Arquidiocese de Braga -

7 março 2014

QUE FUTURO PARA O SÍNODO DOS BISPOS?

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Conferência na Semana de Estudos de Teologia - Lisboa.

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O Concílio Vaticano II, na atenção aos sinais dos tempos, não esqueceu uma perspetiva histórica e acolheu a lição que os Sínodos e Concílios tinham oferecido em ordem a uma renovação situada no tempo. Daí que sejam poucas as suas palavras mas suficientes para inculcar a experiência sinodal.

  No Decreto “Christus Dominus” afirma-se no número 36: “Este sagrado Concílio Ecuménico deseja que as venerandas instituições dos Sínodos e dos Concílios entrem de novo em vigor, para que melhor e mais eficazmente se atenda ao incremento da fé e à conservação da disciplina nas várias Igrejas, segundo as exigências dos tempos”. Se esta orientação parece orientar-se para as Igrejas Particulares, antes reconhece que a consagração sacramental constitui membros do corpo Episcopal e, como tal, corresponsáveis na comunhão hierárquica, juntamente com a cabeça e todos os membros do Colégio. Recordando a Lumen Gentium, sublinha-se que a ordem dos Bispos é verdadeira “sucessora do colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral” e, nesse sentido, sempre em União com o Romano Pontífice e nunca sem esta, é “sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja”. O Supremo Pastor da Igreja pode convocar para uma ação colegial, Concílio ou Sínodo, para um auxílio mais eficaz, “agindo em nome de todo o Episcopado católico”, e, deste modo, mostra como todos os Bispos, em comunhão hierárquica, são participantes da solicitude de toda a Igreja”[1].

  Nesta orientação, o Sínodo dos Bispos deve mostrar uma solicitude por toda a ação pastoral, tornando-se sujeito, juntamente com o papa, do pleno poder sobre toda a Igreja e testemunhando uma verdadeira corresponsabilidade.

  Os Sínodos regressaram e os temas foram escolhidos e estudados procurando discernir orientações muito concretas para o exercício pastoral do Romano Pontífice. Por vezes, parece que os resultados, consignados habitualmente em Exortações Apostólicas Pós-sinodais, nem sempre refletem quanto se referiu na Aula Sinodal. Se vale o conteúdo destas, são ainda mais importante, as interpelações que surgem e permanecem como possíveis intervenções futuras e orientações para as Congregações, de harmonia com a temática, que manifestarão um acolhimento quotidiano do referido. Ninguém ignora que, no concreto, podem surgir muitas reticências ou resistências que fazem com que as mudanças aconteçam mais tarde e talvez por outros intérpretes. O Espírito permanece e vai-se concretizando a solicitude conforme o Seu tempo que pode não coincidir com o nosso. A insatisfação que, por vezes, parece realista, frutifica mais tarde e no momento e modo que a sabedoria eclesial sabe reconhecer. Creio que muitas das mudanças efetuadas na Igreja aconteceram como sementes lançadas a frutificar nos momentos adequados. Por isso, gostaria agora de partilhar duas experiências pessoais.

A experiência marca-nos

  De 1994 a 1997 a Arquidiocese de Braga esteve empenhada na realização do Sínodo Diocesano. Tive a responsabilidade de ser Secretário-Geral e experimentei todos os seus dinamismos com momentos difíceis mais ligados a vivências de verdadeira alegria eclesial. Houve um período de sensibilização e motivação que culminou com a escolha dum assunto. Durante um ano as comunidades trabalharam diversos temas parciais e responderam a Inquéritos. Também os alheios à vida eclesial e, particularmente, universitários, responderam a um Inquérito intitulado “Têm a Palavra”.

Ao lado da oração, com cartazes e outros sinais exteriores, as comunidades dispuseram-se para esta caminhada sinodal através de Conferências e Assembleias Diocesanas, com mais de 20.000 pessoas, e foram elaborados, como consequência deste clima sinodal, três cadernos sinodais. Foi um ano intenso que foi preparando as comunidades para a constituição de grupos sinodais que trabalharam esquemas temáticos, com reuniões semanais, enviando respostas para o Secretariado-geral. Deve ter sido o momento mais significativo do Sínodo. Daqui surgiu a eleição dos Sinodais que participaram, no terceiro ano, nas Assembleias onde, a partir do Instrumentum Laboris, se apresentavam as diversas conclusões a que se tinha chegado e formulavam as suas Propostas que eram votados através do “concordo/não concordo/abstenho-me”. Só as propostas aprovadas passaram para o livro do Sínodo com um itinerário que parecia capaz de motivar a Arquidiocese para a renovação das Paróquias numa perspetiva evangelizadora. O entusiasmo de determinados momentos e a corresponsabilidade efetiva, particularmente dos Sinodais, temos de o reconhecer, não encontrou muitos resultados concretos. A força da tradição e as dificuldades inerentes à renovação foram desmotivando, e os projetos, em grande maioria, ainda estão por concretizar.

