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23 Mar 2023
Carta ao Povo de Deus
Carta ao Povo de Deus do Arcebispo de Braga e dos Bispos Auxiliares.
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  © Cdonce/Unsplash

«No meio da humanidade dilacerada por divisões e discórdias, reconhecemos os sinais da vossa misericórdia, quando dobrais a dureza dos homens e os preparais para a reconciliação. (...) Pelo poder da vossa graça, o desejo da paz põe fim à guerra, o amor vence o ódio e a vingança dá lugar ao perdão»
(Oração eucarística da Reconciliação II).

Carregando aos ombros o sofrimento e o escândalo do povo santo que nos foi confiado, nós pastores desta Igreja que peregrina em Braga, queremos reafirmar a todos uma palavra de esperança: «ainda hoje, Jesus Cristo, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens e mulheres, atribulados no corpo ou no espírito, e derrama sobre as suas feridas o azeite da consolação e o vinho da esperança, para que a noite da dor se abra à luz pascal» (cf. Liturgia da Igreja). 

Com grande comoção e sentido pesar encontramos pessoalmente e ouvimos os testemunhos de algumas pessoas que foram vítimas de abuso sexual por membros da Igreja. As suas histórias e o seu sofrimento dilaceraram o nosso coração. Conscientes de que o olhar sobre a vítima não pode ser o mesmo que sobre o abusador, ousamos partir da súplica humilde e confiante a Deus para que nos conceda um olhar de compaixão sobre todos: em primeiro lugar as pessoas vítimas, mas também os abusadores e silenciadores, todos os que se escandalizam com a atuação de alguns membros da Igreja, as famílias e a sociedade em geral. Por isso, iremos celebrar uma jornada nacional de oração por todas as pessoas vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais, no próximo dia 20 de abril, como já foi anunciado pelo Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa.

O “Relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa” (14.02.2023) reforça a responsabilidade de cada um de nós. Somos todos chamados ao firme compromisso de garantir que as atividades pastorais se desenvolvam sempre em ambientes sãos e seguros. Para que isto aconteça, deixemo-nos questionar e iluminar com a luz do Evangelho. Trata-se, portanto, de percorrer juntos o caminho do discernimento pastoral: reconhecendo, interpretando e decidindo. 

Reconhecer a centralidade das pessoas que sofrem

1. Temos consciência de que foram, de facto, as vítimas que começaram a fazer ouvir a sua voz, a querer recuperar o tempo perdido por causa de sentimentos de culpa, de vergonha e de raiva, frustração e de escândalo. O Relatório confirma que perante indícios ou provas de abusos, no passado, houve: desvalorização, encobrimentos ou silenciamentos, ingénuas reparações privadas na ilusão de compensar o dano sofrido pelas vítimas. Reconhecemos que os abusos sexuais não foram tratados como prioridade, arrastando consigo erros, omissões e negligência. Reconhecemos, ainda, que nos últimos dias, houve mensagens confusas e contraditórias e equívocos de comunicação sobre o modo de agir da Igreja perante este flagelo hediondo. Por tudo isso, pedimos perdão. 

Interpretar a crise dos abusos

2. Precisamos de fazer um esforço no sentido de interpretar o momento que estamos a viver, considerando que a atual crise dos abusos é, sem dúvida, uma oportunidade para uma evolução ética da humanidade e também para uma renovação e purificação da Igreja, exigindo que continuemos a fazer tudo o que for possível para que a infância seja valorada como deve e se consolide, a nível ético e jurídico, o respeito pelas crianças. «Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!» (Papa Francisco). Não conseguimos imaginar pior tragédia do que viver situações dramáticas e traumáticas na mais completa solidão, temendo a insuportável repetição dos infames acontecimentos, pois grande parte das vítimas sofre abusos continuados dos abusadores. Nunca seremos capazes de saber o que é ser criança ou adolescente e estar à mercê de pessoas que usam o seu estatuto, o seu poder, as suas falas mansas, supostamente bondosas e porventura encantatórias, para atrair vítimas e as molestar. Arrepia pensar nisto, mas é uma realidade tão incontornável que temos de nos focar sobre ela para que não se repita. Na Igreja e suas instituições, não podemos tolerar uma espécie de conspiração silenciosa, pois o silêncio, nestes casos, mata emocionalmente, tanto como os crimes dos próprios culpados.

