Arquidiocese de Braga -

19 abril 2014

NÃO TER MEDO DE SUBIR!

Fotografia

Homilia de D. Jorge Ortiga na Vigília Pascal.

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Não ter medo de subir!

Homilia na Vigília Pascal

1. Experiência Humana

Quando visitamos a cidade de Braga, não conseguimos ficar indiferentes ao Santuário do Bom Jesus. Trata-se de uma autêntica catequese artística com início no Escadório, que ajuda o peregrino a encarnar em si toda a avenida da História da Salvação, acabada de ser relida há pouco na Liturgia da Palavra. O problema é que muitos peregrinos ficam-se pelo Santuário do Bom Jesus, contemplando aquele momento cruel da crucifixão por detrás do altar, e (por desconhecimento talvez) “recusam-se” a subir mais um pouco até à Capela da Ressurreição, situada atrás do Santuário.

2. Liturgia da Palavra/Reflexão Teológica

Partindo desta imagem, há um perigo que corremos muitas vezes no caminho teológico, semelhante a este percurso: o de ficarmos apenas pela Cruz, ou seja, o de separar a Cruz de Cristo da Sua Ressurreição.

É que se ficarmos pela Cruz, a mensagem cristã parece simplesmente mais uma história banal, onde a Cruz é a consequência natural daqueles que ousam perturbar o sistema político-religioso. E se olharmos apenas a Ressurreição, a mensagem cristã parece mais uma epopeia clássica (mitologia da vitória), com a divinização de um homem desligado do seu realismo.

A fé leva-nos mais longe. A Ressurreição exige de nós mais que um assentimento intelectual. Exige um assentimento existencial, na medida em que a Ressurreição deve ter lugar dentro de nós, ainda hoje, e obriga-nos a compreender e habitar a realidade de um outro modo. E não acreditar na Ressurreição é viver como se a Cruz fosse uma grande desilusão.[1] Só assim compreendemos as palavras de Paulo na segunda leitura: “Fomos sepultados com Ele pelo Baptismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou (…), também nós vivamos uma vida nova.”

3. Desafios Pastorais

A vida nova não é algo estruturado dum modo definitivo. É tecida todos os dias entre enigmas e interrogações, certezas e dúvidas. Daí que seja importante o que o Papa João Paulo II, na encíclica Fides et Ratio, publicada a 14 de Setembro de 1988, aborda a relação entre esta fé (como dom divino) e a razão (como pensamento humano), as quais definem-se como que as duas asas através das quais o Homem descobre a verdade sobre Deus, sobre si próprio e sobre o mundo. Aborda ainda nesse documento a relação entre a Filosofia e a Teologia, ou seja, entre os dados filosóficos e os dados da Revelação cristã, mostrando a compatibilidade entre o pensamento racional e a fé cristã e apontando Jesus como o protótipo do Homem-Novo que os cristãos são chamados a descobrir.

O cristão não tem medo de pensar e de se confrontar com o diverso. Não ignora os parâmetros duma cultura que se encerra na dimensão que a inteligência é capaz de compreender. Se a fé é uma doutrina, sabe que ela se vai tornando compreensível percorrendo as duas estradas com um sentido unido. Reflete-se na abertura ao transcendente e simultaneamente caminha-se por entre multidões com um estilo verdadeiramente conformado com Cristo, o Homem-novo, isto é, de todos os tempos.

Caminhando entre os homens, sabemos, ou devemos saber, dar razão das nossas certezas, proclamando-as na ousadia de quem respeita mas não se conforma com modelos de vida enganosos. Se parece que crescem os não crentes, deve crescer, também, o testemunho e a palavra do crente que, ouvindo todos os argumentos dos outros, sabe crescer no diálogo que esclarece, que nunca marginaliza ninguém, que ouve desapaixonadamente para proclamar com paixão o que vive na caridade e celebra em comunidade. Os primeiros incrédulos da Ressurreição de Jesus, ou seja, da perenidade do seu estilo de vida, foram os que caminharam com Ele e o aplaudiram. Hoje as comunidades devem partir ao encontro dos que saíram, ouvir as razões, entrar em sintonia e mostrar que o amor a uma pessoa – Cristo – não é destruído nem sequer pela morte.

O evangelho diz-nos ainda que a pedra da morte, que bloqueava a entrada no sepulcro só foi transponível graças à mão do Senhor, personificada na figura do Anjo. Por isso, não tenhamos medo de subir mais além da Cruz de Cristo e de saborear a luminosidade da Sua Ressurreição, pedindo a Deus a alegria da fé, a qual é a única capaz de transpor as pedras da morte, da desilusão e do medo que paira muitas vezes sobre as nossas vidas. A fé deve, na verdade, tornar-se alegria, festa.

E não esqueçamos outro pormenor: o maior atentado à nossa vida cristã é o “pecado da instalação”. Daí que a Ressurreição nos exija um movimento de saída para mudarmos a realidade e não conformarmo-nos com ela. Estar com o mundo e mostrar-lhe a compatibilidade entre a fé e a razão é um dever. Mas, nunca o esqueçamos, colocar no mundo o fermento do Evangelho é mostrar que ele é, de verdade, Evangelho da alegria para todos, quando nós, os católicos, descortinamos, com aprofundamento reflexivo, a alegria do Evangelho. O Papa Francisco alerta para o facto de que “há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (EG 6)

4. Conclusão

Peçamos então ao Senhor que nos conceda a “alegria da fé” para reaprendermos a arte de viver com qualidade cristã “e que o mundo do nosso tempo, que procura, ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa-Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descorçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja Vida irradie fervor, pois foram quem primeiro recebeu em si a alegria de Cristo” (EG 10)

+ Jorge Ortiga, A.P.

19 de abril de 2014.



[1] Cf. Tomas Halik, Paciência com Deus, 189-194.