Arquidiocese de Braga -

28 março 2013

A OITAVA MARAVILHA DO SACERDÓCIO

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Homilia na Missa Crismal de Quinta-feira Santa.

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A oitava maravilha do sacerdócio

Homilia na Missa Crismal

1. Na celebração do ano passado anunciei-vos publicamente as sete maravilhas do sacerdócio, a saber: a fé, a pobreza, o celibato, a obediência, a alegria, a oração e a unidade. Porém, neste Ano da Fé, gostaria de acrescentar uma oitava maravilha, como sendo a meta da nossa vida sacerdotal: a santidade.

É verdade que não é fácil ser sacerdote nos dias de hoje, todos o sabemos! Aliás, nenhum de nós sabia em que é que se estava a meter, quando Jesus nos disse pessoalmente: “Vem e segue-me”! Diante das exigências, falhas ou incompreensões pastorais, próprias da agenda de um sacerdote, facilmente caímos em duas opções: ou adoptarmos um estilo de vida sacerdotal marcado pela mediocridade ou correspondermos às exigências duma relação nascida como alguém que “fixou nele o olhar e amou profundamente”.

Por isso, com base no n.º 12 da Presbyterorum Ordinis, eu creio que a santidade é o itinerário realizador duma vida pessoal feliz e dum ministério fecundo. [1] Na sua primeira homilia, na Capela Sistina, o Papa Francisco não podia ser mais claro: “Quando caminhamos sem cruz, construímos sem cruz, confessamos Cristo sem cruz, não somos discípulos do Senhor. Podemos ser bispos, padres, cardeais, Papas, tudo! Mas certamente não somos discípulos do Senhor".

Ora, a santidade não é um produto que se factura num comércio de canonizações, como sugere o humorista Ricardo Araújo Pereira [2] , mas uma autêntica arte de viver. Muitas vezes achamos que a santidade é algo de utópico, mas não!

A santidade sacerdotal define-se como um viver fielmente na tensão entre a oração e o ministério, entre os actos pastorais e os administrativos, entre o desporto e a música, entre a multidão e a solidão. [3] O sacerdócio é o nosso lugar de santificação, não temos outro!

Há 50 anos, no final da celebração de encerramento do Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI entregou a todos os bispos conciliares, curiosamente, a obra “Estímulo dos Pastores”, da autoria do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires, da qual gostaria de exportar esta frase: “Caros sacerdotes, ficai sabendo que a tranquilidade da vossa consciência depende do cumprimento de três coisas: a pregação, o exemplo e a oração. Mas das três, a mais importante é a oração pois, embora a pregação e as obras sejam virtudes necessárias, só a oração consegue graça e eficácia para as obras e a pregação”.

O Conselho Pastoral Arquidiocesano, para este quinquénio pastoral, lançou o objectivo de cada um “redescobrir a sua identidade cristã”. Será um objectivo arquidiocesano se for, antes de mais, um objectivo pessoal e, naturalmente, em primeiro lugar dos sacerdotes.

Esta triologia apresentada pelo Frei Bartolomeu dos Mártires deve ser uma síntese da nossa acção sacerdotal. Centralizamos a missão no anúncio que reconhecemos deve ser novo porque não podemos pressupor a fé no nosso contexto eclesial repleto de religiosidade, mas porque temos de ser ousados no estilo e nas formas. O Evangelho não está no coração das pessoas, da cultura e da sociedade. Mas, se só vivemos para o anúncio, ele é mero discurso pouco apetecível; sem o exemplo da fidelidade e coerência é simples tarefa, nem sempre bem desempenhada; só a oração consegue imprimir-lhe profundidade de conteúdos.

Logo, será pertinente repensar a vida da oração pessoal, a vivência serena e sagrada da eucaristia, a necessidade de um retiro anual, saborear o perdão de Deus no sacramento da reconciliação. Neste processo de interioridade encontraremos o essencial da vida como exemplo para a contemporaneidade, que já não acredita em palavras mas quer ver um Cristo vivo e operante na história quotidiana, que toca incisivamente os corações dos homens.

2. Neste sentido, no dia da nossa ordenação, fizemos publicamente o juramento de amar e respeitar a Liturgia das Horas na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.

É certo que muitas vezes cometemos adultério com a Liturgia das Horas, mas não podemos desconsiderar o potencial desta oração, que nos proporciona uma viagem low-cost até Deus. E nesse encontro com Ele, “de nada nos adianta oferecer-lhe alguns pensamentos, lamúrias ou intenções moralistas, porque Ele apenas nos convida a um diálogo sem censuras: um diálogo onde nós rezamos tudo aquilo que somos.

Em suma, a oração é uma conversão de atitude, na qual passamos a desejar a vontade de Deus, [4] como o evangelho de hoje assim o comprova: nós somos apenas instrumentos de acção do Espírito Santo, que nos unge a anunciar a Boa-Nova!