Decidir e agir em vista de uma cultura da proteção e de um ambiente mais seguro

3. É hora de decidir e agir, como pede o Papa Francisco, afirmando que «não basta pedir perdão às vítimas». Na sua carta de 2 de fevereiro de 2015, dirigida aos Presidentes das Conferências Episcopais, o Santo Padre afiançou com veemência, que “é necessário continuar a fazer tudo o que for possível para desenraizar da Igreja a chaga dos abusos sexuais contra menores e abrir um caminho de reconciliação e de cura a favor de quantos foram abusados”. Neste sentido, será disponibilizado um serviço de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, bem como de acompanhamento espiritual e de reconciliação para as pessoas vítimas que o desejarem, através da criação de uma “bolsa de técnicos” e de acompanhantes espirituais. Recordamos que a Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da Arquidiocese de Braga (CPMAVAB) está disponível para acolher e acompanhar todos os que possam ter sido vítimas de qualquer espécie de abuso em alguma paróquia ou instituição da Igreja. A CPMAVAB, desde a sua criação em 22.10.2019, escutou 28 pessoas que quiseram dar o seu testemunho. Pedimos veementemente a todos os que possam ter conhecimento de situações de abuso que façam chegar o seu testemunho à CPMAVAB (comissao.menores@arquidiocese-braga.pt ou 913 596 668). Sabemos que é doloroso recordar e partilhar estas experiências, mas este é um passo indispensável no processo de cura e apuramento da verdade.  

4. A Arquidiocese elaborará também um “Diretório para um Ambiente Seguro” com as boas práticas éticas e profissionais dirigidas a todos os que trabalham nas nossas instituições centrais (Arquidiocese, Seminários, colégios católicos), Paróquias, Centros sociais e IPSS, movimentos, instituições, funcionários ou voluntários. Serão implementados programas de formação permanente, que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, capacitem para a identificação precoce de possíveis casos de abuso e para a elaboração de mapas de risco, definindo também procedimentos claros de resposta a eventuais denúncias de quaisquer tipos de abuso no seio das comunidades e instituições da Arquidiocese.  

A conversão dos abusadores

5. É importante abrir caminhos de reconciliação e de acompanhamento terapêutico para os abusadores.A Igreja, ao afastar preventivamente da atividade pastoral um clérigo acusado ou condenado por abusos sexuais de menores, não o pode abandonar, porque a “redenção é sempre possível”. O princípio jurídico da presunção de inocência até prova contrária é irrenunciável (can. 1321, § 1) e em todas as investigações que antecedem o processo canónico deve garantir-se ao denunciado a proteção da sua boa fama (can. 1717, § 2).  O alegado agressor tem direito a defender-se das acusações que lhe são imputadas num processo justo. A justiça, juntamente com a prudência, é o primeiro degrau do escadório das virtudes que tem na caridade a sua coroação. Só o amor converte. Como discípulos de Cristo, acreditamos que uma pessoa se pode abrir à graça do perdão e deixar-se transformar, mudando de vida e de atividade, deixando-se ajudar e acompanhar, porque apesar de ninguém estar irremediavelmente perdido, ninguém se salva sozinho.

Conclusão 

Precisamos, como Igreja, de reforçar uma nova consciência sobre o poder de cada um para saber ouvir e ler os sinais de alerta. Que estes dias duros que vivemos, de estrada penitencial, nos levem a caminhos novos em ordem a comunidades cristãs sãs e seguras, conscientes de que é preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que não voltem a acontecer abusos no seio das nossas comunidades. Confiamos que o processo de purificação que estamos a encetar abra para a Igreja um novo futuro, marcado pelo reconhecimento humilde e transparente dos seus erros e pecados, pelo acolhimento das vítimas e pela criação de uma cultura de prevenção e cuidado. Todos somos convocados a uma conversão pessoal, pastoral e missionária, para a qual não é suficiente o pedido do perdão! Este é o caminho que queremos percorrer.  

Este é o tempo da fidelidade. Permaneçamos firmes na fé, abertos ao dom do Espírito, o único que pode curar todas as feridas e fazer novas todas as coisas. Esta é a hora de implorar com os Apóstolos: «Senhor, aumentai a nossa fé!» (Lc 17, 5). Como nos diz S. Paulo: «se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele. Ora, vós sois corpo de Cristo e cada um, por sua parte, um dos seus membros» (1Cor 12, 26-17).

 

Com o nosso estimado Presbitério, rezemos juntos:

Deus Pai, fonte da Vida,
Que pelo Teu Filho, Jesus Cristo,
nos deste o Espírito de confiança e de amor,
fazei que toda a pessoa humana, criada à Tua imagem e semelhança,
em especial toda e cada uma das vítimas de qualquer tipo de violência,
sinta o abraço de compaixão, de ternura e de misericórdia,
e tornai-nos mais próximos dos nossos irmãos e irmãs,
para que todos, peregrinos na humanidade,
com Santa Maria e todos os Santos,
vivamos a alegria da fé, da esperança e da caridade.

Queridas irmãs e queridos irmãos: somos peregrinos convosco. Juntos, somos Igreja sinodal samaritana, e não esquecemos que onde há amor verdadeiro, aí habita Deus.

A nossa bênção episcopal e um abraço muito cordial em Jesus Cristo Bom Samaritano da humanidade.

Braga, 23 de março de 2023

 

+ José Cordeiro, Arcebispo Primaz

+ Nuno Almeida, Bispo Auxiliar

+ Delfim Gomes, Bispo Auxiliar

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