus, é muito mais do que concordar com a noção de que Deus existe: é abrir-se a uma experiência de intimidade, comunhão e partilha com Ele, na certeza de que Ele nos auxilia com o seu Espírito Santo, como escutávamos na Carta de Paulo aos Romanos.

3. Santa Teresa de Ávila

Posto isto, hoje celebramos a memória de alguém que foi exemplar na vivência da fé cristã: Santa Teresa de Ávila. Ela que, tendo entrado na Ordem das Carmelitas, fez grandes progressos no caminho da perfeição, chegando mesmo a ter revelações místicas. Ao empreender a reforma da sua Ordem Religiosa teve de sofrer muitas tribulações, mas tudo suportou com coragem invencível, tendo falecido em Salamanca no ano 1582.

Como legado, os seus escritos revelam uma doutrina profunda, fruto das suas experiências místicas, e o seu testemunho de vida comprova que a santidade não é apenas para os super-heróis, mas que está ao alcance de qualquer um, como refere o Papa Francisco.

Enquanto alunos da Universidade Católica, eu penso que a grande lição que aprendemos hoje é que, mais do que saber coisas da vida, o que importa é saber saborear as coisas da vida.

Na verdade, um dos nossos grandes pecados da actualidade é o facto de não sabermos desfrutar do presente, pois muitas vezes vivemos demasiado aprisionados às coisas do fazer e descuramos as coisas do contemplar. Por isso, precisamos talvez de olhar para a nossa vida presente com um outro apetite, um outro gosto e uma outra vontade, pois só temos esta vida para desfrutar e saborear, e não teremos outra.

Como tal, mais do que os heróis do futebol, da música ou do cinema, nós precisamos é de referências válidas, como Santa Teresa, que nos ajudem a gostar da nossa própria vida, com as mazelas próprias do quotidiano, e não a gastar o tempo comtemplar a hipotética vida daqueles heróis.

4. Desafios Pastorais

Há dias encontrei nas redes sociais o seguinte texto: o dinheiro pode comprar uma casa, mas não um lar; o dinheiro pode comprar um relógio, mas não o tempo; o dinheiro pode comprar um livro, mas não o conhecimento; o dinheiro pode comprar um cargo político, mas não o respeito; o dinheiro pode comprar remédios, mas não a saúde; o dinheiro pode comprar sangue, mas não a vida; e o dinheiro pode comprar uma pessoa, mas não compra o amor!

Nas discussões quotidianas que vamos tendo ou ouvindo, verificamos que, quase sempre, a conversa se entrincheira na lógica do possuir para usufruir felicidade. Os resultados são incontornáveis. Basta querer ver e saber tirar conclusões.

Um novo paradigma tem de marcar a história. Como crentes, nunca podemos calar a verdade do imprescindível encontro com Cristo, para manifestarmos sinais dum outro modo de ser e agir. A sua mensagem desautoriza todo e qualquer tipo de individualismo, que tantas vezes somos tentados a idolatrar.

5. Conclusão

Na verdade, o dinheiro não compra tudo. Só o abraço dado a Deus abre horizontes que não enganam. Caríssima comunidade escolar da Universidade Católica, não será a hora de oferecer à sociedade algo que ela ainda não experimentou?

Que este novo ano seja essa hora!

+ Jorge Ortiga, A. P.

15 de Outubro de 2024, Faculdade de Teologia – Braga.

[1] Cf. Pedrosa Ferreira, Nem só de pão vive o homem.