Arquidiocese de Braga -

31 março 2013

O ROTEIRO DA FÉ

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Homilia no Domingo de Páscoa.

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O roteiro da fé

Homilia no Domingo de Páscoa

Liturgia da Palavra

1. Na vida nós somos confrontados com inúmeras perguntas. Depois de escutarmos o evangelho de hoje há uma pergunta perturbadora que emerge: será que realmente temos provas de que Jesus ressuscitou? Ou isto tudo é uma invenção da Igreja para enganar e fidelizar os seus fiéis?

Por isso, com o intuito de compreender um artigo do nosso Credo, permiti que vos ofereça agora cinco argumentos históricos/literários, que justificam este facto.

Reflexão teológica

2. Em primeiro lugar, o facto de o sepulcro estar vazio, após a sepultura do corpo de Jesus no dia anterior, como escutávamos no evangelho, quando havia uma lei romana que impedia a violação e profanação dos sepulcros, sob pena de condenação à morte dos infractores. Logo, exclui-se a hipótese de o corpo ter sido roubado pelos apóstolos,  como andavam a afirmar os judeus.

Um segundo argumento diz respeito às Escrituras, isto é: a ressurreição não é uma invenção criada pelos apóstolos, mas um facto que está de acordo com as Escrituras, como sendo o cumprimento das profecias do Antigo Testamento e das próprias Palavras de Jesus.

Um outro argumento refere-se aos relatos históricos. Ou seja, não é só a Bíblia que refere historicamente a ressurreição de Jesus, mas vários escritores romanos (Plínio) e judeus (Flávio Josefo) da época, relatam também que os seguidores de Cristo afirmam que Ele ressuscitou, comprovando assim a historicidade das personagens e dos acontecimentos.

Um quarto argumento foca-se nas várias aparições de Jesus Ressuscitado: quer seja a Maria Madalena no horto, aos Discípulos de Emaús na sua casa, aos Apóstolos, nomeadamente a Tomé toca nas feridas, e quer ao próprio S. Paulo, o zeloso fariseu que, em virtude dessa aparição, viria a tornar-se no grande apóstolo dos gentios.

Um último argumento consiste na acção dos apóstolos, como escutávamos na primeira leitura. É que se Jesus não tivesse ressuscitado e aparecido, eles nunca teriam arriscado a vida ao saírem a anunciar pelo mundo a Ressurreição de Jesus, caso não tivessem essa certeza, bem como não haveria multidões a abraçar a fé cristã ao longo destes séculos. Como refere Bento XVI, “só um acontecimento real de uma qualidade radicalmente nova era capaz de tornar possível o anúncio dos apóstolos” [1] .

E por tudo isto, exclui-se a possibilidade de a ressurreição ser um mito bíblico ou uma invenção da Igreja, porque ela foi na verdade um facto real, fruto de uma leitura crente destes argumentos históricos.

Desafios pastorais

3. De facto, foi a fé na ressurreição que gerou aquela acção apostólica. Nós somos filhos da ressurreição, como refere Paulo na segunda leitura. Acreditar na ressurreição é deixar que Deus cultive em nós aquele amor que salva. [2] A fé não é uma teoria que se pode fazer própria ou colocar-se de lado, mas uma coisa muito concreta: é o critério que decide o nosso estilo de vida. [3]

Por tudo isto, é este roteiro da fé que somos desafiados a percorrer. Contudo, um conhecido poeta espanhol, António Machado, a certa altura escreveu: “não há caminho, o caminho faz-se caminhando!”

O caminho de Deus inscreve-se no rosto dos irmãos: trata-se de um caminho interior e espiritual. Não faltam argumentos e desculpas para se adiar o projecto das bem-aventuranças, o que falta, talvez, é a coragem para se enfrentar as exigências que a fé suscita. Aquela mesma coragem, irreverente e sábia, que D. António Barroso, um dos rostos de fé da nossa Arquidiocese, nos ensinou a difundir, tal como fez nas suas viagens missionárias a Angola, a Moçambique e Índia, e depois na sua acção episcopal em Portugal, num momento histórico adverso, como foi a I República. [4] Infelizmente, ainda há falhas, indiferenças, imperfeições, erros e preconceitos que continuam a assassinar silenciosamente a dignidade humana.

Como recorda o Papa Francisco, a Igreja não pode parar! Permanentemente, sou interrogado sobre aquilo que a Igreja ou a Arquidiocese faz. Acontece que somos portadores de um tesouro incalculável: a fé que professamos, celebramos, vivemos, anunciamos e comtemplamos. Durante a Semana Santa, apresentei vários rostos de fé da nossa Arquidiocese. Como eles, somos também desafiados a ser este rosto que revela a alegria de ser cristão!

4. Para terminar, há uma marca automóvel cujo slogan diz: “sente a diferença!” (feel the difference). E a diferença cristã, como consequência ética da ressurreição de Cristo, evidencia-se naquela capacidade de perdoar, naquele gesto que desencadeia a alegria, naquele silêncio que evita confusões, naquele sorriso que embeleza o dia, naquela palavra que anima a esperança, naquela escuta que acolhe o desabafo, naquele sentimento que desperta para a liberdade, naquela memória que guarda os milagres da vida, naqueles passos que se desviam do caminho do egoísmo, naquela oração que recorda os que sofrem e naquela qualidade que potencia o amor.

+ Jorge Ortiga, A.P.

Sé Catedral de Braga, 31 de Março de 2013.



[1] Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, 223.

[2] Cf. Mons. Christophe Dufour, Cinco pequenas Catequeses sobre o Credo, 70-71.

[3] Bento XVI, Discurso de 23 de Janeiro de 2006.

[4] Cf. José Adílio Barbosa Macedo, D. António Barroso. Fala nos seus documentos, 159.