Arquidiocese de Braga -

16 novembro 2013

CARITAS NA NOVIDADE

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Discurso de abertura do Conselho Geral da Caritas Portuguesa.

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Caritas na novidade

Discurso de abertura do Conselho Geral da Caritas Portuguesa

Um Conselho Geral da Caritas pode ser interpretado de duas maneiras. Por um lado, planear e rever iniciativas concretas perante o real da sociedade e a responsabilidade da Igreja em responder. Por outro, deve tornar-se paragem para entrar no essencial como motor invisível que comanda todas as iniciativas. Na linguagem e mensagem cristã o invisível deve ser o essencial e o espírito que permeia o agir nunca deve ser marginalizado. Nele está a diferença perante tantas outras iniciativas e a coragem perante os desafios que ultrapassam as forças humanas.

Algumas palavras podem ajudar-nos a discernir e a sublinhar o essencial da Caritas. O pensamento grego usava duas palavras que marcavam o modo do relacionamento entre as pessoas: eros e philia. São duas formas de amor diferentes que nos colocam no âmbito da relacionalidade entre as pessoas. O eros é uma forma de amor onde o outro é amado por aquilo que nos dá ou pela deficiência que pode preencher, em âmbitos diversificados. A philia sublinha que se pode dar, num contexto de amizade, mesmo sem receber. Nem sempre importa fazer contas entre o dar e o haver. Se no eros o interesse está ou pode estar subjacente, na philia já expressa a gratuidade embora não dum modo incondicional uma vez que pode terminar quando o outro não corresponde ou rasga os laços que unem e promovem a reciprocidade.

Na vida das pessoas estes dois movimentos são constitutivos e nunca os podemos dispensar. Só que em termos de plenitude não são suficientes. A pessoa humana, consciente ou inconsciente, pretende algo que a transcende e coloca noutro parâmetro. A novidade foi trazida pelo cristianismo e os cristãos, hoje, individualmente e nas suas instituições, devem descobrir ou redescobrir. Não como um mero conceito sobre o qual se disserta com maior ou menos profundidade. Trata-se do Agape. A palavra já existia nos gregos; os primeiros cristãos deram-lhe conteúdo.

O agir do cristão não se deve contentar com o eros e a philia mas deve chegar ao ágape que virá trazer ao relacionamento humano a dimensão da gratuidade, do dom puro e simples na consciência duma vida que, toda ela é, só e apenas, dom recebido. O Papa Bento XVI deixou-nos uma interpretação destas verdades, na “Deus Caritas est”, que teremos de recuperar sempre. Os latinos e os primeiros cristãos traduziram ágape por charitas escrevendo a palavra com um h que não é mudo, no sentido de não se pronunciar, mas que perspetiva horizontes novos e fundamentais para o hoje da Igreja sempre na linha do pensamento de Bento XVI e suporte para uma reflexão profunda do que deve ser a matriz e perfil da Caritas. “Aquela charitas já não era a caritas dos mercadores romanos, que a usavam para exprimir o valor dos bens (o que custa muito, que é “caro”) (hoje tem este duplo significado um preço caro e uma pessoa que me é cara). Mas aquele h queria também recordar que charitas reportava ainda a uma outra grande palavra grega: charis, graça, gratuidade (“Ave Maria cheia de charis”). Não existe ágape sem charis, nem charis sem ágape. Então, a philia pode perdoar até sete vezes, o apage até setenta vezes sete; a philia doa a túnica, o ágape doa também a capa; a philia percorre uma milha com o amigo, o ágape duas, e fá-lo também com o não-amigo. O eros suporta, espera, cobre pouco; a philia cobre, suporta, espera muito; o ágape espera, cobra e suporta tudo”. (Luigino Bruni, Avvenire, 22 de Setembro de 2013).

Encontramo-nos num momento de aplicação do Motu Proprio “Intima Ecclesiae Natura” sobre o Serviço da Caridade. Aí pretendemos reencontrar-nos com a Identidade e a Missão da Caritas. Há um artigo deste Motu Proprio (Art. 9) que pode confirmar quanto referi antes e, quem sabe, criar uma mentalidade de novidade na Caritas para que não se situe exclusivamente na linha da ação social. “O Bispo favoreça, em cada paróquia da sua circunscrição, a criação de um serviço de “Caritas” paroquial ou análogo, que promova uma ação pedagógica no âmbito de toda a comunidade educando para o espírito de partilha e de caridade autêntica”.

Esta citação do “Motu Proprio” deve suscitar muito diálogo no Conselho e nas Caritas Diocesanas. “Promover uma ação pedagógica” e “educar para a partilha e a caridade autêntica” é um itinerário novo que talvez não tenha sido assimilado. É um trabalho diversificado segundo as Dioceses que supõe um encontro com as diferentes instâncias da ação sócio-caritativa com o mero intuito de servir melhor e nunca ancoradas em tradições que podem estar ultrapassadas. A tendência normal consiste em confirmar hábitos e rotinas com iniciativas novas que, graças a Deus, se vão criando. Creio ser urgente discernir o essencial e estar disponível para suscitar nas comunidades um verdadeiro espírito de ágape. A Igreja primitiva deu-nos o exemplo. Saibamos extrair novidade para a atualidade. Haverá iniciativas que devemos deixar, retificação de intenções que teremos de aceitar como verdadeira conversão interior e, quem sabe, suscitar ousadia de entrar um periferias aonde não chegou ninguém deixando terremos que estão a ser calcados por todos.

Auguro uma reflexão coletiva para encontrar-se como o essencial e distintivo da Caritas, hoje. Seremos capazes? Acredito.

Fátima, 16-11-13

† Jorge Ferreira da Costa Ortiga,

Presidente da Comissão Episcopal

da Pastoral Social e Mobilidade Humana