3. O logotipo do Ano da Fé, que estamos a celebrar, descreve a Igreja como uma barca. Partindo desta imagem, ficamos num dilema: se preferirmos fugir dela e saltar fora, afogamo-nos; e se não a mudarmos com um novo ardor, ela afunda-se connosco lá dentro.

Se o Papa Bento XVI terminou o seu pontificado com a expressão “Obrigado a todos!”, nós também queremos agradecer ao Santo Padre por este ter ensinado a Igreja a enfrentar os (graves e grandes) problemas com prudência, determinação e inteligência.

Deste modo, o novo paradigma social europeu, no qual nos inscrevemos, parece querer reduzir a visibilidade sociológica da figura do sacerdote, e nisto a comunicação social tem sido perita. Mas a perda deste estatuto social, outrora conquistado, exige-nos uma revolução coperniciana: passar da visibilidade social à proximidade pessoal. [5] Assim, a nova-evangelização emerge como uma nova plataforma para vivermos a nossa santidade e um caminho que evitará o naufrágio desta barca.

Os areópagos desta acção são diversos: a liturgia, a caridade, a universidade, a imigração, a comunicação social, a catequese de adultos, o diálogo inter-religioso e a cultura. [6]

4. Não é tarefa fácil! Se o Beato Frei Bartolomeu dos Mártires quis colocar nas mãos dos sacerdotes um livro que é um programa de vida – gesto que o Papa Paulo VI repetiu – aceitai o meu estímulo, para que sejais bons pastores, e permiti que vos agradeça o empréstimo que me fazeis das vossas mãos, a mim, vosso Bispo, que sou o primeiro responsável pelo Povo de Deus nesta Arquidiocese, em cada comunidade paroquial: essas mãos que abençoam, que baptizam, que perdoam os pecados, que consagram o Pão e o Vinho, que abençoam os casais em matrimónio e que ungem os doentes para que sejam confortados pela graça de Cristo! [7]

No estímulo mútuo e na gratidão, rezo ao Senhor pelos sacerdotes que já partiram para a Casa do Pai:

Lino de Sousa (08-05-2012)

João José Gomes de Macedo (16-06-2012)

Adérito Francisco da Costa Ribeiro (15-09-2012)

José de Miranda Sousa (01-10-2012)

Joaquim Azevedo Mendes de Carvalho (07-10-2012)

António Joaquim Ferreira Mendes (18-10-2012)

Arlindo Chaves Torres (13-11-2012)

Manuel Oliveira Veloso (15-11-2012)

Álvaro Joaquim Nogueira (07-01-2013)

Américo Ferreira Alves (21-03-2013)

e dou graças pelos operários da messe, de um modo especial:

- Pelos sacerdotes ordenados no último ano:

Francisco Xavier Gomes Oliveira (15-7-2012)

António Rafael Moreira Poças (15-7-2012)

Nuno Fernando Vilas Boas (15-7-2012)

Feliciano Azevedo de Oliveira (15-7-2012)

- Pelo Pe. Abel Joaquim Martins Maia (1988-07-03), que celebra as bodas de prata.

- E pelos sacerdotes que celebram as bodas de ouro:

Avelino Alberto Gonçalves Vilela (1963-07-14)

José Gomes da Silva Araújo (1963-07-14)

Aníbal Ramoa dos Santos (1963-07-14)

Adelino de Sousa Lopes (1963-07-14)

João Francisco Ribeiro (1963-07-14)

Eusébio Esteves Baptista (1963-08-15)

José Gomes da Cunha (1963-08-15)

João da Costa Rego (1963-12-08)

5. Para terminar, e em comunhão com o Santo Padre, gostaria de recordar as palavras do Papa Francisco, no dia de abertura do seu pontificado, aplicando-as ao nosso modo de ser sacerdote nos dias de hoje: “não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé (…) e acolher, com afecto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos…”

Seguindo este programa de vida, sabemos que trilhamos a rota da santidade. E sabemos que esta oitava maravilha pode-nos oferecer, no final da vida, um destino bem diferente do destino daquele sacerdote da peça-teatral “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente.

Que o Beato Frei Bartolomeu dos Mártires a todos nos proteja e nos estimule em prol da desejada renovação eclesial, que se inicia com a reconquista da nossa santidade sacerdotal.

+ Jorge Ortiga, A. P.

Sé Catedral de Braga, 28 de Março de 2013.



[1] Cf. José Tolentino Mendonça, Nenhum caminho será longo, 214.

[2] Cf. Ricardo Araújo Pereira, Mixórdia de Temáticas, 198-199.

[3] Cardeal Seán O’Malley, Anel e Sandálias, 81.

[4] José Tolentino Mendonça, O tesouro escondido, 78.

[5] José Tolentino Mendonça, O hipopótamo de Deus e outros textos, 56.

[6] Rino Fisichella, A nova evangelização, 75-91.

[7] Cf. D. Jorge Ortiga, Nessun dorma. Homilia nas ordenações presbiterais 2012.