  Tive, mais tarde, a graça de participar em dois Sínodos de Bispos. De 30 de Setembro a 27 de Outubro de 2001, aconteceu a X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos para refletir, sobre a figura do Bispo, Servidor do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo. (O resultado foi a publicação da exortação Apostólica Pastores Gregis, do Papa João Paulo II, no dia 16 de Outubro de 2003). Também participei, de 4 a 25 de Outubro de 2009, na segunda Assembleia Especial para a Africa do Sínodo dos Bispos, interpelada como prolongamento da Assembleia de 1994 que tinha dado origem à Ecclesia in Africa, e esta resultou na Africae Munus sobre a Igreja em África ao serviço da reconciliação da justiça e da paz.

O futuro coloca-nos em questão:

  Para falar do futuro dos Sínodos dos Bispos estas duas experiências, diferentes mas idênticas na dinâmica, diz-me que é urgente retificar processos e encontrar um paradigma diferente. Não poderei falar de sensação de fracasso nem de ausência de liberdade de expressão, nem muito menos falta de vontade dos dois Papas, João Paulo II em 2003 e Bento XVI em 2011 (data da publicação das Exortações Apostólicas), pois a sua presença, em todas as Assembleias Gerais, manifestava muita vontade de ouvir para discernir. Só que, por outro lado e como experiência pessoal, a vastidão dos assuntos contidos no Instrumentum Laboris diversificava, em demasia, as intervenções e as propostas elaboradas em grupos menores que procuravam ser o mais possível abrangentes de todas as questões. A comunhão era afetiva no conhecimento mútuo, pessoal e das igrejas particulares, e efetiva no empenho que todos denotavam. Talvez os representantes da Cúria, nas suas intervenções e não por outros meios, procurassem sublinhar determinados aspetos que muitos interpretavam duma maneira defensiva daquilo que era o habitual. As votações eram absolutamente livres mas correspondiam ao ambiente que se ia criando. Daí que, o aspeto mais referenciado, fosse sempre, num caso e noutro, a preocupação pela elaboração da mensagem final que, normalmente dum modo feliz, deixavam palavras de alento e perspetivação duma pastoral que deveria ser diferente.

  Não sei se é ousado esperar que o próximo Sínodo, para já com a novidade de duas Assembleias, possa interromper um tipo de percurso e encontrar um modo de agir mais incisivo e atento à voz do Espírito. A presença de leigos, homens e mulheres, sempre aconteceu. Espero que seja intensificada e alargada a quem poderá pensar de modo diferente e com experiências de vida diversas.

 

Papa Francisco, nova esperança

Colocando de lado a minha experiência pessoal e olhando para o futuro, quero referir quanto o Papa Francisco diz em relação à missão do Bispo na sua diocese. Pode parecer a despropósito, mas como ele gosta de se chamar Bispo de Roma, na consciência de ser sucessor de Pedro, creio vir a propósito.

“O Bispo deve favorecer sempre a comunhão missionária na sua Igreja diocesana, seguindo o ideal das primeiras comunidades cristãs, em que os crentes tinham um só coração e uma só alma”, lemos no livro dos Actos dos Apóstolos.[2] Para isso, às vezes pôr-se-á à frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo, outras vezes manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua proximidade simples e misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que se atrasaram e sobretudo porque o próprio rebanho possui o olfato para encontrar novas estradas. Na sua missão de promover uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, deverá estimular e procurar o amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo. Mas o objetivo destes processos participativos não há de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho missionário de chegar a todos.”[3]

Como Bispo, o Papa sente de favorecer a comunhão, que em seu entender, deve ser especificada de missionária, através de três atitudes muito sugestivas. Para poder ir à frente, indicando o caminho e suscitando esperança, precisa de se situar no meio através duma proximidade concreta e simples sem ter medo, também, de ir atrás seguindo o caminho traçado pelo rebanho e ter a possibilidade de discernir o desalento ou desencanto do povo e, humildemente, reconhecer que “o próprio rebanho possui o olfato para encontrar novas estradas”. É nesta tríplice atitude que assume a vontade duma “comunhão dinâmica, aberta e missionária” com o dever de dar importância nova aos organismos de participação, expressão da comunhão eclesial e testemunho da validade dum procedimento que valoriza toda e qualquer forma de diálogo envolvendo a todos e não somente as vozes simpáticas a falar para agradar.

