Arquidiocese de Braga -
11 novembro 2004
Homilia da Eucaristia da Abertura Solene das Aulas nos Seminários
Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga.
\nVocações Eucarísticas
O Seminário deve situar-se na vanguarda da vivência das orientações do Programa Pastoral. Com naturalidade queremos conjugar o dinamismo diocesano através duma orientação comum que envolva o sentido vocacional da existência cristã por causa duma presença continua de Cristo na Eucaristia. Não temos dois caminhos. A minha vocação orienta-se e ganha força na Eucaristia e a minha Eucaristia alicerça a alegria de sentir-se chamado para prolongar, no tempo e no espaço, esta presença.
Permiti, por isso, que medite convosco o relato da Instituição da Eucaristia, como acto que se repete permanentemente, numa perspectiva interpretativa dos conteúdos da vocação cristã e, particularmente, sacerdotal. “Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e deu-o aos seus discípulos… Fazei isto em memória de Mim” (Mt. 26, 27-27)
A memória é litúrgica e existencial. A liturgia parece infrutífera se não se torna vida que explicito em três verbos suscitadores de comportamentos e atitudes que, assumidos, concedem permanente alegria à vida cristã e sacerdotal. Hoje como cristãos, amanhã como sacerdotes encontrareis aqui a força que motiva. Quem dera que os nossos sacerdotes aceitassem estas “ordens” de Cristo para viver o sacramento da Ordem.
1- “Tomou o pão”
A fragmentarização hodierna leva, em termos intelectuais, à fragilidade de opções. O relativismo impera e faltam-nos opções fundamentais que alicercem a vida em profundidade.
Hoje, mais do que nunca, a vida consagrada e, dentro desta a vida do sacerdote diocesano, tem de partir duma força interior capaz de, à medida que vão acontecendo as contrariedades, emergir para dar continuidade a um projecto.
Trata-se duma força que nada nem ninguém pode destruir.
Esta força reside no facto do consagrado e do padre diocesano se reconhecer como um homem “tomado” por Deus. Ele “pega em nós ao colo” e conduz a nossa vida. Aceita-nos como somos e das nossas qualidades humanas ou da simplicidade duma vida humilde quer conduzir-nos a experiências de fruição espiritual e humana inimagináveis. O consagrado é fruto deste “abraço” constante com Deus.
O Seminário, assim como os noviciados num discurso mais alargado, torna-se, assim, local de consciência deste permitir que Deus nos “tome” numa vida total e tal e qual ela é. Deixar-se possuir é o segredo duma alegria que ninguém roubará. As crises acontecem quando não centralizamos a vocação nesta ideia nuclear e fundamental.
2- “Partiu o pão”
A Eucaristia conduz a outra vertente explicativa do “ser” do consagrado e do sacerdote diocesano. Luta-se muito pela autonomia pessoal e pelo sucesso interpretado em termos dum carreirismo fácil. Pretende-se a realização na linha daquilo que se pode possuir e as energias são gastas na ansiedade do ter mais alguma coisa para satisfazer-se narcisisticamente.
A lógica da consagração – que a Eucaristia elucida com clareza inebriante – faz-nos olhar parta outro lado e sem ter medo das exigências. Vivemos para ser “partidos” em gestos que poderão ser dolorosos e incompreensíveis. Na verdade, não é fácil estar disponível para desaparecer no serviço e na generosidade. Parece utopia ou discurso ascético ultrapassado. Só entrando dentro desta ousadia de ser homens e mulheres “partidos” nos tornaremos “hóstias” que salvam e libertam. Não é difícil esconder por detrás duma ordenação ou profissão religiosa uma procura do “eu”. Esta consagração, hoje, não convence nem arrasta. Houve um tempo em que tudo se expressava em penitências corporais e sacrifícios impostos ou naturais. Não precisamos doutro tipo de ascetismo. Basta “olhar” o mundo e nele a humanidade para reconhecer que teremos de nos “partir” para ser mediadores da salvação de Cristo.
3- “Deu-o aos seus discípulos”
A atitude de permanente vontade de se “partir” pela salvação do mundo terá de se concretizar em gestos visíveis de auto-doação. A Eucaristia é o pão partido e oferecido. O consagrado vive de experiências, nunca repetidas, de doação do seu tempo e das suas energias. “Tomado” por Deus sabe que a sua realização passa por coisas pequenas que expressam a vontade de entrega.
Nunca nos poderemos procurar. A recompensa é um resultado natural da entrega e só acontece depois. Procurar-se é sinónimo de frustração. Somos para a entrega incondicional e reconhecemos que o Senhor Deus continua a precisar de seres humanos para, em pequenas migalhas ou pedaços de vida, se dar a uma humanidade que busca sentido.
Quando a consagração é vivida na doação, aquilo que se dá transforma a sociedade e as comunidades. Onde está o amor nada permanece inalterável. Ele é uma força transformadora impressionante.
Nesta abertura das aulas dos Seminários, quis, mais uma vez, referir o programa pastoral da Arquidiocese e da Igreja universal. A Eucaristia é fonte e luz para um novo milénio, dizia-se no Congresso Eucarístico. Isto acontecerá se não mecanizarmos o acto eucarístico mas lhe dermos a carga de renovação que ele encerra. Vivendo a Eucaristia, compreendemos melhor as exigências da nossa vocação e querendo interiorizar as interpelações que esta encerra estamos a reconhecer que a Eucaristia deverá ser o centro da nossa vida.
Será que queremos ser, verdadeiramente, sacerdotes eucarísticos? Para isso não basta celebrar, importa traduzir em opções a força da Eucaristia. Peço-vos que assumais estes três verbos: “Tomar”, “Partir”, “Dar”. Vivei-os e fazei com que os outros sacerdotes diocesanos e todos os consagrados vejam nele um programa. Assim, estamos a ligar indelevelmente a vocação à Eucaristia e a torná-la força para as vocações e fonte de novas vocações.
11.11.04 – Eucaristia de Abertura Solene dos Seminários
+ Jorge Ortiga, A. P.
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