Arquidiocese de Braga -

6 dezembro 2013

PROIBIDO ESQUECER

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Discurso na abertura do V Fórum das Instituições Sociais.

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  Este “V Fórum das Instituições” tem uma temática muito concreta. Dirige-se particularmente a um segmento, mas não prejudica a identidade de quem não possui ereção canónica. Uma Instituição eclesial nasce, por intermédio das comunidades, como expressão duma fé que exige e supõe uma ação coerente através de respostas às necessidades e carências sociais. Encerram, por isso, uma dimensão eclesial na sua origem e no desenvolvimento das suas iniciativas. Como consequência, o projeto que oferecem deve estar marcado por um perfil que, idêntico a todas as outras no profissionalismo e normativas legais, seja capaz de manifestar algo de específico que não separa mas distingue num cenário multicolor.

  Começaria por chamar à atenção, em ordem a uma reflexão séria, que, na atualidade é frequente determinadas pessoas apresentarem-se, quase com um certo orgulho, como ateus, agnósticos, alheios a qualquer comunidade ou experiência religiosa. Por outro lado, quando alguns, infelizmente poucos, arriscam mostrar as suas convicções católicas quase sempre são individualizados, fazendo com que o medo e a vergonha impere nos católicos que operam à comunicação social, se comprometem no campo da política ou em qualquer outro sector da sociedade. A fé é privada e basta, assim pensam muitos. Mesmo a laicidade do Estado começa a gerar comportamentos que não manifestam o respeito por uma sociedade multirreligiosa e plural.

  Quero servir-me de palavras do Papa Bento XVI, na encíclica “Deus Caristas est”, para facilitar a reflexão que este fórum deverá suscitar, sem complexos nem ambiguidades. Diz ele que as Instituições Sociais da Igreja são expressão da caridade e que esta “não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar fins”.

Esta gratuidade alia-se à universalidade, ou então não é amor cristão. Se este é o fio condutor da vida das Instituições eclesiais, o Santo Padre alerta as comunidades afirmando que isto “não significa que a ação caritativa deva, por assim dizer, deixar Deus e Cristo de lado”, de tal modo que “quem realiza a caridade em nome da Igreja, nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja… O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor.”

  Neste pressuposto é de esperar duas coisas.

  Em primeiro lugar, que as Instituições Sociais da Igreja se empenhem em ter um Projeto Educativo que as identifique. Não se engana ninguém mas o exercício da função social e educativa tem uma marca que, na liberdade, é escolhida e, no quotidiano, é respeitada.

  Em segundo lugar, o Projeto próprio não foge ou não deve fugir, numa elaboração que envolva a todos, desde a direção a pessoal técnico, a um itinerário de matriz cristã. Trata-se do exercício da liberdade religiosa que elenca iniciativas e valores a que não pode renunciar. Por exemplo, não se quer construir o presépio mas aposta-se no Pai-natal, não se quer falar de todos os Santos, mas acolhe-se o Halloween.

  Pode custar muito a algumas pessoas e, quem sabe, a técnicos ou trabalhadores das Instituições da Igreja. Também aqui, Bento XVI não deixa dúvidas: “É dever das organizações caritativas da Igreja reforçar de tal modo esta consciência nos seus membros, que estes, através do seu silêncio, do seu exemplo, se tornem testemunhas credíveis de Cristo”. Aqui está um trabalho sério que a Igreja deve assumir. Interrogo-me se o tem feito, mas esta consciência tem de ser não só reforçada mas, em muitos casos, criada.

  Quero, também, recordar quanto Bento XVI disse às organizações da Pastoral Social por ocasião da sua Visita a Fátima, em 13 de Maio de 2010: “No meio de tantas instituições sociais que servem o bem comum, próximas das populações carenciadas, contam-se as da Igreja Católica. Importa que seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objetivos, na escolha dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios. A firmeza da identidade das instituições é um serviço real, com grandes vantagens para os que dele beneficiam.”

  Esta identidade, com este perfil e matriz bem delineada, exige uma autonomia e independência em relação a partidos e ideologias. Somos para todos mas não aceitamos ser “uma simples variante na organização assistencial comum”. Em simultâneo, o nosso específico e distintivo não nos coíbe de reconhecer que estamos plenamente integrados numa rede nacional de serviço às necessidades variadas.

  É certo que os tempos que estamos a viver não são de tranquilidade. Na mensagem que dirigi à Arquidiocese, referia que o Advento deveria ser graça para nos consciencializarmos de que o “nevoeiro” da atualidade só se dissipará através duma redescoberta da luz da fraternidade. É esta que deve marcar o ritmo das instituições. Nunca como mera teoria, mas sempre como sereno agir em favor dos mais necessitados.

  Se a fraternidade dissipará o nevoeiro que está a gerar medo, gostaria de aproveitar esta ocasião para afirmar que a caridade não se pode restringir às Instituições. São indispensáveis mas não bastam. É ilusório pensar que resolverão os problemas. Só com uma nova consciência de proximidade, que vê com o coração e age com generosidade, regressaremos a experimentar uma sociedade mais justa. Impõe-se em todas as comunidades a existência de grupos de ação social, com diversas denominações onde as Instituições são, só e apenas, um instrumento. Enquanto não tornarmos a caridade exercício permanente nos atos, nos pensamentos e nas denúncias, muitos continuarão a chorar lágrimas e muitas delas escondidas. Ninguém ignora que os ricos acumulam sempre mais e que os pobres experimentam carências do que é essencial. Retira-se a quem tem menos e não se ousa intervir em pessoas e instituições com futuros garantidos.

  Este V Fórum está marcado por um encontro com o responsável da Segurança Social. Os problemas das Instituições são complexos e o futuro de algumas é marcado pela interrogação da sua sustentabilidade. O Estado não pode fugir às responsabilidades de proporcionar dignidade de vida a todos os portugueses. Os pobres deveriam merecer uma atenção especial e os serviços prestados nas Instituições, um apoio na linha dos direitos sociais. Importa, por isso, ser claro na análise das dificuldades e, em simultâneo, garantir a vontade dum caminho em conjunto.

Conscientes das dificuldades do Estado, não deixemos de dialogar, colocando frontalmente as questões e garantindo que o serviço continuará a ser prestado, colocando as pessoas, idosos e crianças, em primeiro lugar. Não desistiremos perante as contrariedades e nunca deixaremos de comprometer as comunidades não só para tempos especiais, como a quadra que se aproxima, mas a todo o momento. O Estado tem de dar mais e a sociedade não pode demitir-se dessa missão. A cada um a sua responsabilidade!

  Em jeito de conclusão, quis iniciar este Fórum partilhando algumas certezas e interrogações. Dialoguemos, é o que peço. Deixemo-nos interpelar pelo possível oferecido por cada um e nunca percamos a meta, sobretudo nas Instituições de matriz cristã, duma sociedade, na sua globalidade, marcada por um humanismo autêntico. Trabalhemos. O nevoeiro passará, na linguagem da minha mensagem de Advento. Por isso, termino com a mesma pergunta que Deus fez a Caim: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9)

† Jorge Ortiga, A.P.

Faculdade de Ciências Sociais, 6 de dezembro de 2013.