Espírito da Evangelii Gaudium

Na sua primeira experiência de recolha do material do último sínodo, o Papa Francisco quis indicar os percursos a percorrer para confirmar a validade e importância dos Sínodos. Refere o Santo Padre: “Com gosto, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação. Para o efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo, além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar «descentralização».[4]

Não é possível descrever dum modo mais claro o que entende por sínodo: recolher a riqueza dos contributos que lhe foram fornecidos, ouvir o parecer de pessoas comprometidas e entendidas na matéria e acrescentar o seu cunho pessoal partilhando as suas perceções e interrogações. Há aqui uma tríade que confirma que o Sínodo não fica, nem deve ficar, nas conversas da Sala Sinodal.

Possíveis ideias a configurar o futuro

Uma ideia está patente em diversas interveniências: o desejo de proceder a uma “descentralização” para que o ministério petrino aconteça quando deve acontecer e alicerçado no pensar dos outros.

Creio que estamos a assistir a uma reconfiguração eclesial. Há modelos ultrapassados e teremos de intuir a verdade através de factos concretos onde se procura olhar para o essencial. E deste modo, encontramos na simplicidade duma verdade inequívoca: Deus, que é amor, toma a iniciativa seduzindo e apaixonando-se pela humanidade concreta e real de modo que inquiete o ser humano para que se ultrapasse a si mesmo e cresça na alteridade do dom de si para uma concretização sacramental de Cristo presente, na comunidade cristã, realizada pela caridade fraterna universal, inclusiva de todos e preferencialmente dos mais débeis e deixando-se trabalhar para promover a unidade entre todos os povos.

No essencial, reconhecemos que a Igreja deverá ousar percorrer caminhos marcados por uma profunda flexibilidade sempre na fidelidade à tradição, mas também às inúmeras mudanças. Trata-se duma Igreja ancorada em diversas comunidades que crescem em comunhão entre si, mas onde o “institucional” sem perder a sua relevância, cede a primazia ao amor como resposta às inquietações. Aí se mostrará que o Evangelho é relevante, tem significado e dá sentido à vida das pessoas, mas frutifica em ambientes diferentes. Pela experiência da caridade a Igreja ilumina e as pessoas caminham à luz do Ressuscitado.

Esta reconfiguração da Igreja dará importância “mais ao tempo que ao espaço, mais à unidade que ao conflito, mais á realidade que à ideia, mais ao todo que à parte”[5]. Tudo verdade mas sempre na lógia do real que exigirá, no enquadramento reflexivo, temas mais concretos e locais, mais existenciais que gerais. Os temas poderão ser menos globais ou, sendo-o, abordados sempre em termos de proximidade. Isto nunca diminuirá a unidade mas fará resplandecer o diferente e diverso de todos os seres humanos. Nunca deveria bastar estudar os assuntos. A Igreja deve assumir o quotidiano de todo o povo e apresentar-se como paladina duma reeducação do mesmo povo para que se comprometa e não se contente em apoiar-se num passado histórico a defender.

A reconfiguração a partir do Discernimento da Sinodalidade

Direi que o futuro da Igreja passará por um caminhar, no meio do povo, discernindo dum modo sinodal.  Discernimento e sinodalidade serão, assim o entendo, palavras a reinterpretar. Li, há dias, a análise de dois teólogos espanhóis à entrevista concedida pelo Papa às revistas dos Jesuítas e que tanto deram que falar em interpretações parciais.

O teólogo Juan Massiá, partindo duma resposta do Papa Francisco na referida entrevista afirma: “Sim, este buscar e encontrar Deus em todas as coisas deixa sempre uma margem à incerteza. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com uma certeza total e nem lhe surge uma margem de incerteza, algo não caminha bem. Se alguém tem respostas para todas as perguntas, estamos diante de uma prova de que Deus não está com ele”. A partir daqui, Juan Massiá sublinha a atitude de discernimento como característica do pensamento do Papa Francisco e pressuposto indispensável para a pastoral da Igreja. “Francisco não gosta de reivindicar o monopólio da meta. Deus, disse, encontra-se no caminho”. O tradicionalismo restauracionista cristão, que “deseja tudo claro e seguro”, não o convence. Entre linhas, vislumbramos que ele não irá pregar certezas absolutas para enfiá-las na cabeça de um público fanático. Sabe que se expõe a desapontar os fundamentalistas e antecipa a crítica daqueles que o receiam como relativista.

