Arquidiocese de Braga -

4 abril 2021

A Igreja que mostra Cristo!

Fotografia

Homilia no Domingo de Páscoa.

\n \n

Tudo quanto celebramos durante estes três últimos dias que fim teve? A agonia no Jardim das Oliveiras, os interrogatórios e ritos de condenação de um inocente em substituição do criminoso Barrabás nos palácios de Anás e Pilatos, a subida injuriosa pela via dolorosa rumo ao altar do Calvário, a execução dramática da crucificação e morte de Cristo… qual a finalidade? Tudo se enterrou no túmulo onde sobre o corpo colocaram uma pedra pesada de difícil deslocação? A manhã de Páscoa proclamada festivamente pelos anjos e reconhecida pelas mulheres que saudosamente queriam visitar o morto sepultado, a que se destina?

Sabemos que o horizonte imediato da Ressurreição de Cristo era a manhã de Pentecostes, 50 dias após tudo o que aconteceu em Jerusalém, onde o Ressuscitado impôs o mandamento de continuar a sua missão numa Igreja que nasceu da confiança de responsabilidades repartidas por todos os apóstolos e discípulos sobre o princípio unitário de Pedro. A Igreja prolonga a missão de Cristo, não de um Cristo personagem histórica mas de uma pessoa divina que quis ficar no meio da Humanidade, prolongando um amor incondicional a todos os seres humanos e pedindo-lhes que se amassem com um amor oblativo e de intensa generosidade.

A Igreja não aparece como uma teoria mas acontece como resultado de um amor que deve ser oferecido incondicionalmente a todos, numa predileção por aqueles que não tem quem os ama. Consciente de tudo o que a deve caracterizar e diferenciar de todas as outras sociedades, a Igreja foi-se questionando para corresponder ao que a Humanidade espera, mas sobretudo para ser coerente com o projecto do seu fundador.

A Arquidiocese de Braga tem um longo percurso. Não é motivo de orgulho o que fez ao longo dos séculos. É responsabilidade para o que deve ser neste novo condicionalismo. O passado é raiz forte a garantir segurança. O presente é compromisso para continuar o ideal nascido da manhã da Ressurreição. Cristo nasce na Igreja para ser ela mesma ao longo de todos os tempos. Se soubemos ser felizes no passado, teremos de o ser no presente. As pedras desta Catedral, com a voz de tantos grandes Arcebispos, não instalam no trabalho realizado mas estão sempre a desafiar a novos caminhos. Temos uma história a contar, não como algo abstracto mas como caminho que deixamos em aberto para a Igreja do amanhã.

Os últimos tempos, aqueles que marcaram a minha vida e de que ainda voltarei a faltar em momento oportuno, estão a dizer-nos, em ordem à Igreja que queremos ser em fidelidade criativa, que somos filhos do Concílio Vaticano II no sentido de que acolhemos a mudança que este evento operou na Igreja universal. Concílio que nos ensinou que, na diferença que distingue os membros do Povo de Deus, está um elemento que todos nos une: o baptismo que nos torna membros activos e responsáveis, na responsabilidade primeira de construir uma comunidade, não como uma sociedade fechada mas como uma identidade que nos responsabiliza a transformar a sociedade civil. Não ignoramos nem queremos dominar esta realidade, como o fizemos no passado, mas queremos transformá-la numa casa comum onde todos vivem em igual dignidade.

Depois, devemos considerar-nos pais de um novo Sínodo Diocesano Bracarense. Aí fizemos uma linda experiência de Igreja centrando-nos nas paróquias, como rosto visível da Arquidiocese, para lhes dar uma dinâmica evangelizadora. Quisemos procurar a verdadeira identidade e missão da paróquia, para apostar num estilo pastoral mais concorde com as atitudes de Cristo e Evangelizar. Foi um processo de envolvimento verdadeiramente consolador. A lenta e calma escuta dos leigos de toda a Arquidiocese, assim como o entusiasmo de todo o presbitério, permitiu pensar uma Igreja não apenas a partir dos intelectuais, que também tiveram a sua voz, mas sobretudo a partir da vivência concreta dos cristãos. Todos fomos pais de um projeto pastoral que geramos sinodalmente para a Igreja em Braga, numa concretização do ideal do Vaticano II. A Igreja sentiu-se viva e inquieta na procura de caminhos onde o anúncio de Deus de amor deveria acontecer quotidianamente. Não é fácil esquecer esta experiência. Sei que muitos recordam pelos resultados alcançados, e sobretudo pela experiência realizada.

Hoje queremos continuar a mostrar que Cristo está vivo, que O podemos tocar e sentir e que temos alegria em oferecer a quem quiser abraçar o seu projecto. Naquela experiência, antes de nos responsabilizarmos na tarefa evangelizadora, fizemos a experiência de ser grupo, família, comunidade. Aconteceu nos grupos sinodais e nas assembleias. Respirava-se amor uns pelos outros, experimentando-se o amor sublime de Cristo, e recordo esta alegria de co-responsavelmente continuarmos a tarefa evangelizadora.

