Arquidiocese de Braga -

4 janeiro 2008

Um projecto cultural como homenagem

Default Image
Fotografia

D. Jorge Ortiga

Sessão Solene

No centenário do nascimento do Cón. Avelino de Jesus da Costa

\nUm olhar retrospectivo da história conduz-nos à constatação de que houve um tempo em que se pensava ser necessário e possível estabelecer uma «cultura universal» que surgia duma racionalidade capaz de se impor a todos duma maneira inequívoca. Ao resultado deste trabalho intelectual muitos apelidaram-no de cultura ocidental que se foi «exportando» e impondo, com ou sem liberdade, ao mundo. Tratava-se duma verdadeira homogeneização estática que se acolhia num momento e se conservava.
A Igreja, no seu caminhar cultural e sem se aperceber que estava a cair num reducionismo, procurava transmitir uma única doutrina onde os termos eram especificados com critérios iguais, os argumentos se estruturavam de maneira idêntica e os adversários eram desconsiderados no desmontar das suas objecções. Uma vez adquiridos estes conhecimentos bastava repetir nos exames ou nas pregações.
Este esquema duma «universalidade cultural» está hoje ultrapassado e predomina o paradigma da «pluralidade das culturas». A Igreja situa-se neste contexto e acredita que este pluralismo não significa relativizar a verdade, desde que seja capaz de afirmar a sua identidade ou diferença e estruturar um pensamento de diálogo com quem pensa diferente. É este o mundo novo que nos toca viver sem criar complexo. Importa, porém, ter presente quanto o Papa Bento XVI afirmava ainda como Card. Ratzinger, numa conferência intitulada: «Cristo, fé e desafio das culturas». Dizia ele: uma cultura manifesta e evidencia o que tem de valioso não através dum fechar-se numa auto-referência narcisista mas assegurando uma «essencial abertura» a outras formas de cultura promovendo um enriquecimento próprio ou partilhando possibilidades de doutrina que os outros desconhecem.
1 - A celebração dos 100 anos do Cón. Avelino de Jesus da Costa está a assegurar que é possível não se acomodar a dados considerados como certos e seguros mas prosseguir numa investigação persistente suscitadora de novidades que, entrando no seu confronto académico, suscitam admiração e reconhecimento.
Gostaria de descortinar, nesta homenagem, uma mais valia para a vida da nossa Arquidiocese. Há quem afirme que vivemos de tradições e que fazemos delas a nossa bandeira. Necessitamos de acreditar na urgência dum verdadeiro projecto cultural que envolva sacerdotes e leigos e faz com que cada um, no seu estatuto próprio, se empenhe, não se desculpando com a idade ou condicionalismo, procurando pensar ao ritmo actual de todos os âmbitos científicos. Outrora só o relacionado com a teologia, directa ou indirectamente, nos interessava e envolvia. Hoje, todo o mundo do pensamento nos pertence e navegar nele significa acolher as suas riquezas para adquirir uma linguagem que, transmitida, imponha o estilo de Cristo. Centralizar-se em Cristo e partir dEle para estar na literatura, na filosofia, na educação, na história, na arte, na música, etc. é um desafio que nunca se pode ignorar. Trata-se, enfim, de mergulhar numa antropologia cristã onde as diversas dimensões ou problemáticas são iluminadas pelo dinamismo da fé para se abrir a uma permuta ou confronto com tudo o que se pensa ou vive.
2 - Este projecto cultural – e situemo-nos nesta quadra natalícia – significa somente um inserir-se num processo de incarnação da fé na cultura ou culturas que nos rodeiam. Aí poderemos ser «estrela» que questiona, sem abalar, a sabedoria dos procuradores da verdade ou fazedores de opinião. Se isto foi sempre fundamental, hoje é imperioso perante um pensamento «laico» que alguns pensam ser o único possível ou moderno. A nossa fé não se pode resignar a ser «pura» tornando-se desincarnada, como algo que não interessa. Há sempre o risco de cair num espiritualismo ou fé alienante esquecendo-nos da missão humilde de ser guias na história do mundo.
3 - Este projecto cultural da Igreja deve, permanentemente, crescer em relação com as pessoas, ambientes e estruturas expressamente dedicadas à investigação. Não crescemos isolados. No célebre e polémico discurso do Papa, na Universidade de Regensburg, estimulava e convidada a Igreja a «alargar os espaços da nossa racionalidade».
Nestas considerações regresso à homenagem que deverá perdurar. O Cón. Avelino deixou-nos um testamento de compromisso com a procura da verdade que todos os cristãos – sacerdotes e leigos – deveriam entender como aventura da inteligência para tornar a fé presente em todos os âmbitos. Por outro lado, a abrangência dos seus conhecimentos colocou-o em relação com toda a Academia Universitária. Era génio num aspecto e isto concedeu-lhe créditos para se impor a tantos que pensavam como ele e dele aprendiam e a outros que discordavam mas aceitavam o discurso das verdades descobertas.
Esta Biblioteca, criada para acolher o seu espólio como modo de comemorar o centenário do seu nascimento, pretende ser um «sinal» do amor da Arquidiocese a quem trabalha no mundo do pensamento. Da nossa parte continuaremos a investir para conservar autênticos tesouros que podem ser dispersos ou perdidos. Colocados num espaço da Igreja continuarão a falar do interesse da Igreja pela cultura que muitos – sacerdotes e leigos – testemunharam. Aqui podem tornar-se «vigas» pelas consultas que muitos irão efectuar.
A elaboração e preparação desta homenagem – na Biblioteca e publicações – foi uma canseira hercúlea para algures. Poderia e deveria enumerar os seus nomes. Sabem quanto lhes estou grato e como muitos lhe agradecerão. A Arquidiocese ficou mais rica com o vosso trabalho.
Saibamos colher a mensagem deste momento. Como o Cón. Avelino de Jesus da Costa apaixonamo-nos pela cultura para uma maior credibilidade da Igreja.
Salão S. Frutuoso: 04-01-08
† D. Jorge Ortiga, A. P.