Deus é sempre uma surpresa e jamais se sabe como encontra-lo, porque não somos nós quem fixa o tempo, nem o lugar para encontrar-se com Ele. É preciso discernir o encontro. E por isso, o discernimento é fundamental.

Se o discernimento é o fundamental e Deus se encontra no caminho, a sinodalidade é o percurso indiscutível. Caminhar juntos, fazer a junção de caminhos (as duas interpretações etimológicas do Sínodo) será o futuro da Igreja e isto garante o futuro dos Sínodos.

Isso mesmo afirma José Maria Castillo partindo dum dado histórico. Com efeito, recorda, depois das perseguições levadas a efeito pelo Império Romano, a Igreja necessitava de sistematizar as suas doutrinas. Foram os Concílios que as promoveram ultrapassando dificuldades e cismas.

Depois do período obscuro dos séculos X e XI, os problemas refletiam-se mais nos costumes e na moral. Os Papas, os Cardeais e os Bispos eram autênticos príncipes preocupados com a preponderância e poder material. As investiduras significaram outro desafio onde a onda da simonia e os outros males dominavam as atitudes. Os príncipes nomeavam os Bispos e estes sentiam-se no dever de se submeter aos mesmos jogos da corte. Aparece Gregório VII, com a chamada Reforma Gregoriana, que decide acabar com esta situação, procurando concentrar todo o poder no Papa através dum modelo que Yves Congar formula o seguinte modo: “Obedecer a Deus significa obedecer à Igreja e isto, por sua vez, significa obedecer ao Papa e vice-versa”. Mas aparece uma nova cultura, formulada pelo monge Hinemano de Reims do seguinte modo: “A Igreja expressa-se em plenitude nos concílios ecuménicos, regulando a sua história por meio dos sínodos em que se reúnem os bispos de uma determinada região”, e que José Maria Castillo sintetiza: “o que quer dizer que o governo ordinário da Igreja não era gerido a partir de Roma mas mediante os sínodos locais, que eram presididos pelos bispos de uma região. Sempre tomando as decisões democraticamente, com a participação de todos os membros de cada sínodo local. As nomeações de bispos, as leis litúrgicas e canónicas, etc. eram adotadas nos sínodos. A Igreja não tinha estrutura de governo “curial”, mas “sinodal”. Somente assim eram conhecidos os problemas que se precisava resolver, tornando-se as decisões adequadas. Deste modo, aquela Igreja contou com uma vida crescente durante mil anos.”

Estas citações parciais levam-nos à conclusão de que o projeto da Igreja em discernimento acontece dum modo sinodal. Nunca como nos primeiros tempos nem como em plena Idade Média. Os métodos são diferentes, o processo será igual. A título de exemplo, é sintomático quanto o Papa Francisco afirma: “Os dicastérios romanos estão ao serviço do Papa e dos Bispos: têm que ajudar as Igrejas particulares e as Conferências Episcopais. São instâncias de ajuda. Mas, em alguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco de se converterem em organismos de ortodoxia que chegam a Roma. Penso que quem deve estudar os casos são as conferências episcopais locais, às quais Roma não pode servir de valiosa ajuda. A verdade é que os casos são tratados melhor no próprio local. Os dicastérios romanos são mediadores, não intermediários nem gestores.”[6]

Aqui encontramos um índice daquilo que poderá ser o futuro dos sínodos dos Bispos. Mas, convém acrescentar que no dia de São Pedro, 29 de Junho, o Papa definiu “a vida da sinodalidade como o caminho que conduz a Igreja unida “a crescer em harmonia com o serviço do primado”. Em consequência, a minha pergunta é esta: Como conciliar harmoniosamente primado petrino e sinodalidade? Que caminhos são praticáveis, inclusive na perspetiva ecuménica? “Devemos caminhar juntos: bispos e o Papa. Devemos viver a sinodalidade em vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a atual parece-me estática. Isto poderá também ter valor ecuménico especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender mais sobre o sentido da colegialidade episcopal sobre a tradição da sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governa a Igreja nos primeiros séculos, antes da rutura entre Oriente e Ocidente, acabará dando frutos”. “Temos de caminhar unidos nas diferenças; não existe outro caminho para nos unirmos. O caminho de Jesus é este.”

