Arquidiocese de Braga -

15 outubro 2013

UMA PERGUNTA ACADÉMICA

Default Image
Fotografia

Discurso na Sessão Solene de Abertura do Ano Lectivo da Universidade Católica - Centro Regional de Braga.

\n

Uma pergunta académica

Discurso na Sessão Solene de Abertura do Ano Lectivo da Universidade Católica

1. Certamente que todos nós elegemos com frequência a colectânea dos filmes que marcaram a nossa vida. O cinema é esta arte que nos faz saltar da realidade e permite olhá-la pelo lado de fora: só assim é que conseguimos avaliar e pensar sobre o estado da questão. Não fugindo à regra, e pedindo desculpa por ser da velha guarda, e preferir os filmes da época dourada dos anos 50-60, no filme “Quo Vadis” vemos como uma religião emergente (cristianismo) acaba por iniciar a transformação político-social do poderoso Império Romano, e como o amor de uma jovem cristã (Lídia) se torna numa arma tácita capaz de refutar o rígido pensamento pagão de um general romano (Marcus Vinicius).

2. Posto isto, neste dia em que celebramos a abertura solene do ano lectivo nesta Universidade Católica, nunca poderemos esquecer que há uma religião que alimenta, fundamenta e projecta esta mesma universidade. E tal como no filme, esta religião tem a obrigação de transformar o actual sistema político-social em nome de uma sociedade mais igual, mais livre e mais fraterna.

Diante deste desafio, há uma característica juvenil que tem dificultado esta missão. Cada vez mais a nossa universidade é frequentada por uma geração que Armando Matteo define como a “primeira geração incrédula”: uma geração sem antenas para Deus, isto é, que não se opõe a Deus e que já está a aprender a viver sem Deus e sem a Igreja. [1]

Obviamente que a Universidade Católica não se destina apenas a alunos católicos, pois as suas portas estão abertas a toda a gente. E também não é a função da Universidade converter pessoas ao cristianismo a todo o custo, porque isso é o trabalho do Espírito Santo.

3. Contudo, e para que o Espírito Santo possa oferecer algo de inédito, temos o dever moral de proporcionar o encontro com a mensagem inédita de Jesus, o Cristo. Aliás, quando o Papa Francisco adverte que os cristãos devem estar presentes na esfera da política, economia, ciência… fala directamente para vós, enquanto instituição de ensino. Por isso, a Universidade Católica tem de ser um autêntico laboratório da fé, no dizer do saudoso Papa João Paulo II. E porquê? Porque a fé já não é uma opção hereditária, mas pode ser uma “decisão preparada e promovida”. [2] A universidade, enquanto casa da razão, nunca poderá descurar a luz da fé, a qual é capaz de iluminar toda a existência do Homem. [3]

4. A propósito, e porque ainda temos de meter a temática da crise nos nossos discursos, há dias li-a um artigo interessante que fazia a síntese histórica da relação entre a fé e a economia. [4] Dizia o artigo que, durante a época medieval, a fé patrocinou as transacções comerciais na Europa. A fé cristã era a base de toda a economia porque era um pressuposto que gerava a inevitável confiança necessária entre o vendedor-comprador, o que possibilitava o negócio justo e válido. Sem fé não haveria confiança, e sem confiança o comércio estagnava, e, por consequência, a economia  abrandava. Depois com a modernidade, esta “lógica fé-confiança-riqueza” quebrou-se com o império da razão (desvalorizando a fé) e o capitalismo instalou-se, pois a razão não buscava a confiança mas somente o lucro. Portanto, a crise actual é precisamente o colapso deste sistema económico e o nosso maior desafio não é outro senão o de humanizar a economia.

Para se realizar este desafio, o Papa Francisco, na homilia da eucaristia com os bispos nas Jornadas Mundiais da Juventude do Brasil, no passado mês de Julho, desafiava-nos a promover a “cultura do encontro”. Infelizmente, hoje em dia parece que já não há tempo e espaço para estar com o outro, nomeadamente o idoso, o portador de deficiência física/mental, o filho indesejado, o desempregado, o pobre… porque estamos demasiado presos a dois dogmas modernos: a eficiência e o pragmatismo. [5] Perante isto, só o encontro sadio com os mais frágeis pode ser um testemunho válido capaz de desautorizar a lógica do lucro que orienta o núcleo duro da nossa sociedade, por vezes duma maneira ambígua e sem a mínima referência de valores.

5. Para terminar, à Universidade Católica, mais do que impor verdades de fé, é-lhe exigido que forme os seus alunos para esta cultura do encontro, que para muitos não deverá esconder o testemunho da mesma e que certamente será uma marca que fará toda a diferença. Por fim, fica no ar a pergunta: se os primeiros cristãos conseguiram transformar um império inteiro, porque é que os nossos jovens alunos e professores não haverão também de conseguir mudar um pequeno país como o nosso?

+ Jorge Ortiga, A. P., 15 de Outubro de 2013,

Aula Magna da Faculdade de Filosofia - UCP.



[1] Cf. Armando Matteo, A primeira geração incrédula, 59.

[2] Cf. Idem, 63.

[3] Cf. Lumen Fidei, 4.

[4] Cf. Artigo de Luigino Bruni, Avvenire, 15 de Setembro de 2013.

[5] Cf. Papa Francisco, Homilia na Eucaristia com os Bispos na JMJ-Brasil, 27 de Julho de 2013.