Arquidiocese de Braga -

8 fevereiro 2014

IGREJA, MÃE DE CORAÇÃO ABERTO

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Homilia no encerramento da IX Jornada da Família.

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Igreja, mãe de coração aberto

IX Jornadas da Pastoral Familiar

  O Santo Padre confronta-nos com uma verdade infelizmente inquestionável. A família atravessa uma grande e profunda crise cultural, como tudo quanto implica ou exige vínculos consistentes. Quando sabemos e experimentamos – hoje mais do que nunca - que a família é a célula base da sociedade, devemos questionar-nos sobre as razões destas fragilidades dos vínculos matrimoniais e comprometermo-nos com testemunhos concretos de fidelidade trabalhando, assim, para que a família se torne verdadeiramente naquilo que ela é.

  Nem sempre é fácil para os casais preservar o essencial da família, particularmente nesta relação com a sociedade, estando dentro dela, sentindo-a no concreto a exercer uma influência muito tenaz. É mais fácil deixar-se contaminar por este espírito que destrói o essencial do que exercer influência. Daí que os casais cristãos, trabalhando na sua fidelidade e felicidade familiar, devem reconhecer que lhes compete um papel missionário de sair para ir ao encontro das famílias, dando-lhe consistência, ou seja, trabalhando os seus conteúdos estruturais e mergulhando nas suas feridas ou dramas, compreendendo-os para fazer laços de cumplicidade de modo que sejam destruídos ou eliminados.

  Concentrar-se no essencial da vida matrimonial para não ter medo do encontro com as periferias, com comportamentos e atitudes de quem percorre outros caminhos, exige formação. Daí a importância dos grupos familiares que rezam, refletem e se comprometem juntos, conhecendo-a no coração do mundo familiar como “sal” e “luz” na linguagem evangélica. Se os outros virem “as boas obras” duma vida familiar autêntica e coerente virão ao encontro daqueles que louvam a Deus.

  O Santo Padre, pensando nesta missão que compete às famílias, enumera três eixos à volta dos quais deve girar a vida familiar com incidência no mundo: “aprender a conviver na diferença”, “pertencer aos outros”, “transmitir a fé aos filhos” (E.G. 66). Nunca seremos todos iguais nos pensamentos e atitudes. Importa respeitar a diversidade mesmo não concordando. O egoísmo e individualismo são a fonte de muito relativismo que pretende, só e apenas, uma auto-satisfação. Só aprendendo, nos pequenos gestos a dar a vida, gratuitamente e sacrificadamente, mostramos que pertencemos a um bem maior do que nós e que pode exigir-nos sacrifícios. Se a família é convivência no diverso, é, particularmente, transmissão da fé como algo que se imita pelo testemunho que se dá e, simultaneamente, por uma doutrina que se transmite como mensagem de alegria e felicidade que poderá exigir um abraçar sofrimentos para chegar à Ressurreição.

  Quando isto entra nas preocupações quotidianas, compreendemos que “o matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um”. Mas o matrimónio “não provém do sentimento amoroso, efémero por definição, mas da profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total” (E.G. 66).

  A Igreja nunca poderá fugir ou renunciar a esta expressão genuína duma antropologia autêntica com valores perenes e nunca desprovidos de atualidade. A Igreja propõe um estilo de vida, talvez exigente, mas com a certeza dum humanismo autêntico.

  A partir daqui, e numa nova consciência duma dimensão missionária, os casais cristãos, o que quer dizer, a Igreja, nunca poderão esquecer-se de que a Igreja é uma Igreja “em saída” com duas atitudes muito concretas.

  Em primeiro lugar, ela é “casa aberta do Pai”, “uma casa com as portas abertas” o que significa que “todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a “porta”: o Baptismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos”. (E.G. 47) Para muitos estas palavras podem ferir os ouvidos e incomodar interiormente. São, só e apenas, expressão dum Amor de Pai que faz festa com o Filho Pródigo e que vai à procura das ovelhas perdidas. Daí que o caminho a percorrer, na pastoral, me pareça verdadeiramente encorajante, embora sem resultados imediatos e, muitas vezes, sem aquelas certezas categóricas dum passado que marginalizava, dispensando-nos dum trabalho de fazer caminho com os outros. O acolhimento e atenção não está consignado em fórmulas mágicas do “posso” ou “não posso”, “devo” ou “não devo”. É muito mais profundo. O Papa diz: “estas convicções têm também consequências pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega: é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fatigante” (E.G. 47).

  Se a Igreja deve ser “acolhedora, com prudência e audácia” em segundo lugar, ela deve partir, sair, ir em direção das “periferias humanas” mas isto não significa “correr pelo mundo sem direção nem sentido”, pois nunca poderemos diminuir a força e o encanto do ideal evangélico.

  Só o caminho do amor autêntico é a estrada de Cristo e da Igreja e aqui valem os gestos muito concretos, nunca na mira do proselitismo de conquista, mas na concentração de gastar a vida sabendo que a encontraremos para nós e para os outros. Confirmaremos as nossas convicções, contactando com quem teve oportunidade de ver mas não quis seguir. Isso nos diz hoje Isaías na primeira leitura: “Reparte o teu pão, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa, não voltes as costas, tira do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça, as palavras ofensivas, assim a “tua luz despontará como a aurora e brilhará na escuridão transformando a tua noite em meio-dia.”

  Nada é estranho à Igreja que vai ao encontro para oferecer o dom da alegria do Evangelho, correndo o risco de se “sujar com a lama da estrada”, mas acreditando que a luz do Espírito surgirá para bem duma sociedade nova, através de famílias novas que não temem a pressão doutras formas de convivências, mas prosseguem a estrada dum modelo que a Igreja saberá apontar na fidelidade ao Evangelho sem nunca trair a felicidade dos seres humanos. Deus Criou-nos para a felicidade, viu que o amor entre o homem e a mulher era maravilhoso e belo e saberá situá-lo na história dos tempos hodiernos, sobretudo através dum amor concreto e audaz a tantas situações periféricas que colocam em causa a qualidade do nosso cristianismo.

  Sejamos prudentes e audazes.

† Jorge Ortiga, A.P.

Famalicão, 8 de fevereiro de 2014.