Sínodo, comunhão Dinâmica, aberta, missionária

Creio não haver dúvidas. A Igreja terá de recuperar o passado[7], reinterpretando a sinodalidade em termos diferentes a nível local e mundial. Rever o funcionamento do sínodo é o caminho e há três palavras que quero “ler” que repesco duma citação feita no início. São aplicadas aos Bispos. Eu aplico-as ao papa e ao modo que deseja uma Igreja comunhão.

O lugar do Papa na Igreja também pode ser colocado nessas três perspetivas: ir à frente, estar no meio, caminhar atrás. Cada uma destas dimensões pode exigir muito de concreto desde que exprima uma “comunhão dinâmica, aberta e missionária”.

Sínodo – Comunhão Dinâmica

Toda a Exortação Apostólica vive desta interpelação. Penso, porém, tudo se resume ao “prazer espiritual de ser povo”[8] (E.G. 268-274). “Ser povo” é sinónimo de estar próximo para conhecer o real e o concreto dos problemas, saber que Cristo nos conduz para o “coração do povo”. Proximidade que vê todos os contextos e que se apercebe das chagas, “tocando a miséria humana” para lhe oferecer respostas. Isto diz que os assuntos dos sínodos não poderão continuar, quase dum modo exclusivo, a abordar questões de estrutura eclesial mas que deverão nascer do mundo que, ansiosamente, espera uma resposta.

Mas o prazer de ser povo, não pode ficar só nos temas. Tem de chegar aos intérpretes que devem ser mais diversificados. A presença de alguns representantes leigos deve aumentar e, quem sabe, ir para além dos espaços eclesiais onde o génio feminino deverá ter maior consideração. Cito de novo o Papa, no elucidativo nº 273 da Evangelium Gaudium: “A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto se revela a enfermeira autêntica, o professor autêntico, o político autêntico, aqueles que decidiram, no mais íntimo do seu ser, estar com os outros e ser para os outros. Mas se uma pessoa coloca a tarefa de um lado e a vida privada do outro, tudo se torna cinzento e viverá continuamente à procura de reconhecimentos ou defendendo as suas próprias exigências. Deixará de ser povo”.

Sínodo – Comunhão aberta

Quando se reconhece que os sínodos têm sido caracterizados por uma atitude estática, muito fechada, onde as proposições – como o que de mais visível se vê – continuam mergulhadas num secretismo - embora neste último já não tenha acontecido assim – estamos a pedir uma abertura de alguém que não pretende respostas dogmáticas mas que se escancara ao hoje da história humana a que o espírito deve responder.

Interpreto este espírito de abertura quando o Papa pretende uma “Pastoral em conversão”. Não se fala da conversão como dinâmica de mudança de vida. A Pastoral é movimento para “não deixar as coisas como estão”, uma vez que já não nos serve uma “simples administração” a mudar mas que teremos de prosseguir em “estado permanente de missão em todas as regiões da Terra”[9]. Não ter medo das questões a abordar para mudar efetivamente e com a coragem devida. (Para confirmar esta abertura, o Papa serve-se de Paulo VI. “Paulo VI convidou a alargar o apelo à renovação de modo que ressalte, com força, que não se dirige apenas aos indivíduos, mas à Igreja inteira. Lembremos este texto memorável, que não perdeu a sua força interpeladora: «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (...). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5,27), com o rosto real que a Igreja apresenta hoje. (...) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de si mesmo.» E recorda o Vaticano II. “O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: «Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação. (...) A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma.”[10]

Sínodo – Comunhão missionária

Toda a Exortação Apostólica se orienta neste sentido. “A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja”. “Escolhi diretrizes que possam encorajar e orientar, em toda a Igreja, uma nova etapa evangelizadora.” Necessitamos, por isso, de colocar os sínodos neste enquadramento, que deve ser muito mais aprofundado, duma “Igreja em saída” que pretende colocar a Igreja nas pegadas de Cristo onde “estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova “saída missionária” onde a “dinâmica do êxodo e do dom” do “sair de si mesmo”, do “caminhar e semear sempre de novo, sempre mais além”, nunca pode ser esquecida. “fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnância e sem medo”[11].

