Arquidiocese de Braga -
20 março 2005
Homilia de Domingo de Ramos - Dia Mundial da Juventude
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga
\nNÃO TER MEDO DE PROPOR E CHAMAR
O Dia Mundial da Juventude impele-nos a mergulhar, mais conscientemente, no âmago do Programa Pastoral Diocesano. A Eucaristia como fonte e cume da vida cristã, orienta a nossa reflexão para a cultura vocacional cuja consciência gostaria de encontrar em toda a pastoral. Se esta é vocacional, as energias e dinamismos do compromisso com os jovens, pela caracterização duma etapa existencial onde se discerne o futuro, apresenta este sector como o tipicamente vocacional sem ser exclusivo.
Sabemos que uma análise sumaríssima à escassez das tradicionais vocações eclesiásticas-sacerdotais, religiosas e missionárias, referencia como causas e razões o materialismo, o consumismo, a liberdade sexual, a secularização, a coeducação escolar, o horizontalismo mundano. Não podemos ignorar as repercussões negativas deste novo mundo. Só que, por outro lado e conscientes desta nova realidade, a Igreja tem de ser capaz de interpretar uma acção educativa dos adolescentes e dos jovens mais positiva e eficiente. A condenação e as denúncias dos males que caracterizam a cultura hodierna não conduzem a soluções adequadas. Creio, até, que podem tornar-se propaganda que afasta e desmotiva por falta de horizontes e referências mais atrativas.
Se estes factores exercem influência, as comunidades não podem ignorar que a cultura contemporânea, em si e nos veículos que a transmitem, interpreta e faz propaganda, muitas vezes de modo violento, agressivo e com intuitos de persuasão, dum ideal de vida ou duma visão do homem onde a dimensão “vocacional” ou de “apelo”, não só estão ausentes mas são ridicularizadas. E, mais ainda, quando aparecem sintomas e dados objectivos de vida com sentido, princípios e normas de conduta, os espaços que lhe concedem não são significativos e a vocação cristã, em todas as suas expressões, aparece como um dado errado, um elemento estranho de que convém eliminar qualquer referência à existência humana.
Precisamos de recolocar no centro da existência humana a dimensão do “apelo” ou da “vocação” como algo que lhe pertence estruturalmente e como centro e fundamento duma educação vocacional a promover na catequese, nas homilias, nos grupos de jovens, nas famílias. Esta educação vive-se ao lado de antropologias centralizadas no “ego”, na individualidade da pessoa, onde é polarizada a autonomia do sujeito. Trata-se do primado da necessidade egocêntrica , do narcisismo do “mito da auto-realização”, do “mito do desenvolvimento pessoal”. Tudo vale desde que satisfaça as necessidades egocêntricas. Para ser verdadeiramente humano, propõe-se, necessitamos de satisfazer o mais possível todos os desejos. Desta ânsia de satisfação total nasce a agressividade, a conflitualidade, um mundo onde cada um traça para si, sem ligamens absolutos, um projecto pessoal de vida, o sem ouvir o apelo do outro ou do criador.
É neste ambiente que devemos semear e testemunhar que o primado e realização do homem não está no “eu” com as suas possibilidades e potencialidades mas na relação com os outros que exigem ser acolhidos, reconhecidos, promovidos na sua humanidade. Aí a existência humana torna-se responsabilidade perante o outro e perante o mundo. Trata-se dum “apelo”, não verbal mas incondicionado e empenhativo para dar vida aos outros e criar um mundo mais humano em todas as dimensões (materiais, sociais, políticas…) onde não ficamos em razões humanas mas testemunhamos que este humanismo parte dum aceitar o homem como procurador de Deus porque Deus o chama e chamou. A felicidade do homem está em aceitar-se como destinatário da Palavra divina e mediador que a comunica.
