Arquidiocese de Braga -

26 março 2005

Vigília Pascal - O DOMINGO COMO PÁSCOA

Default Image
Fotografia

D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nO DOMINGO COMO PÁSCOA Evocamos a Ressurreição do Senhor e queremos imprimir-lhe um cunho de eterno presente. Seria vã a nossa fé se Cristo não tivesse ressuscitado, mas a Páscoa total ainda não aconteceu. Trata-se duma realização permanente e constante. Cristo quer continuar como aquele que passou pela morte para ser o eterno vivente. Trata-se dum artigo fundamental da nossa fé que não tem, apenas, um alcance doutrinal. A doutrina acredita-se e vive-se quotidianamente. Neste ano, queremos, dum modo especial, reavivar a exigência deste Cristo Ressuscitado presente na Eucaristia. Esta não é um rito com mais ou menos cerimónias e com maior ou menor solenidade. Vivemos, sempre que nela participamos, a alegria e a festa das mulheres e dos apóstolos que encontraram o túmulo vazio e se encontraram com o amigo que queria comer com os amigos e aos quais confiou o encargo de renovar “fazendo sempre em Sua memória” esta presença. Trata-se duma tarefa ingente e urgente esta de levar os praticantes a descobrir a presença do Ressuscitado. Vibra-se com a presença dum amigo e alegramo-nos quando nos encontramos com alguém a quem queremos bem. Não se vê ou sente o mesmo encanto e arder de corações por esta certeza marcante da fé. Quantos cristãos participam na Eucaristia nesta atitude de encontro e festa com o Ressuscitado? Se teremos de redescobrir esta Páscoa eucarística parece-me urgente encarar de frente o domingo. Sabemos que ele é a nossa Páscoa Semanal. “Nós celebramos o domingo, devido à venerável ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, não só na Páscoa, mas inclusive em cada ciclo semanal” (Papa Inocêncio I, Séc. V). S. Basílio fala do “santo domingo”, honrado pela ressurreição do Senhor, primícia de todos os outros dias. Por causa da Ressurreição os cristãos reuniam-se “no primeiro dia depois do sábado”, tornando-o “dia do Senhor”. Não era fácil, em tempos em que os calendários não coincidiam e em que as perseguições acompanhavam a vida dos cristãos. Tudo acontece numa progressiva distinção do sábado onde os cristãos judeus deixaram de participar. “Se os que viviam no antigo estado de coisas passaram a uma nova esperança, deixando de observar o sábado e vivendo segundo o dia do Senhor, dia em que a nossa vida despontou por meio d’Ele e da sua morte…, mistério do qual recebemos a fé e no qual perseveramos para sermos reconhecidos discípulos de Cristo, nosso único mestre, como poderemos viver sem Ele, se inclusive os profetas, que são seus discípulos no Espírito, o aguardavam como mestre?” (D.D. 23) Também hoje, “mesmo no contexto das dificuldades do nosso tempo, a identidade deste dia deve ser salvaguardada e, sobretudo, vivida profundamente”. Trata-se duma diferença que, em tempos diversos, teremos de encarar. Os antepassados conseguiram alterar o ritmo semanal para dar centralidade à realidade da Ressurreição. Hoje teremos de lutar muito para que ele conserve um carácter de dia original e único procurando assumir e extrair diversas aplicações do que significa “santificar os domingos e festas de guarda. A riqueza teológica e pastoral do domingo só me permite recordar dois pormenores. O catecismo da Igreja Católica recorda: “a celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no centro da vida da Igreja” (n.2-177). É sempre eucaristia mas é na missa dominical que os cristãos revivem, com particular intensidade, a experiência feita pelos Apóstolos na tarde de Páscoa, quando, estando eles reunidos, o Ressuscitado lhes apareceu” (D.D.33). Se é verdade que a Eucaristia dominical não possui “um estatuto diferente daquela que se celebra em qualquer outro dia, ela “com a obrigação da presença comunitária e a Solenidade especial que a caracteriza precisamente por ser celebrada “no dia em que Cristo venceu a morte, e nos fez participantes da sua vida imortal,” manifesta com maior ênfase a própria dimensão eclesial. É aí, duma maneira eloquente, que encontramos “um lugar privilegiado onde o mistério da Igreja se realiza concretamente (D.D.34). Nesta doutrina não podemos contentar-nos com a exortação a cumprir um preceito. A vivência da fé deve tornar-se, para cristãos menos conscientes, apetecível através dum vigor novo desta festa pelo encontro com o Ressuscitado e pela alegria da comunidade que se sente Igreja, Povo Peregrino mas convocado para se congregar no amor. As estatísticas que apontam para uma diminuição da frequência