Arquidiocese de Braga -

8 dezembro 2013

LAÇOS PRECISAM-SE!

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Homilia na Solenidade da Imaculada Conceição.

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  A Festa da Imaculada Conceição é momento de maravilhoso gaudio. Em simultâneo, porém, não podemos deixar de a tornar oportunidade para olhar para a vida a partir do exemplo de Maria. Como crentes, descobrimo-la e amamo-la como admirável mãe que solicitamente se interessa pelos problemas dos seus filhos.

  Quando falamos em problemas humanos, em hora de crise, corremos o risco de ficar no social quando o momento que vivemos está carregado de desafios mais profundos. Trata-se duma nova civilização ou cultura que está emergindo. A questão moderna é, essencialmente, antropológica e aqui surgem determinadas ideologias que, camufladamente, vão impondo novos critérios de visão da humanidade.

  Os Bispos Portugueses, na última assembleia quiseram deixar uma carta Pastoral “A propósito da ideologia do género”. Deve ser lida e refletida para não nos deixarmos conduzir por correntes que podem destruir a verdadeira antropologia.

  Diante de Maria Imaculada quero trazer um pequeno extrato desta Carta Pastoral. Pode ser um modo de louvar Maria, a mulher por excelência a ser imitada por todos, mas sobretudo pelas mulheres de hoje. A verdadeira devoção está aqui. As orações completam e estimulam a imitação. “Há que pôr em relevo aquilo que o Papa João Paulo II denominou “génio feminino”. Não se trata de algo que se exprima apenas na relação esponsal ou maternal, específicas do matrimónio, como pretendia um certo romantismo. Mas estende-se ao conjunto das relações interpessoais e refere-se a todas as mulheres, casadas ou solteiras. Passa pela vocação à maternidade, sem que esta se esgote na biológica. Nesta, entretanto, comprova-se uma especial sensibilidade da mulher à vida, patente no seu desvelo na fase de maior vulnerabilidade e na sua capacidade de atenção e cuidado nas relações interpessoais.”

  Com isto os Bispos Portugueses sublinham a originalidade e especificidade da mulher para reconhecer que, com o homem, é chamada à comunhão num reconhecimento duma complementaridade indispensável à vida. Nesta visão de verdadeira dimensão cultural, sem tempo nem época, está o apelo de fundamental importância à maternidade que se pode expressar no acto de gerar, mas que é muito mais amplo pois, reconhecendo a sensibilidade da mulher à vida em todas as situações e momentos, particularmente nas de maior vulnerabilidade das pessoas, está a questionar o mundo para que a vida seja reconhecida com tudo aquilo que a torna digna. Os escândalos acontecem quotidianamente, mas a sensibilidade perante os dramas vai diminuindo ou então delegando em algumas instituições estatais ou não. Estas são indispensáveis mas o essencial está no novo modo de estabelecer relações interpessoais. Há dias lia um artigo que afirmava que a nossa riqueza são os laços. Acredito seriamente nisso.

Através de gestos sensíveis pode haver pobreza mas a alegria de viver está aí e ultrapassa muitas dificuldades. O génio feminino, numa maternidade alargada, não aceita o anonimato, o refúgio em relações virtuais, a pressa dos trabalhos. É sensibilidade e atenção permanente, com uma alegria que não olha aos sacrifícios.

  Se a Imaculada Conceição nos pode conduzir a esta reflexão sobre o “génio feminino”, sublinhando o papel da mulher, como mulher sem confusões ideológicas que se infiltram na mentalidade e orientações legislativas, a que deveríamos estar atentos e reagir, creio ser oportuno solicitar à Arquidiocese que se coloque em atitude corresponsável perante o próximo Sínodo. Sabemos que ele abordará “os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. Como Sínodo que é, e no que já é habitual, foi-nos solicitada, como cristãos, uma reflexão sobre o Documento Preparatório para depois responder a perguntas. Nestas nenhum problema ou dificuldade é ignorado. A comunicação social quis restringir as respostas a questões fraturantes. Importa que os cristãos acompanhem este acontecimento desde já, com a sua reflexão serena a partir da verdadeira doutrina cristã e respondam a todas as questões fazendo-o de harmonia com a sua consciência. O texto já foi publicado e está colocado no nosso site, para que possam responder, sem escolher respostas pré-definidas, mas de um modo livre e construtivo.

Se são importantes as respostas pessoais talvez sejam mais úteis as que surgem através de grupos ou movimentos. Respondendo estamos a ser Igreja e, pessoalmente, muito agradeceria a quem o fizer.

  Por último, a Imaculada Conceição, privilégio de Maria em ordem à sua maternidade, deve tornar-se uma celebração para trazermos para os espaços das conversas e reflexões, a temática da natalidade. É um assunto que aparece, no que concerne à diminuição alarmante, em reflexões esporádicas como fruto de estudos académicos ou estatísticos. Só que não se passa daí. A maternidade deve ser mais amada pelos familiares e a natalidade terá de ser mais apoiada por leis que a favoreçam. Vamos verificando os índices das estatísticas, mas as políticas não surgem de modo a inverter a situação. Caminhamos para um envelhecimento da população com consequências imprevisíveis. Há sempre razões. Gerar a vida é recriar o futuro e oferecer esperança a quem vive no presente. Talvez seja necessário ir contracorrente, fugir aos argumentos do que é mais fácil e ter fé que ultrapasse as dificuldades. Que a Imaculada Conceição acorde a sensibilidade dum povo que adormeceu.

  Continuemos a nossa caminhada de advento como reconsciencialização de que Cristo veio e está presente entre nós. É o companheiro das jornadas de nevoeiro espesso da sociedade actual que Maria nos ofereceu. Louvemo-Lo na liturgia dignamente celebrada e participada e caminhemos com Ele na tarefa de libertação do povo português que sofre. Não fiquemos somente nas manifestações e palavras de ordem. A ação oferece o braço para ajudar a caminhar quem se encontra dobrado sobre o peso das dificuldades. Com Maria acontece o milagre da semente. A vida revestir-se-á de dignidade e será estimada e promovida.

† Jorge Ortiga, A.P.

Basílica do Sameiro, 8 de dezembro de 2013.