Arquidiocese de Braga -
5 fevereiro 2005
Eucaristia e Vocação - Mensagem do Arcebispo Primaz para a Quaresma
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga
\nMensagem do Arcebispo de Braga para a Quaresma
Eucaristia e Vocação
I. Introdução
Com a Quarta-feira de Cinzas damos início à Quaresma, o tempo de preparação para a Páscoa. À Igreja, que está em Braga, dirijo esta mensagem para a convidar a despertar para a sua vocação de peregrina, que se alimenta da Eucaristia.
Como o tempo é o que nós, pela conversão, nos vamos tornando, no Calendário litúrgico, a Quaresma é o tempo favorável para despertarmos para o poder-ser que define o homem no tempo; oferece-nos tempos mais fortes de oração, de escuta e vivência da Palavra, como apelo à prática da abstinência e do jejum, de vida sacramental mais intensa sobretudo da Reconciliação e da Eucaristia, do exercício da caridade pela partilha fraterna, dando a vida em compromisso alegre e renovador. São as exigências da conversão, para uma vida social transparente e de “decência mental”, que não se compadece com a rotina e a tibieza que acomodam e prejudicam, e se manifestam, com astúcia extrema, em tantas frentes da nossa vida.
O desejo de maior identificação com Cristo e de maior fidelidade aos compromissos Baptismais, leva-nos, pois, a acolher a Quaresma como um desafio e provocação para que aprendamos a viver “como santos”, a fazer “como Ele fez”, a amar “como Ele amou” e ama, e a olhar o exemplo do Samaritano.
Tudo isto atingirá, necessariamente, os nossos critérios e atitudes, a nossa maneira de ser, estar, agir e conviver, pois o mundo é aquele que nós construímos com os outros. A conversão desperta a nossa vocação de estar no mundo sem ser do mundo, para que o mundo se torne justiça e a justiça mundo, e “a terra seja o logradoiro de sociedades humanas e não uma selva onde se engalfinham feras!”. Implicará deixar os nossos hábitos e seguranças, as certezas e aburguesamentos, para descobrir a novidade que Deus nos propõe em Jesus Cristo, que sempre desinstala, converte e reconcilia.
Como Igreja Diocesana devemos concentrar-nos no Programa Pastoral onde nos é proposta como prioridade a evangelização para uma cultura vocacional e para uma vivência radicada na Eucaristia, com celebrações e momentos de adoração. A Evangelização é - ou deve ser - intensificada neste “tempo favorável” para provocar opções pessoais e pastorais de vida nova. Daí que peçamos a todos os Sacerdotes e Agentes da Pastoral que ofereçam, ao longo da Quaresma, momentos de escuta e reflexão, através de conferências apropriadas, momentos mais fortes de oração diante do Santíssimo Sacramento, caminhadas penitenciais, vias-sacras interpelativas, que convidem à interiorização, oração meditada do terço, “experiências de deserto”, “subidas à montanha” e outras iniciativas que ajudem a caminhar. Passando tudo por um esforço renovado de santificação dos “agentes”, pois ninguém convence sem testemunho de vida.
Valorizem-se ao máximo as pregações e Procissões dos Passos que se realizam nesta quadra e que tão queridas são do nosso Povo.
II. Sacramento da Reconciliação: fonte de esperança
A dinâmica de conversão que a Quaresma assume de forma mais intensa, conduz à vivência e descoberta sempre renovada do Sacramento da Reconciliação, celebrando-o com alegria, humildade e confiança, como ponto alto de um processo de evangelização e fonte de salvação, liberdade e esperança. Ele restabelece a vida espiritual do Baptismo, conduz a uma fidelidade maior ao projecto de Jesus Cristo, reconcilia com Deus, com o próximo, com a Igreja, com o próprio; é o retorno à casa do Pai, que é, também, o retorno ao eu profundo, que é ser-com-os-outros como “um verdadeiro nascimento”. “Quando alguém, sobretudo um jovem, é orientado para a compreensão deste sacramento, aproxima-se dele de bom grado, livremente e não por hábito. Do Sacramento recebe, com a Graça que lhe é própria, a serenidade de espírito, a lucidez da inteligência, a delicadeza de consciência e a coragem na perseverança” (PdeV, 81).
Seja-me permitido recordar alguns aspectos da doutrina da Igreja.
Como sabemos, a forma normal de obter o perdão dos pecados graves e a reconciliação com Deus e com a Igreja é a absolvição com a confissão individual e íntegra dos próprios pecados (cf. cânon 960 e CP 31).
É por isso que se torna cada vez mais premente uma catequese séria para ajudar a formar a consciência dos fiéis, despertar o sentido do pecado e orientar na conversão cristã. O Santo Padre solicita “uma renovada coragem pastoral para, na pedagogia quotidiana das comunidades cristãs, se propor de forma persuasiva e eficaz a prática do Sacramento da Reconciliação” (NMI 37).
Neste sentido, para além de outras formas de catequese, é aconselhável proporcionar aos fiéis celebrações penitenciais não sacramentais em que, através da escuta e reflexão serena da Palavra, da oração e dos ritos, possam cultivar a sua fé que se verifica no amor, formar bem a consciência, preparar e viver com maior confiança e proveito a celebração sacramental, descobrir a dimensão comunitária do pecado e do perdão.
Nenhum Sacerdote pode, por motivos subjectivos ou conjunturais, criar a confusão entre o Povo de Deus com desvios doutrinais e opiniões pessoais, menosprezando “a disciplina vigente acerca do lugar e ambiente das confissões”, reduzindo o sacramento a uma actividade puramente psicológica ou simplesmente formalística, e utilizando formas de absolvição que não estão de harmonia com a praxis, a doutrina eclesial e o Código de Direito Canónico.
Cada fiel “tem o direito de receber pessoalmente o dom sacramental” e quando um sacerdote “infringe a norma gravemente obrigatória da Igreja nesta matéria, ele defrauda o fiel e priva-se a si mesmo do mérito da dedicação, que é testemunho do valor de cada uma das almas remidas. Cada pessoa merece tempo, atenção, generosidade, não só no contexto comunitário, mas também, e sob o aspecto teológico dir-se-ia sobretudo, em si mesma, na sua incomunicável identidade e dignidade pessoal, e na delicada reserva do colóquio individual e secreto” (João Paulo II). Sem encontro com o Deus do perdão não celebraremos o perdão de Deus.
Para tanto, será conveniente que haja horários fixos de confissões, ao longo da Quaresma, não só no tradicional “Dia do Confesso”, mas com a periodicidade possível, de harmonia com a disponibilidade dos Sacerdotes que se podem permutar e a conveniência dos fiéis que também hão-de compreender a falta de Sacerdotes e, por isso, a necessidade de procurarem celebrar o Sacramento ao longo da Quaresma, com fé e serenidade, sem deixarem para os últimos dias momento tão importante da vivência quaresmal.
Esta orientação pastoral poderá e deverá ser continuada durante todo o ano. Se os Sacerdotes disponibilizarem um tempo semanal, certo e conhecido, o Sacramento da Reconciliação proporcionará condições para um discernimento vocacional e para uma maior vivência da Eucaristia. O Ministério Sacerdotal encontra neste serviço a que os fiéis têm direito a verdadeira razão da sua existência. “Trata-se, sem dúvida, do ministério mais difícil e delicado, do mais cansativo e exigente; mas também de um dos mais belos e consoladores ministérios do Sacerdote” (RP 29). Além disso, proporciona ao penitente conforto e alegria. Fá-lo experimentar a Misericórdia de Deus no renovado encontro com a graça redentora de Jesus Cristo.
III. Eucaristia: escola de amor activo
Estamos a viver o Ano da Eucaristia, coração da vida cristã, escola de amor activo, que nos introduz no “mistério santo do rosto trinitário de Deus” e torna presente Cristo total: na sua glória e no sofrimento da sua humanidade. Nela, invocamos a misericórdia de Deus, contempla-se o mistério de Deus e do Homem, pedimos a configuração com Cristo Salvador, são fortalecidas as comunidades cristãs na mesa da Palavra e do Pão, nasce e termina toda a actividade apostólica, tem importância decisiva para todas as vocações, é fonte e ápice de toda a vida cristã, pessoal e familiar, fonte do Sacerdócio ministerial e da consagração total à causa do Evangelho.
A liturgia é o primeiro espaço de evangelização e, para a maior parte dos fiéis das nossas comunidades paroquiais, o único, pois não pertencem a grupos ou movimentos, nem participam em quaisquer outras iniciativas de formação. Por isso, a liturgia Eucarística, sobretudo a do Domingo, Dia do Senhor, deve merecer a maior atenção de todos os responsáveis para que, na sua beleza e harmonia, enriqueça quem nela participa e leve ao compromisso generoso e alegre no testemunho do Reino de Deus, que se faz próximo, ao agirmos como seus filhos. Nada se pode improvisar. Convidamos todos os intervenientes na celebração da Liturgia dominical: Sacerdotes, Acólitos, Leitores, Grupos Corais, Salmistas, Comentadores, Ministros Extraordinários da Comunhão, pessoas que fazem a Colecta do Ofertório, Sacristães, Zeladoras que cuidam dos espaços da celebração - que todos reflictam sobre a importância da sua missão e saibam dar as mãos para que, quanto deles possa depender, tudo concorra para que a celebração seja acolhedora e bela, convide à participação, à escuta e à reflexão da Palavra, à oração e ao compromisso, numa verdadeira espiritualidade de comunhão (NMI 43).
A liturgia celebrada só será liturgia vivida ao longo da semana se fizer passar a mensagem e despertar para a participação, corresponsabilidade da Igreja que é “povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG 4).
Na história da salvação, a pedagogia de Deus faz-se por pequenos passos, começando com um, Abraão. Neste ano da Eucaristia, o tempo que vamos viver pode ser propício, por um lado, para educar para as pequeninas coisas dentro da celebração e, por outro, para avivar a necessidade de contemplar Cristo presente na Eucaristia, fora da celebração da Santa Missa: diante do Sacrário, nas Visitas pessoais e nas horas de adoração comunitária, na Quinta-feira Santa, nos Lausperenes e festa do Corpo de Deus. Ao mesmo tempo, as comunidades deveriam compreender o dom maravilhoso da Eucaristia, mesmo que os horários não sejam os mais convenientes e os locais tenham de ser fora dos habituais. Recordando as palavras de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”, a Eucaristia merece tudo, e nunca nos podemos contentar com uma celebração fria e apressada e sem relação com os outros; esta é “o lugar da experiência humana de Deus onde o seu testamento se actualiza”. Urge consciencializar-se, em alegria e corresponsabilidade eclesial, para novos tempos.
IV. Partilha: uma exigência da conversão
A Eucaristia e a Reconciliação conduzem à partilha. O pão e o vinho que apresentamos no altar convidam-nos a olhar para as injustiças que existem no mundo, onde há muitas mesas sem pão e muita gente que esbanja sem saber partilhar. “O sentido autêntico da Eucaristia converte-se, por si mesmo, em escola de amor activo ao próximo” (DC 2). Celebrar a Eucaristia exige aprender a dar a vida, em serviço fraterno e humilde, e exige também partilhar o pão para que todos tenham o necessário para uma vida digna. Nela colocamos em jogo o sentido da nossa vida - vivemos para quê? - e reconhecemos que deve ser dada como vocação em gestos que manifestem a entrega pelos outros, pois a vida que se dá é a vida que permanece para sempre (cfr. 1 Jo 2, 17).
Quero prestar a minha homenagem e gratidão à generosidade das nossas comunidades. Nem todos se apercebem de quanto a fé realiza em termos de partilha. Os milagres da generosidade são permanentes e se não agimos por vanglória também não podemos colocar a “luz debaixo do alqueire”. A título de exemplo comunico, como maneira de testemunhar gratidão, que a Arquidiocese entregou à Cáritas 300.000,00 euros e à Nunciatura Apostólica, para enviar às Nunciaturas dos respectivos países, 304.174,69 euros, num total de 604.174,69 euros. Os povos dos países da Ásia, cristãos ou não, receberão, assim, o nosso auxílio e o nosso carinho.
A Quaresma aparece como um convite novo, fruto da abstinência a coisas concretas e da renúncia ao supérfluo, à partilha como fruto da conversão. Trata-se da Renúncia Quaresmal ou Contributo Penitencial.
Atentos às necessidades da Igreja Universal e da Arquidiocese, determino que esta partilha reverta a favor das seguintes iniciativas:
1) Finalidade da Igreja Universal
1.1) Temos dois Sacerdotes Diocesanos, enviados em missão, em Moçambique. Queremos estar com eles e vamos colaborar na reabilitação/construção da Casa Paroquial de Ocua, onde se encontra a trabalhar o padre João Miguel Torres Campos, e para o Apoio Pastoral e Social da Missão de Chiusé, com a frequência de 711 crianças dos 3 aos 5 anos, onde trabalha o padre Jorge Filipe Vilaça Barbosa;
1.2) São muitos os pedidos de ajuda que chegam à Conferência Episcopal Portuguesa. Em Assembleia Plenária, os Bispos de Portugal decidiram criar um Fundo de Solidariedade para responder a solicitações que de todo o mundo vão chegando. Disponibilizaremos, para isso, uma parte.
2) Finalidades da Igreja Diocesana
2.1) Situados em contexto diocesano, continuo a privilegiar a Casa Sacerdotal, em fase de conclusão, solicitando e agradecendo a todos - Sacerdotes e Leigos - o interesse por este espaço de tranquilidade sacerdotal. A generosidade de muitos impele-me a testemunhar a mais profunda gratidão e a acreditar que conseguiremos terminar este projecto tão necessário;
2.2) São muitas as comunidades paroquiais que se envolvem em obras de restauro ou construção de novas igrejas. Para apoiar essas comunidades, iremos, a partir deste ano, criar um Fundo para o qual destinaremos sempre uma parte do Contributo Penitencial.
Conclusão
Sempre a Quaresma foi um tempo de concentração para renovar a vida. O secularismo pode distrair. A Igreja nas suas comunidades deve tornar-se visível pela atenção ao essencial. O trabalho será redobrado para todos os agentes de pastoral. A Páscoa proporcionará a alegria que tantas vezes se procura.
Apostando na Evangelização capaz de provocar respostas concretas, vivamos o Sacramento da Reconciliação e da Eucaristia, trabalhemos para dar à nossa pastoral uma matriz vocacional e disponibilizemo-nos para a doação e partilha dos nossos bens. Palavra, Reconciliação, Eucaristia, Vocação, Partilha. Eis o caminho quaresmal para a Arquidiocese, para expressar e testemunhar o Amor a Cristo, que nos amou em primeiro lugar.
Braga, 6 de Fevereiro de 2005
+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Arc. Primaz
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