Temos necessidade de voltar a experimentar a presença de Cristo no meio de dois ou três que se reúnem no Seu nome. Reconhecer como é bom e agradável vivermos o mesmo amor. Não aceitar a indiferença mas acreditar na comunhão. Tecer laços autênticos de fraternidade. Não aceitar que as nossas comunidades sejam reuniões de pessoas anónimas que não se encontram nem usam dizer quanto se amam por causa de Cristo. Somos sedentos de comunhão, embora possamos pensar o contrário, e não nos podemos contentar em estar juntos, lado a lado. A Eucaristia chama-nos à comunhão mas quase sempre é um acesso individual a uma graça que satisfaz os meus desejos interiores e não me confirma que todos comungamos o mesmo Corpo. Sem unidade não há Igreja e o anúncio não se aguenta perante as vozes contrárias. Nunca sublinharei o suficiente esta doutrina. Se fosse possível gostaria que fosse uma espécie de testamento. Que todos possam ver como nos amamos.

A Páscoa passa por aqui. Não temos outros argumentos para mostrar que Cristo está vivo. O modo como vivemos o amor é o grito de Páscoa que todos ouvirão e se interrogarão sobre a razão de ser de um amor concreto entre as pessoas. Nem sempre é fácil. Só Cristo motiva e ultrapassa todas as dificuldades. Por esta presença deveríamos estar disponíveis a tudo, perdendo o que temos e somos pela comunhão para que Ele resplandeça entre nós.

Muitos poderão pensar que estou sempre a dizer as mesmas coisas. É uma convicção. Mas, por outro lado, estou a pedir que vivamos o Programa Pastoral a que nos propusemos. “Viver intensamente a caridade para oferecer um rosto sinodal e samaritano à Igreja”. Pensamos que isto nos apela a viver a caridade para fora. Sem dúvida. Queremos ser Igreja samaritana. Mas teremos de incarnar dentro. Fazer das comunidades uma espécie de campo de treino a comprovar a realidade da doutrina que anunciamos. Se não vivemos o amor entre nós não o podemos sugerir aos outros. Daí que, para este tempo, para uma Igreja reveladora de Deus Amor, teremos de intensificar uma vida de amor entre todos.

Este amor concreto entre nós faz-nos compreender uma nota identitária da Igreja muitas vezes esquecida. Na Igreja, não sou um mero consumidor daquilo que me oferecem. A comunidade paroquial não é uma agência de serviços a que tenho direito e pelos quais partilha o que está estipulado. A Igreja é de todos os seus membros e cada um deve ter um grande sentido de pertença. É outra realidade pregada insistentemente mas que continua a ser esquecida. São poucos os cristãos, nos muitos que temos a servir, que possuem este sentido de pertença identificando-se com toda a vida da comunidade. Um bom cristão não é aquele que paga e cumpre a suas obrigações para a comunidade. Precisamos de possuir uma alma que nos identifica com o todo e faz com que vivamos perante os objectivos que é preciso alcançar. Este sentido de pertença ainda está muito adormecido. Deixamos que as coisas corram e não nos envolvemos. Nem sempre é preciso muito tempo. Basta sinais que manifestem que a causa é comum.

Eu sei que morrerei com o sonho de uma Igreja do Vaticano II e sinodal, no sentido de aceitar o modelo que o nosso Sínodo Diocesano elaborou. Haverá sempre algo a realizar. Só que poderíamos estar todos, de um modo unânime, a percorrer o mesmo caminho. O Evangelho de hoje diz-nos que Pedro e João corriam os dois juntos no intuito de ver o sepulcro vazio e anunciar que Cristo estava vivo. Hoje, perante as dificuldades, teremos de correr e ultrapassar uma certa letargia que com o tempo foram colocando nas nossas instituições. Não basta andar. É preciso correr. Só que teremos de correr juntos. Os caminhos não são os habituais. Se apenas estamos nestes, teremos de rever por onde andámos. É sempre hora para alterar hábitos. Olhemos para os resultados da nossa evangelização. Eles acontecem com Ele e a partir dele. Se não encontramos frutos, é sinal de que muita coisa deve mudar.

Neste caminhar juntos, segundo São Paulo, teremos de nos afeiçoar às coisas do alto e não às coisas da terra, aspirar as coisas pelas quais vale a pena dar a vida. As metas que nos propomos não podem ser mesquinhas. O Papa diz que temos de sonhar juntos e isto aponta para horizontes novos para a vida pessoal e comunitária.

Vamos afeiçoar-nos a Cristo Ressuscitado e mostrar que saboreámos a Sua presença nas comunidades que Cristo quis colocar nas nossas mãos. Não nos acomodemos.


† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


Download de Ficheiros

Homilia no Domingo de Páscoa