Transpondo isto para os Sínodos veremos que devem ser muito mais abrangentes nos temas e nas pessoas que os integram. Desta vez já se conseguiu ouvir o povo dum modo mais amplo e se acolheram opiniões de todos os quadrantes. Talvez ainda não tenha sido o ideal por falta duma experiência de diálogo, de convicção de que vale a pena participar, pronunciar-se na certeza de que tudo é tido na devida consideração. Não podemos deixar de reconhecer que há muitas periferias onde a Igreja ainda não chegou. Não me refiro só à categoria de pessoas. Estou a pensar nos temas e nos assuntos que deverão pertencer à agenda. Esta atitude missionária, num passado, olhava para os espaços que ainda não tinham acolhido a mensagem de Cristo. Hoje, as pessoas com os seus problemas não podem ser ignoradas. Com isto não me refugio na atitude de ceder na verdade enveredando pelo relativismo ou alheamento à dimensão transcendental. A luz do Evangelho, acolhida na intimidade com Cristo, pode chegar às Samaritanas de hoje ou ao desconsolo dos discípulos de Emaús. Trata-se duma atitude incarnacionista que eleva, servindo-se da cultura e ciência, para um âmbito que nunca se desconsidera.

Conclusão

Concluindo, direi que é oportuno chegar a uma mudança de paradigma no modo de ver a Igreja. Existia um modelo multisecular que não se coaduna com a atualidade. Devemos permitir que emirja um novo modelo ainda que lentamente na linha do crescimento da semente lançada à terra. Numa sociedade que aspira a ser democrática mas que esbarra com tantas condicionantes, em todos os países, a Igreja deve acolher uma transição deixando-se dominar por uma visão comunitária, ou seja, trinitária.

Alguém dizia que tudo se pode concentrar em duas passagens.

- Passar dum paradigma duma Igreja-Estado, iniciada com o imperador Constantino, a uma Igreja minoria criativa no verdadeiro sentido bíblico, ou seja, como fermento no meio da massa, como sal na comida, como luz no mundo.

- Passar dum estruturação marcadamente vertical, piramidal, a uma Igreja do Cenáculo onde estavam os Apóstolos na sua diversidade de dons e competência, fiéis a Pedro, mas juntamente com Maria representando a comunidade. Seria como que a conjugação entre a dimensão hierárquica com a carismática, que acolhe o Espírito para partir falando todos as línguas dum modo mais compreensível, que todos possam acolher.

Será este o futuro dos Sínodos?

A Conferência Episcopal Italiana, por decisão dos habituais encontros nacionais, elaborou uma Nota Pastoral intitulada “Con il dono dela caritá dentro la storia”, para Palermo em 1996. Aí afirmam algo de importante sobre o discernimento como expressão dinâmica da comunhão eclesial e método de formação espiritual, de leitura da história e da projeção pastoral. A Palermo foi fortemente recomendado o discernimento comunitário.

Para que seja autêntico, deve compreender os seguintes elementos: docilidade ao Espírito e humilde procura da vontade de Deus; escuta fiel da palavra; interpretação dos sinais dos tempos à luz do Evangelho; valorização dos carismas no diálogo fraterno; criatividade espiritual, missionária, cultural e social; obediência aos Pastores, a quem compete disciplinar a procurar e dar a aprovação definitiva.

Assim entendido, o discernimento comunitário torna-se uma escola de vida cristã, um caminho para desenvolver o amor recíproco, a corresponsabilidade, o inserir no mundo a começar pelo lugar de cada um. Edifica a Igreja como comunidade de irmãos e irmãs, iguais na dignidade, mas com dons e missões diversos, delineando uma figura que sem desviar-se para impróprios democraticismos e sociologismos, torna-se credível na hodierna sociedade democrática.

Lisboa, 26-02-2014

† Jorge ortiga, A.P.



[1] Christus Dominus, 5.

[2] Act 4,32.

[3] Evangelium Gaudium, 31.

[4] F, Evangelium Gaudium, 16.

[5] Cf. Evamgelium Gaudium, 222-237.

[6] Cf. Evangelium Gaudium, 32.

[7] José Maria Castillo parte duma afirmação: “O futuro da Igreja está na recuperação do seu passado. O passado que nos leva diretamente ao Galileu, Jesus de Nazaré. Se não partirmos por este caminho, a Igreja não irá a lugar algum. Se o Evangelho é o centro, o decisivo não será a religião.”

[8] Cf. Evangelium Gaudium, 268-274.

[9] Cf. Evangelium Gaudium, 25.

[10] Cf. Evangelium Gaudium, 26.

[11] Cf. Evangelium Gaudium, 23.