Arquidiocese de Braga -

2 fevereiro 2014

UMA UNIVERSIDADE PARA A VIDA

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Homilia no Dia da Universidade Católica.

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A cultura hodierna é multifacetada, eclética, fragmentada, ou se quisermos, parcial como consequência da falta duma verdadeira cultura e aposta num sincretismo que aceita as coordenadas que mais convém conforme os momentos ou circunstâncias. Há, porém, um dado que me parece incontornável. A cidade ocupa um lugar de referência e influencia, não como negação da importância rural, mas como imposição silenciosa dos seus critérios e opções. A cidade marca o ritmo hodierno como a agricultura e os campos o fizeram em tempos passados.

A Universidade, também ela aí não só sediada mas também influenciada, não pode alhear-se a esta caracterização social. Daí que o Papa Francisco alerte para determinados desafios das culturas urbanas solicitando comportamentos novos.

  Em primeiro lugar, importa interpretar uma nova visão desta realidade a partir dum itinerário que uma Universidade Católica não pode ignorar. “Precisamos de identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças.” Daí que importa ver dum modo novo, com critérios novos, para desenvolver uma presença de Deus a partir dum tecido urbano marcado por fenómenos e realidades que parecem céticos mas escondem “sementes” a descortinar. “É uma presença que não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada”. Não é necessário ir às igrejas mas há outros espaços onde a luz de Deus parece apagada mas está viva, onde a voz de Deus parece abafada mas sussurra com um encanto para quem a descobrir. Esta é a atitude duma Igreja “em saída” que se coloca onde palpitam questões novas e inéditas. Não será isto uma tarefa para uma Universidade Católica?

  Ouvir a cidade nos seus apelos e tumultos é sinónimo de encontro com variados modos de interpretar a vida, de culturas novas que não conhecemos porque não chegamos ao encontro com elas. No nosso espaço secular, a cultura cristã imperava e a Igreja, na sua pastoral, partia ou parte deste pressuposto. Só que o Papa aponta uma certeza inquestionável: “Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras imagens, simbólicas, mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações da vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus. Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade”[1]

  Direi que uma das missões da Universidade Católica deve consistir em contribuir para que a Igreja seja capaz de se situar nesta “cultura inédita”. Outrora as coordenadas que se opunham ao cristianismo eram facilmente detetadas e, com amor à verdade, desmontadas nos seus princípios. Hoje tudo parece muito incolor, embora com algumas realidades devidamente estruturadas e que dificilmente se detetam por imposição dos compromissos que os membros assumem. Neste cenário, só um estudo interdisciplinar, paciente e persistente, pode individualizar e oferecer à Igreja a descrição dos seus conteúdos ou sintomas e, quem sabe, as possíveis respostas que a Igreja deve oferecer, nunca numa lógica de confronto armado, mas no espírito de consciência para anunciar a verdade.

  Mais do que nunca se impõe uma “educação que ensine a pensar criticamente” mas que, em simultâneo, consiga oferecer uma proposta de valores e do seu “amadurecimento” (Cf. E.G. 64). Não é trabalho fácil nem já definido. Creio que, na atualidade, o estudo proporcionado por uma universidade, sem desconsiderar o âmbito mundial, deve pautar-se por um critério de proximidade. Numa linguagem, já habitual do Papa Francisco, importa “sair” para percorrer os caminhos da proximidade e aí detetar que as periferias de pensamento também são muito reais. Como poderá a Igreja-hierarquia, de quem se pretende e espera uma resposta a propósito de tudo, mesmo que não seja para seguir o seu conteúdo, aperceber-se de determinados sintomas da vida das nossas cidades se não houver outra parte da mesma Igreja, um laicado consciente da sua missão, que aja em nome da mesma e entre no jogo da corresponsabilidade eclesial, oferecendo à hierarquia os subsídios a que esta nunca chegará pelos seus conhecimentos?

  Esta responsabilidade pode marcar o Dia da Universidade Católica. Ela deve ser um verdadeiro campo eclesial ajudando a Igreja a discernir o inédito da atualidade, aqui e agora, sem deixar de ser universitário. Mais ainda, será verdadeiramente universitário, se souber ser eclesial.

  Neste ano queremos corresponzabilizar-nos, em Igreja, com a nossa oração e a nossa colaboração económica, para que a Universidade Católica, no nosso país, seja aquele sinal inspirador do futuro. Quase sempre nos fixamos na evolução histórica com todo o progresso humano que fomos construindo. Prendemo-nos, também, aos emaranhados complexos do tempo presente que parece impedir-nos de experimentar a alegria da vida.

  Quando a Católica entrar no amago das questões – internas da vida eclesial e externas da sociedade que nos rodeia – e aí, detentora corajosa de valores e princípios evangélicos – exercer a tarefa descrita simbolicamente pelo profeta Malaquias de se tornar o fogo fundidor que desfaz, sem destruir, ideologias desprovidas dum verdadeiro humanismo e purifica os critérios e princípios como a lixívia dos lavandeiros, surgirá o “Senhor que é a quem os homens procuram” e n’Ele encontrarão e reconhecerão a luz que falta para um futuro diferente. É no encontro com Cristo, sabendo estar em todos os ambientes humanos, no contexto social que a Católica conseguirá ser contributo inspirador dum futuro verdadeiramente humano.

Deixo este pedido à Universidade Católica, agradecendo a quantos a ajudam a ser o que ela deve ser. Ousemos apostar na inserção das realidades humanas, identifiquemo-nos sem nos confundirmos ou perdendo a nossa identidade, ofereçamos à Igreja, assumindo-nos também como Igreja, o contributo desta experiência, e estaremos a ser luz inovadora para um futuro melhor.

† Jorge Ortiga, A.P.

Sé Catedral, 2 de fevereiro de 2014.



[1] Evangelii Gaudim, 73.