Esta cultura da vocação convida a educar para escutar a voz de Deus. No fundo da consciência o homem descobre a existência de uma lei, que ele não impôs a si mesmo mas à qual deve obedecer, e cuja voz, convidando-o a amar, a fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno, ressoa aos ouvidos do coração: faz isto, evita aquilo. Na verdade, o homem tem uma lei inscrita por Deus no seu coração; a sua dignidade está em obedecer-lhe…é o santuário onde ele está a sós com Deus, cuja voz ressoa no seu íntimo. (cf. G.S. 16)
Com este encontro com a chamada de Deus na interioridade, o crente terá de se sentir chamado por Deus para o mundo. Sente-se no mundo e ouve a sua voz na qual intui a presença do mesmo Deus. Aqui, no mundo, cada um tem uma riqueza a oferecer e a concretizar-se de formas variadas. Para uns será o servir desinteressadamente; para outros a causa do mundo merecerá a entrega incondicional de toda a vida através duma consagração particular. O Reino de Deus joga-se na história que a todos e cada um responsabiliza duma maneira pessoal e insubstituível.
Neste início dum novo milénio, a Igreja, e particularmente a Arquidiocese de Braga, terá de concentrar-se nesta educação vocacional. Importa criar consciência duma projectualidade humana, ou seja, viver é realizar um projecto inspirando as escolhas quotidianas a partir duma escolha de fundo que é uma direcção de sentido único para o futuro. Não olhamos o mundo através duma contemplação estéril. Sabemo-nos responsáveis por perspectivar o futuro e dar-lhe sentido. Deus tomou a iniciativa elaborando o seu projecto sobre cada um; a felicidade está em acolher este projecto e dar-lhe consistência.
Nesta Jornada Mundial da Juventude, gostaria de deixar cinco apelos/ sugestões às nossas comunidades.
1) Criar zonas de encontro com o interior para resituar a vida no projecto delineado para cada um. A adoração eucarística pode e deve ser o espaço para escutar quanto Deus tem para comunicar.
2) O silêncio interpelativo terá de marcar as actividades e a vida das comunidades. Não basta fazer coisas. O eficientismo também passa pelo silêncio e as eucaristias têm de privilegiar este ambiente numa educação das pessoas para o “encher” com os gritos da interioridade que desinstalam e interpelam. Muitas iniciativas, especificamente vocacionais, devem ser programadas e realizadas.
3) A história da Salvação está repleta de exemplos de homens e mulheres que ouviram a melodia maravilhosa dum Deus que quis fazer história através de vidas humildes e simples. Necessitamos de pegar na força destes testemunhos e dar-lhe visibilidade. Eles existiram e existem. Só uma pastoral de proposta de homens e mulheres que arriscaram tudo poderá substituir o império dos egoísmos.
4) A situação actual da Arquidiocese, como viveiro de vocações, deve ser dada a conhecer. O povo cristão tem de consciencializar-se do número de vocações que, efectivamente, temos e daquelas que deveríamos ter. Não basta esconder-se num trabalho cansativo de actividades. Não nos podemos enganar. Necessitamos de vocações. Exigir sacerdotes torna-se ou pode tornar-se um sinal de irresponsabilidade. Não é possível continuar pensando que há sacerdotes para todos os pedidos e necessidades.
5) Ninguém pode amar o que não conhece. Os jovens necessitam de conhecer o quotidiano dum consagrado ou consagrada. Demos a conhecer as características, com testemunhos nos grupos, e abramos as portas dos nossos Seminários e Noviciados.
Cinco pistas para uma Primavera Vocacional: educar para ouvir a consciência, espaços de silêncio e retiros, conhecer os testemunhos de ontem e de hoje, consciencializar-se da situação actual, dar a conhecer concretamente. São muitas? São só para este ano? Habituemo-nos a pautar a vida pastoral por estas iniciativas. Estaremos a semear. Deus permitirá que colhamos os frutos quando e como Ele quiser. Só que o trabalho será sempre “a dois”. Ele chama; nós seremos mediadores deste chamamento. Sejamos audazes e apontemos metas concretas de realização dum novo humanismo marcado pela auto-realização. Parecerá fora de tempo ou de época? Deus fará com que a história denuncie a falácia da mentalidade moderna e que saibamos merecer um futuro com esperanças.
Mas, iniciando esta Semana Maior, seja-me permitido formular uma pergunta: Diocese como vai o teu empenho no Programa Pastoral? Será pessimismo reconhecer que muitas comunidades parecem não o conhecer? Façamos um exame de consciência.
Domingo de Ramos.
+ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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