dominical tem de preocupar, sem inquietar, os agentes de pastoral. Urge descobrir o verdadeiro porquê e não procurar razões só fora da comunidade num mundo que se alheia da fé. Somos responsáveis, como crentes, por aquilo que a Páscoa semanal diz ao homem moderno que já não se motiva por preceitos. Há outros dinamismos e as igrejas cheias podem dizer muito pouco. Se, para além da diminuição dos participantes, olharmos para a caracterização das novas assembleias não podemos dormir tranquilos e resignarmo-nos ao inevitável. Por onde andam os jovens? E as crianças das nossas catequeses? Que futuro terão as nossas assembleias? Há possibilidades que ninguém pode esconder e responsabilidades às quais não podemos fugir. Ou motivamos interiormente as comunidades ou iludimo-nos com o valor dos preceitos que estipulam a ausência como pecado. Se a doutrina não chega aos destinatários ou se os conteúdos são ocos, não estamos a viver a responsabilidade de “anunciar até que Eu venha”. Gostaria de relembrar outro aspecto neste Santificar o domingo. Recordo quanto o Santo Padre nos propõe. “Se a participação na Eucaristia é o coração do domingo, seria contudo restritivo reduzir apenas a isso o dever de «santificá-lo». Na verdade, o dia do Senhor é bem vivido, se todo ele estiver marcado pela lembrança agradecida e efectiva das obras de Deus. Ora, isto obriga cada um dos discípulos de Cristo a conferir, também aos outros momentos do dia passados fora do contexto litúrgico – vida de família, relações sociais, horas de diversão –, um estilo tal que ajude a fazer transparecer a paz e a alegria do Ressuscitado no tecido ordinário da vida. Por exemplo, o encontro mais tranquilo dos pais e dos filhos pode dar ocasião não só para se abrirem à escuta recíproca, mas também para viverem juntos algum momento de formação e de maior recolhimento. Porque não programar, inclusive na vida laical, quando for possível, especiais iniciativas de oração – de modo particular a celebração solene das Vésperas – ou então eventuais momentos de catequese, que, na vigília do domingo ou durante a tarde deste, preparem ou completem na alma do cristão o dom próprio da Eucaristia? Esta forma assaz tradicional de «santificação do domingo» tornou-se talvez mais difícil, em muitos ambientes; mas, a Igreja manifesta a sua fé na força do Ressuscitado e no poder do Espírito Santo mostrando, hoje mais do que nunca, que não se contenta como propostas minimalistas ou medíocres no plano da fé, e ajudando os cristãos a cumprirem aquilo que é mais perfeito e agradável ao Senhor. Aliás, a par das dificuldades, não faltam sinais positivos e encorajadores. Graças ao dom do Espírito, nota-se, em muitos ambientes eclesiais, uma nova exigência de oração na múltipla variedade das suas formas. Retomam-se também antigas formas de religiosidade, como por exemplo a peregrinação: muitas vezes os fiéis aproveitam o descanso dominical para irem aos Santuários, talvez mesmo com a família inteira, passar algumas horas mais de intensa experiência de fé. São momentos de graça que é preciso alimentar com uma adequada evangelização e guiar com verdadeira sabedoria pastoral.” (D.D. 52) A estas manifestações de Santificação do domingo gostaria de aludir aos momentos que antecedem ou se seguem às celebrações eucarísticas. São oportunidades para cimentar e experimentar o amor fraterno que se vive na Eucaristia. O cristão deveria aproveitar estes espaços e alargá-los para conviver, conversar, partilhar preocupações, sintonizar com a Vida da Igreja, criar família. Os Adros antigamente eram esta espécie de Casa comum por onde passava a vida da comunidade por vezes numa atitude crítica mas outras como espaço de comunhão. Creio que deveriam tornar-se verdadeiros Centros Comunitários e não meros centros cívicos como se começam a chamar, sem medo nem vergonha de lhe atribuir este nome, que, propriedade da comunidade dos crentes, congregam e permitem uma leitura da vida a partir da celebração para que a missa conduza à missão. Começo a reconhecer que, na azáfama da vida quotidiana, são absolutamente necessários estes espaços e momentos onde o pároco deverá marcar presença, porventura muito breve, e os cristãos empenhados planearem momentos de convívio que não precisam de ser exclusivamente nos dias de Festas Paroquiais. A Eucaristia é uma Festa sempre. O Ressuscitado é o centro do anúncio e da vocação da Igreja e das vocações de especial consagração. Quanto trabalho a realizar para o testemunhar? Vigília Pascal 2005. + D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz