Arquidiocese de Braga -

2 setembro 2016

Mas as crianças, Senhor..., Padre Jorge Vilaça

Fotografia

Jorge Vilaça, padre

Palavras que fazem bem

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Mas as crianças, Senhor...

 

Corria o ano de 2003 quando conheci e trabalhei na comunidade cristã de Santa Teresinha de Lioce, Diocese de Pemba, Moçambique. Cravada no meio de um bairro suburbano, sobrepovoado, com muito lixo espalhado nos carreiros e valas entre as casas de barro, estava uma casa maior, cercada de canas, sem energia eléctrica estável (só em algumas horas e alguns dias funcionava o gerador central) nem água canalizada, onde funcionava uma “escolinha”. Ali estavam durante o dia 110 crianças, dos 3 aos 5 anos, com as respetivas monitoras/educadoras, coordenadas pelos missionários da Boa Nova e pelas Irmãs Salesianas. Era um espaço acanhado para tantas crianças, mas... O mesmo espaço era ainda utilizado, ao fim de semana, para as diversas atividades e reuniões das comissões da comunidade (catequese, liturgia, caridade, saúde, justiça e paz, juventude, vocações, diálogo inter-religioso, família, mulher...)  e para a  as celebrações da Palavra ou para as (raras) Eucaristias dominicais. Em suma, era o lugar do encontro e da construção da comunidade cristã, uma minoria naquele lugar, construído com muito sacrifício dos irmãos e com a ajuda de alguns amigos. Sempre que lá íamos, durante a semana, levávamos bidões de água, lenha e alguns produtos alimentares para a escolinha, que se sustentava economicamente sobretudo com o contributo da mensalidade dos pais das crianças.

Estas crianças podiam ter assim, diariamente, três refeições (e o que significa do ponto de vista de saúde, higiene...) e, sobretudo, podiam ter acesso à educação básica! Um “luxo”, diríamos aqui... Só em milho, alimento básico, gastava-se cerca de 30 sacos por mês (naquela altura cada saco custava 9€. O ordenado mínimo nacional era de 40€...). Propus, nessa altura, a alguns amigos de Braga o desafio [email protected], a fim de tornar menos pesada a “carga” desta comunidade. Foram bastantes os que abriram o coração e as mãos à generosidade. Juntaram-se diversos anónimos. E porque o bem não faz barulho, a “obra” nasceu: grão a grão, o milho não faltou. Entre os doadores, chamou-me a atenção o esforço de duas comunidades cristãs do Arciprestado de Guimarães, Gandarela e Cerzedelo, pastoreadas pelo Pe. José Marques. Na altura, pudemos ir, com a ajuda destas comunidades, mais além do que o proposto: adquirimos um terreno para aumentar as condições da escola, permitindo que fossem criados espaços exteriores para recreio, casas de banho e alimentação.

(escolinha em 2004)

Doze anos passaram. Visitei nestes dias o mesmo local, com o Pe. Ricardo (atual Pároco), a Margarida e o Davide, leigos missionários de Braga. Para chegar à escolinha são exatamente as mesmas dificuldades e o mesmo cenário. A única alteração são os novos fios de energia elétrica (da barragem de Cahora Bassa) que agora sobrevoam algumas casas (algumas já com zinco nos telhados) e o som forte das músicas africanas “da moda”. Depois aparece a escolinha. Com muros exteriores de cimento, com um grande portão pintado, com um edifício bem arranjado, com um espaço exterior de refeitório, com casas de banho, com “escorregas” e baloiços e, principalmente com dezenas de crianças sorrindo, brincando e cantando.

(chegando à escolinha, 2016)

Os cristãos de Gandarela e Cerzedelo foram só uma gota, um grão, um irmão... Mas as crianças, Senhor, é tão belo ver as crianças sorrirem! Este é o jardim que muitas presenças permitem...

Jorge Vilaça, padre