Arquidiocese de Braga -

23 junho 2011

SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

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Colaborador

Homilia de D. Jorge Ortiga.

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Nos últimos tempos temos ouvido falar do caminho Repensar a Pastoral da Igreja em Portugal. Subjacente a este programa está um novo modo de ser Igreja que passa por uma nova pastoral que necessita, antes de tudo, de um profundo e íntimo encontro com Cristo por parte de todos os sacerdotes e leigos. Sacramento do amor, a “Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste sacramento admirável, manifesta-se o amor «maior»: o amor que leva a «dar a vida pelos amigos»” (Sacramentum Caritatis).

Em plena solenidade do Corpo de Deus, gostaria de vos convidar a reflectir sobre a centralidade da missão da Igreja configurada com Cristo, o Bom e Belo Pastor. A Igreja, sacramento de Cristo, que O anuncia ao mundo como seu Salvador. Jesus prometeu que estaria connosco e que nunca nos abandonaria. O essencial da evangelização da Igreja deve, por isso, situar-se na convicção de que Ele está presente e só Ele é capaz de realizar plenamente a missão da Igreja. Uma presença mediada por todos os baptizados que, na fidelidade à sua vocação e na coerência de vida, devem testemunhar a pertinência da salvação de Deus no hoje da história.

Se a missão da Igreja reside em testemunhar bem alto a presença do Verbo no seio da humanidade, a vida dos cristãos deve ser, como consequência natural, acompanhada de uma espiritualidade que nos dispõe para a escuta e o acolhimento da Verdade e da Beleza que Deus suscita na humanidade. Sem experiências de encontro com Cristo a transparecer no anúncio, na liturgia e na caridade, a Igreja afasta-se do essencial e corre o risco de perder tempo com discussões incapazes de gerar um novo modo de encarar a fé e as situações complexas dos tempos actuais.

Quero recordar quatro modos de “estar com Jesus” que devem marcar a vida espiritual de cada cristão e das comunidades cristãs. A pastoral poderá ganhar um novo ardo a partir daqui.

1. Ele está na Palavra. Encontrá-lo em momentos de silêncio para O ouvir como quem escuta um amigo. A Igreja foi sempre contemplativa. Hoje a vida das pessoas orienta-se segundo o princípio do “fazer”, do “produzir”. A Sagrada Escritura não é um mero livro a aprender. É a escuta de uma voz que alimenta a vida do crente e predispõe a comunidade para a escuta acolhedora e para a prática das boas obras. A renovação pastoral inicia-se aqui: renovando opções e critérios através do diálogo com todos para discernirmos caminhos para uma nova evangelização. A pastoral tem de ser evangélica não só porque fala do Evangelho mas porque é portadora de uma força que a norteia e orienta a partir de dentro.

2. Ele quis ficar connosco na Eucaristia. Sacramento que hoje celebramos. Em muitas comunidades, a Eucaristia resume-se a uma sucessão de ritos e devocionismos, repetidos mecanicamente ou com novidades desproporcionadas e inoportunas ao nível musical e das orações fundamentais da Eucaristia. Inova-se na forma mas esvazia-se o conteúdo.

Não é possível inovar sem uma forte espiritualidade enraizada na mais bela tradição da Igreja. Creio que se impõe que repensemos a celebração e a participação na Eucaristia, purificando as motivações da nossa participação no memorial festivo da última Ceia. Como estamos a celebrar as nossas Eucaristias? Deus é sentido, experimentado, louvado, comungado? Que relação se estabelece com a vida pessoal e comunitária?

Bento XVI, na sua Exortação Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, alerta-nos para o seguinte: “a beleza não é um factor decorativo da acção litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à acção litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza” (nº 35).

3. Ele quis ficar no próximo. A fé na presença eucarística de Cristo e a contemplação do mistério celebrado renova dominicalmente o nosso encontro com o acontecimento pascal de Jesus Cristo que nos conduz a encontrá-Lo no rosto do irmão. “Tudo o que fizerdes a um dos mais pequeninos é a mim que o fazeis”. Cristo continua a tecer numa epopeia de caridade com gestos e atitudes que ainda podem ser experimentados. Esta consciência modificaria muitos comportamentos e exigiria um compromisso mais forte de solidariedade efectiva com os mais pobres. Acredito, seriamente, que seremos julgados pelo pecado da omissão, por aquilo que poderíamos fazer e não fizemos. Como queremos o bem? Como servimos nos nossos Centros Sociais? Se amor de Cristo é o sinal mais belo de Deus na história humana, a fraternidade cristã não terá de ser vivida doutra forma?

4. Ele quis ficar nos sucessores dos Apóstolos. Quem vos ouve a mim ouve. O sentido da comunhão com a Igreja local é fundamental para sentirmos a presença de Deus no meio da casa dos seus filhos e filhas. Somos Igreja de Cristo. Temos consciência disso? Queremos testemunhar uma Igreja Católica ou pretendemos um subjectivismo que nos desculpa sempre perante os nossos erros e culpabiliza sistematicamente os outros? Somos o corpo místico de Cristo, como povo sacerdotal em plena e consciente comunhão?

Vive-se um pouco por todo a diocese as festas dos santos populares. Penso que é oportuno convidar todas as comissões de festas a darem prioridade a esta dimensão da vida cristã. Há uma preocupação muito grande pelo exterior. Não teremos que criar espaços de encontro com Cristo na Palavra, na Eucaristia, na oração e no compromisso com os mais necessitados? Sei que as minhas palavras poderão ser uma voz a clamar no deserto. Mas não deveríamos ser mais realistas na austeridade a impor e na contenção das despesas em gastos fúteis e desnecessários mostrando que é possível fazer festas belas e com mais sobriedade nos gastos?

Cristo quis ficar no meio dos seus. A Ele importa dar lugar e espaço para que a nossa vida espelhe a alegria de termos encontrado em Cristo a fonte de toda a esperança e de toda a caridade, na proclamação da Palavra e ao partir do pão. Assim, “participando no corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos, pelo Espírito Santo, num só corpo» (Oração Eucarística II).

 

Braga, 23 de Junho de 2011

 

Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz