Arquidiocese de Braga -

22 julho 2013

O GENERAL DA IGREJA

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Discurso inaugural do encontro de Arciprestes com D. Jorge Ortiga na preparação do novo ano pastoral

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O General da Igreja

Discurso inaugural do encontro de Arciprestes na preparação do novo ano pastoral


1. «Conta-se que, durante a Primeira Guerra Mundial, foram chamados para as batalhas jovens de 18 anos. O adeus às famílias era comovedor. Os pais abraçavam e beijavam os filhos, pois para muitos era a última vez que se viam. No cais da estação, apinhada de pessoas, um homem apertava a mão do seu filho, que era o único. Do seu rosto corriam lágrimas. Entretanto, chegou o comboio e os soldados apressaram-se a fazer as últimas despedidas. Este pai abraçou ternamente o seu filho e disse-lhe: “Carlos, não te deixes matar!” Os soldados já estavam dentro do comboio, prestes a partir. A multidão agitava lenços a dizer adeus. Esse homem fixava o seu filho único, que estava à janela. Quando o comboio começou a andar, o pai gritou-lhe pela última vez: “Carlos, fica perto do general!”»


2. Com base nesta história, ao fazermos o planeamento pastoral da transição entre a fé professada e a fé celebrada, há um denominador inalterável da nossa acção eclesial: proporcionar a todos os leigos esta proximidade com Cristo, que é o nosso general, o nosso guia, o nosso condutor.

Aliás, para o cristão, o segredo da felicidade está em permanecermos com Cristo, uma vez que Ele é para nós o caminho, a verdade e a vida. E a Cristo, não lhe interessa ter muitos discípulos, mas discípulos comprometidos verdadeiramente com a causa evangélica.

Nesta convicção pessoal, teremos de colocar um alicerce do nosso trabalho. “Onde dois ou três estiverem reunidos, em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Sem verdadeira unidade em Cristo, não há Igreja e seremos apenas uma instituição qualquer ou uma “ONG piedosa”, no dizer do Papa Francisco. Não será que isto acontece algumas vezes? Não teremos culpa neste facto?


3. Posto isto, gostaria de elencar aqui alguns tópicos para a posterior reflexão durante estes dias:

a) A Igreja, como qualquer instituição, tem os seus problemas.

b) Fé como elemento diferenciador: apostar na qualidade da nossa fé.

c) Fides quae: Há erros a descortinar, “devoções” pessoais a considerar e individualismos a ultrapassar. Urgência duma variada formação permanente.

d) Fides qua: como intimidade, deixar-se seduzir, cativa, “estar com”. Vivência do ministério sacramental por parte dos sacerdotes, como condição indispensável de motivar todos os cristãos para o mistério de Deus; oração pessoal profunda e essencial; retiros espirituais como momentos de paragem;

e) em e na comunidade. Sentir-se gerador da comunidade. Com dores e sacrifícios. Opção pelos pobres (pobreza escolhida e pobreza a eliminar). Articulação entre movimentos (suscitar movimentos nas paróquias). Conselhos Económicos e Pastorais. Os leigos, não como meros colaboradores, mas corresponsáveis na missão. Escola de Ministérios a iniciar este ano na Arquidiocese e a pedir empenho de todos para que a semente produza frutos.

f) Comunidade de chamados. A vocação na fé celebrada. Horas de adoração em comunidade pelas vocações.

g) Passagem duma igreja piramidal para uma igreja “cenáculo”. Estudo do documento sobre a iniciação cristã durante todo este ano. Não gostaria que fosse um mero documento do Arcebispo, mas um verdadeiro itinerário reflectido e assumido por toda a Arquidiocese.

h) Atenção à pastoral dos jovens e famílias. Olhar perspicaz aos casos de carência.

i) Averiguar a qualidade das nossas liturgias.


4. Diante destes tópicos, o início dum novo ano pastoral, a encarar com renovado entusiasmo, chamando a nossa atenção para a fé celebrada, não pode refugiar-nos no âmbito do culto. O Papa Francisco, na encíclica “A luz da Fé”, recorda-nos uma grande verdade numa dupla formulação. Pela negativa, “a fé não afasta do mundo nem é alheia ao esforço concreto dos nossos contemporâneos”. E pela positiva, “a sua luz não ilumina apenas o âmbito da Igreja nem serve somente para construir uma cidade eterna no além, mas ajuda também a construir as nossas sociedades de modo que caminhem para um futuro de esperança” (LF 51).

O redescobrir a identidade cristã coloca-nos na responsabilidade de ver o mundo que nos rodeia e assumirmos o estatuto de quem se aceita como construtor de algo novo sobre alicerces que se foram desmoronando por jogos partidários e ideológicos, normalmente marcados pela ambição do poder ou do bem-estar material. Nunca poderemos fechar-nos, mas importa que, seguindo a história dos patriarcas e justos do Antigo Testamento, caminhemos pelas estradas deste tempo e deste espaço que é o nosso e não temos outro! Manter a diferença da Igreja mas sempre em diálogo e nunca em confusão politico/partidária.

Não nos faltarão razões para cruzar os braços. Só que a fé deve ser “também edificação, preparação de um lugar onde os homens possam habitar uns com os outros” (LF 50). Quando muitos só cuidam da sua “habitação”, onde nada falta, tantas vezes por influências ou oportunismos corruptos, o homem ou a mulher de fé “edifica”, talvez dum modo que parece lento, uma sociedade de igualdade proclamada mas sobretudo de fraternidade vivida. É esta que falta e a fé expressa.se nesta aventura difícil de ver a dignidade fraternal em todos os homens e de garantir, pela efectiva participação na sociedade civil e pelo exigir às autoridades, o que a mesma fraternidade supõe. Em ano de eleições, deveríamos rever a história e verificar quem assegura um verdadeiro serviço ou quem se movimenta por outros interesses que importa descortinar.

Como são pragmáticas as palavras do Papa Francisco: “As mãos da fé levantam-se para o céu, mas fazem-no ao mesmo tempo que edificam, na caridade, uma cidade construída sobre relações que têm como alicerce o amor de Deus.” (LF 51)

Para terminar, a fé celebra-se na vida e o Sagrado encontramo-lo no quotidiano amargo dos irmãos. Ousemos e coloquemos as nossas comunidades a conhecer a luz da fé e a colocarem a mesma luz em todas as encruzilhadas, e que as celebrações vivenciem a fé e proporcionem a luz que todos necessitam para iluminar o mundo. Com a força da fé arriscamos tudo com critérios eclesiais que marcaram e marcarão a história da humanidade. E, se existir na Igreja alguém que queira afastar-se do general e procurar edificar uma sociedade sem Deus, ofereçamos-lhe ainda mais o tesouro da fé com que Deus nos brindou.


+ Jorge Ortiga, A. P.

Sameiro, 22 de Julho de 2013.